René Goscinny dizia que, nas aventuras de Astérix e Obélix, a história era menos importante do que os “gags”, sendo apenas um pretexto para estes, à custa dos quais ela era construída e estruturada. Os melhores filmes de Astérix e Obélix (ou os menos maus, dependendo do ponto de vista…) são os mais respeitadores da linha narrativa, do espírito da série e sobretudo das situações cómicas do álbum (ou álbuns) originais que adaptam. Um dos exemplos mais felizes é “Astérix e Obélix: Missão Cleópatra” (2002), em que Alain Chabat decalca para a tela toda uma série de “gags” e minudências cómicas do álbum “Astérix e Cleópatra”, além de se aproximar visualmente da identidade gráfica da série.
O novo filme de Astérix, “Astérix e Obélix: O Império do Meio”, de Guillaume Canet (que também deu uma ajuda no argumento, escrito com Julien Hervé e Philippe Mechelin, e interpreta o pequeno gaulês, embora seja quase da altura de Gilles Lellouche, que sucede a Gérard Depardieu como Obélix), é o primeiro de imagem real que não tem na sua base um ou mais álbuns dos heróis de Goscinny e Uderzo — e isso cedo se torna bem claro. Além de uma história colada com saliva (a princesa Fu Yi, filha da imperatriz da China, destronada e presa por um usurpador, consegue fugir para a Gália e pede ajuda aos gauleses para a ajudarem a salvar a mãe), a fita é mendicante de comédia e estamos a ser muito generosos se dissermos que tem meia dúzia de “gags” potáveis.
[Veja o “trailer” de “Astérix e Obélix: O Império do Meio”:]
Canet manteve os apetrechos básicos das histórias de Astérix e Obélix (gauleses em missão fora de portas, legionários romanos a servirem de saco de pancada, os piratas, Júlio César, anacronismos), introduziu um par de novidades (Astérix pondera tornar-se vegetariano e fazer dieta de poção mágica, enquanto Obélix e a guarda-costas da princesa têm um romance), e como hoje é impossível não falar da China nem lhe estar alheio, usa-a como grande chamariz da fita, afeiçoando-a ao contexto de uma aventura de Astérix e Obélix. Mas o que lhe sobrou em dinheiro – “Astérix e Obélix: O Império do Meio” custou 65 milhões de euros, é uma das produções mais caras do cinema francês – faltou-lhe em engenho cinematográfico e em arte da comédia.
Quase nada funciona no filme, dos trocadilhos atrozes às espalhafatosas sequências de “kung fu”, passando pela parada de artistas e “famosos”, em boa parte desconhecidos fora de França (tirando Zlatan Ibrahimovic no papel do super-legionário Antivirus, e Vincent Cassel e Marion Cotillard a fazerem de Júlio César e Cleópatra). E o recurso maciço aos efeitos especiais por parte de Guillaume Canet faz com que “Astérix e Obélix: O Império do Meio” tenha uma pronunciada dimensão cartoonesca, mas da vertente digital mais tosca. Antes tivessem feito uma longa-metragem de animação. Teria sido mais barato, e decerto tinha saído mais apresentável. Tal como está, não há Panoramix nem poção mágica que lhe valha.