Eram muitas experiências e sensações num só jogo para Pep Guardiola. Tinha pela frente o Bayern, clube onde esteve três anos, ganhou outros tantos campeonatos, conquistou sete títulos mas falhou aquele que era o grande objetivo de chegar à Champions. Tinha no banco contrário Thomas Tuchel, técnico que lhe retirou a possibilidade de ser campeão europeu no Porto quando o Chelsea bateu o Manchester City na sua única final europeia. Ainda havia, além da base que se mantém da sua altura na Baviera, dois ex-jogadores com quem trabalhou em Inglaterra mas deixou ir ao abrigo da ideia de que só conta com eles que têm “fome” (Cancelo e Sané). E mais um daqueles avançados que foi dos maiores terrores em seis anos e meio que leva no Etihad, Sadio Mané. Se o futebol é e será um jogo de 11 contra 11, era nele que estavam todas as atenções.

O dia em que Pep Guardiola foi humano e Tuchel virou Deus (a crónica do Manchester City-Chelsea)

“É uma honra estar aqui a defrontar um clube de elite como o Bayern. Estou muito feliz. Da minha experiência quando treinei o Bayern, não interessava onde jogássemos, tínhamos de ser o Bayern e tentar ganhar. O Bayern não é uma equipa que apenas pensa na segunda mão, eles querem logo ganhar. Não estou a contar com uma estratégia em que venham aqui jogar fechados, apostados em fazer duas ou três transições para depois tentar resolver a eliminatória na Allianz Arena”, comentara o espanhol, quase que “convidando” o adversário a fazer o jogo que mais lhe convinha, ao mesmo tempo que recordava um dos maiores jogadores de sempre, neste caso da NBA, para esvaziar a possível pressão de mais um ano de insucesso: “Vamos tentar ganhar a Champions como tentámos no último ano, e no outro, e nos últimos seis. Mas o meu sonho não é ganhar, é viver isso, é estar aqui. Quantos Majors jogou o Jack Nicklaus em 40 anos de carreira? 120, 130? Ganhou 18. O Michael Jordan ganhou seis anéis de campeão em 16 temporadas. No desporto perde-se mais do que se ganha e é assim que vivo a minha profissão de treinador, não sou perfeito”.

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Sendo um discurso sincero e out of the box para o que é normal antes destes grandes encontros, era também um chamamento para tentar encantar um Bayern em mudança, que despediu Julian Nagelsmann apesar de ter eliminado o PSG na Champions e apostou em Thomas Tuchel, campeão europeu pelo Chelsea num ano em que também chegou a meio. O alemão sabia-o. E, entre elogios ao homólogo, deixou antever que não era por isso que mudaria a ideia de jogo que tinha para a primeira mão. “Eles têm um jogo muito ofensivo, o de mais alto nível no futebol europeu mas estamos bem preparados. A expetativa é enorme, a tarefa que temos pela frente é enorme mas o critério com base no qual nos queremos medir também é o máximo. Temos de aproveitar os resultados para sobreviver”, destacara o germânico neste regresso a Inglaterra.

Esteve lesionado, voltou, bisou e leva 30 golos em 27 jogos. Quem é que pode parar Haaland?

O facto de não estar em campo o Real Madrid tirou a alguns o epíteto de final antecipada mas esta era mesmo a eliminatória mais esperada dos quartos da Liga dos Campeões e com um outro nome em campo apostado em acertar contas com os bávaros: Erling Haaland. O avançado que Guardiola colocou no último fim de semana ao nível estratosférico de Cristiano Ronaldo e Lionel Messi chegava com números de Super Homem ao aguardado duelo da Champions (competição onde tem a melhor média de eficácia…), entre 44 golos em 38 jogos oficiais e 30 em 27 na Premier League. Problema? Nos sete encontros que fez contra o Bayern, saiu sempre derrotado apesar dos cinco golos marcados. Agora, vingou-se com um golo, com uma assistência e com mais uma exibição histórica, tornando-se o primeiro jogador de sempre em Inglaterra a marcar pelo menos 45 golos, ao mesmo tempo que leva 34 ao todo na Liga dos Campeões… em 26 encontros. E a isso ainda se juntou um Bernardo Silva ao melhor nível com um golo, uma assistência e o prémio de MVP.

O norueguês ainda deixou o primeiro aviso logo nos minutos iniciais mas, apesar das aproximações de perigo dos dois conjuntos, havia sempre uma perna ou uma cabeça a travar a intenção de chegar ao golo. O City tinha mais bola, o Bayern não se remetia apenas ao seu meio-campo lançando sempre que podia as flechas na frente e foi no melhor momento dos alemães que surgiu o momento mágico que inaugurou o marcador: Rodri, mais conhecido pelo trabalho de sapo com fato de macaco, vestiu o fato de gala para fazer um remate de pé esquerdo fabuloso ao ângulo sem hipóteses para Sommer (27′). Aí o suíço só ficou a olhar, pouco depois esteve no melhor e no pior: após um cruzamento que não abordou da melhor forma, a bola sobrou para o remate de primeira de Gündogan e o internacional defendeu por instinto com o pé (33′).

O segundo tempo trouxe a melhor versão do Bayern no arranque, com Ederson a segurar a vantagem com duas defesas fantásticas que impediram o 1-1, a última das quais a um remate de Leroy Sané que levava selo do golo (54′). Logo a seguir, na sequência do canto, Rúben Dias festejou como se tivesse marcado ao tirar uma bola em cima da linha com o guarda-redes brasileiro batido (55′). E o exemplo do português ficou muito perto de se multiplicar, com um grande pontapé acrobático agarrado por um defesa para nova intervenção monstruosa de Sommer (57′). O sucessor de Manuel Neuer brilhava até aparecer a maior estrela de todas numa autêntica constelação que andou no Etihad: Haaland assistiu Bernardo Silva para fazer o 2-0 de cabeça (70′) e marcou depois o 3-0 num insistência com passe de John Stone (76′). O guarda-redes suíço do Bayern ainda seria determinante para evitar uma goleada maior mas os estragos já estavam feitos, à custa da nova versão do filme “Twins” (ou “Gémeos”) tendo Haaland e Bernardo Silva a fazerem de Schwarzenegger e Danny DeVito com Pep Guardiola no papel de produtor e diretor em vez de Ivan Reitman.