A Agência Espacial Europeia (ESA) adiou para sexta-feira o envio, da Guiana Francesa, de um satélite que vai estudar Júpiter e três das suas maiores luas com potencialidades de albergarem vida, uma missão que envolve empresas, cientistas e engenheiros portugueses. A partida deveria ter acontecido esta quinta-feira mas o mau tempo provocou um adiamento.
A descolagem, a bordo de um foguetão europeu Ariane 5, acontecerá a partir da base da ESA em Kourou, onde Portugal estará representado pelo presidente da agência espacial Portugal Space. Ricardo Conde salientou que a missão representa “uma afirmação” da indústria portuguesa que se traduziu num “volume contratual” de 5,4 milhões de euros para as empresas envolvidas.
Segundo o presidente da Portugal Space, trata-se da “missão da década” da Agência Espacial Europeia (ESA) e a “antecâmara de uma participação” mais alargada de Portugal noutras missões.
“As capacidades que foram desenvolvidas para esta missão podem ser replicadas noutras”, frisou.
A missão, que esteve para ser lançada em 2022, tem o engenheiro aeroespacial Bruno Sousa como diretor de operações de voo e contou com o engenheiro de antenas Luís Rolo na fase de testagem de dois dos dez instrumentos do satélite. Ambos trabalham na ESA há mais de 10 anos.
O satélite inclui componentes fabricados pelas empresas portuguesas LusoSpace, Active Space Technologies, Deimos Engenharia e FHP – Frezite High Performance e um instrumento desenvolvido em parte pela Efacec e pelo LIP – Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas, do qual a investigadora Patrícia Gonçalves foi responsável.
Juice (JUpiter ICy moons Explorer, Explorador das Luas Geladas de Júpiter) irá estudar o maior planeta do Sistema Solar e as luas Europa, Ganimedes e Calisto, onde os cientistas pensam que possa existir água líquida (elemento fundamental para a vida tal como se conhece) sob as crostas de gelo à superfície.
O satélite deverá chegar ao gigante gasoso passados oito anos, em julho de 2031, fazer 35 voos de aproximação às luas geladas e alcançar Ganimedes em dezembro de 2034.
Será a primeira vez que um satélite artificial orbitará uma lua de outro planeta.
Espera-se que a missão da ESA, que custou cerca de 1,6 mil milhões de euros e teve a colaboração das agências espaciais norte-americana (NASA), japonesa (JAXA) e israelita (ISA) em termos de instrumentação e hardware, termine em setembro de 2035.
Os primeiros dados científicos são expectáveis em 2032.
Júpiter é 11 vezes maior do que a Terra e é composto maioritariamente por gás, como o Sol. Ganimedes é a maior das luas do Sistema Solar e tem um grande oceano sob a sua superfície.
A missão da ESA foi concebida para averiguar se haverá sítios em redor de Júpiter e no interior das luas geladas com as condições necessárias (água, energia, estabilidade e elementos biológicos) para suportar vida.
Enquanto diretor de operações de voo, Bruno Sousa acompanha “a fase crítica” do lançamento do satélite, ajuda uma das equipas que lidera a tomar decisões para garantir que o engenho entrará depois “na fase de cruzeiro”.
“O meu papel como diretor de voo é, sobretudo, ajudar a equipa na tomada de decisões difíceis e tomar responsabilidade pelo curso de ações decidido e supervisionar a sua execução”, afirmou à Lusa.
Findo o lançamento, Bruno Sousa deixará esta missão e continuará a ser responsável por outras missões interplanetárias da ESA em curso, nomeadamente na órbita de Mercúrio (BepiColombo) e do Sol (Solar Orbiter).
Sobre o satélite Juice, o engenheiro aeroespacial, que é funcionário da ESA desde 2007, disse que “vai poder estudar Júpiter como protótipo de gigantes de gás”, ajudando na “exploração de exoplanetas” (planetas fora do Sistema Solar).
Como desafios da missão, Bruno Sousa apontou as comunicações com o satélite e a produção de energia, dada a distância a que Júpiter está da Terra e do Sol, e a radiação, que obrigou à instalação de “grande parte” dos componentes eletrónicos em “cofres”.
Além de escudos que protegem os componentes eletrónicos sensíveis da elevada radiação, de painéis solares de alimentação de energia e de uma camada isolante contra as temperaturas extremas, o satélite dispõe de uma antena para enviar dados para a Terra e de um computador para resolver alguns problemas de modo independente.
Uma antena, a mais pequena das duas acopladas, tem um revestimento térmico produzido pela empresa portuense FHP e o seu mecanismo de funcionamento foi desenvolvido pela Active Space Technologies, com sede em Coimbra.
Luís Rolo, engenheiro de antenas, trabalhou noutras antenas para a missão Juice. Funcionário da ESA há 18 anos, testou a antena do radiotelescópio que irá estudar as atmosferas de Júpiter, Europa, Ganimedes e Calisto e a antena da sonda-radar que permitirá, através da receção de sinais, determinar a existência de água subterrânea nas três luas.
Um outro instrumento do satélite, o monitor de radiação, que é um detetor de partículas energéticas, foi desenvolvido pelo LIP e pela Efacec, em cooperação com a empresa norueguesa Ideas e o instituto de investigação suíço Paul Scherrer.
A Efacec esteve, ainda, envolvida na construção de um instrumento que monitorizará o estado de conservação dos painéis solares do satélite, visando “uma melhor gestão da energia na chegada a Júpiter, onde a luz solar é pouca”.
A LusoSpace desenvolveu uma bobina que gera um campo magnético “que será uma referência” para o magnetómetro, um aparelho a bordo do satélite que vai caracterizar o intenso campo magnético de Júpiter e a sua interação com o da lua Ganimedes.
O trabalho da Deimos Engenharia consistiu “em melhorar a estratégia de navegação autónoma de base da missão” durante o voo de passagem pela lua Europa e “durante a fase orbital de Ganimedes”.
Atualmente, o único satélite artificial em órbita de Júpiter é o Juno, da NASA.
Portugal é Estado-membro da ESA desde 2000.
Notícia atualizada às 13h30 com a informação do adiamento da missão.