O restauro dos Painéis de São Vicente estará concluído até 2024 através do apoio mecenático “fundamental” de 225 mil euros que o Museu Nacional de Arte Antiga vai receber para projetos especiais, revelou o diretor, Joaquim Caetano.
Contactado pela agência Lusa, o diretor do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), em Lisboa, indicou que a conclusão do projeto se insere num novo protocolo assinado com a Fundação Millennium BCP como mecenas estratégico de 2023 a 2025.
“É um protocolo fundamental que permite um planeamento a médio e longo prazo de projetos especiais de restauro, mais complexos do que os que são realizados diariamente pelos ateliês do museu”, apontou o responsável, sobre a continuação da parceria estratégica, iniciada em 2020, por mais três anos.
Através deste protocolo — que proporcionará um financiamento de 75 mil euros anuais até 2025 — serão executados quatro grandes projetos de conservação e restauro de obras do MNAA, que aguardam intervenção.
O mais emblemático é a conclusão do projeto de conservação e estudo dos Painéis de São Vicente, obra icónica de pintura de Nuno Gonçalves com mais de 500 anos, considerado um retrato coletivo simbólico da História e cultura portuguesas, alvo de restauro desde 2020.
Joaquim Caetano recordou que a pandemia paralisou o processo nesse ano devido aos confinamentos na Europa e nos Estados Unidos, impossibilitando a deslocação de especialistas ao museu, mas, por outro lado, o atraso “possibilitou uma investigação mais aprofundada e posteriores colaborações”.
Obra maior das coleções do MNAA, da arte portuguesa e da pintura europeia, o restauro faz parte de um projeto internacional que conta com a colaboração da Universidade de Ghent, na Bélgica, dos Laboratórios Hércules da Universidade de Évora, dos Laboratórios José de Figueiredo, em Lisboa, e da Direção-Geral do Património Cultural, além de um conjunto de historiadores e conservadores de vários museus europeus e americanos.
Previsto inicialmente para estar concluído em 2022, o restauro teve a data de finalização reenquadrada para 2024, no âmbito do presente protocolo, indica o diretor do MNAA à Lusa.
O anterior protocolo mecenático com a Fundação Millennium BCP permitiu a aquisição e o aluguer de equipamentos necessários para os projetos de conservação em curso, o pagamento de viagens de especialistas, e equipas especializadas, assim como a contratação de conservadores-restauradores ligados a este projeto internacional.
“Nós temos os nossos próprios ateliês de restauro no museu, e vamos fazendo o trabalho diário necessário, mas este acordo visa grandes intervenções, de maior complexidade e que precisam de colaboradores externos”, explicou o diretor da instituição à Lusa.
Com o conceito de “mecenas estratégico” acordado com a Fundação Millennium BCP, o MNAA “tem a possibilidade de planear projetos especiais e uma ligação de médio a longo prazo” com o mecenas, sempre acompanhados pelo Grupo de Amigos do MNAA.
Além dos Painéis de São Vicente, estão também incluídos no protocolo mais três projetos de conservação e restauro: o monumental relevo Renascentista “Santa Clara expulsando de Assis o exército de Frederico II”, também conhecido como Milagre de Santa Clara; o conjunto de seis grandes desenhos chineses do século XVIII que representam o fabrico e o comércio de porcelana chinesa, e a escultura em bronze “Vénus Medici”.
“São todas peças que estão no MNAA e não estão expostas devido ao seu estado de conservação. Mas depois de serem tratadas serão mostradas ao público”, indicou o historiador de arte.
No âmbito do protocolo que findou em 2022, foi também apoiado o restauro do relevo quinhentista do Mosteiro da Esperança “Lamentação de Jesus Cristo”, que será apresentado, na cerimónia de assinatura, às 18:30, no museu nacional.
O painel da “Lamentação sobre Cristo Morto” é considerado “um notável exemplo da produção escultórica do Renascimento e testemunho da assimilação de um gosto internacionalizado pelas elites portuguesas quinhentistas”, segundo a entidade.
Um meticuloso trabalho crítico de investigação documental, bibliográfica e material — a partir dos elementos recolhidos durante o processo de restauro — permitiram, agora, apurar alguns factos da sua história, e lançar algumas hipóteses sobre a origem e autoria.
Apresentando, numa peça única, três momentos distintos da Paixão – o “Calvário e a Crucificação”, a “Descida da Cruz” e a “Ressurreição” – é uma obra de cerca de 1560, provinda da sala do capítulo do Mosteiro de Nossa Senhora da Esperança de Lisboa, de freiras clarissas.
O edifício foi parcialmente demolido em finais do século XIX para acolher o Batalhão de Sapadores Bombeiros, na atual Avenida D. Carlos I.
Retirada em 1891 e entregue à Academia Nacional de Belas Artes, a peça foi integrada no Museu de Belas-Artes e Arqueologia – atualmente MNAA – no primeiro decénio do século XX.
“Completamente obscurecido e quase ilegível, devido a sucessivos repintes e camadas de vernizes oxidados, o painel preservou, no entanto, grande parte da sumptuosa policromia original, que a presente campanha de restauro resgatou e restituiu à fruição pública”, assinala o museu.
O MNAA tem vindo a estabelecer protocolos com vários mecenas, nomeadamente a Fundação Santander, na área das exposições e educação, a Fundação La Caixa, para apoio a grandes exposições, e a Fundação Millennium BCP, um mecenas de longa data de apoios pontuais que passou a ter o estatuto estratégico em 2020 para desenvolver projetos de maior fôlego.
A Fundação Millennium BCP possui várias áreas de intervenção, nomeadamente cultura, ciência, conhecimento e solidariedade social, em Portugal e noutros países onde o Millennium BCP desenvolve atividade.
Criado em 1884, o MNAA alberga a mais relevante coleção pública do país, desde pintura, escultura, artes decorativas — portuguesas, europeias e da Expansão — desde a Idade Média até ao século XIX, incluindo o maior número de obras classificadas como “tesouros nacionais”, assim como a maior coleção de mobiliário português.
No acervo do museu destacam-se os Painéis de São Vicente, de Nuno Gonçalves, obra-prima da pintura europeia do século XV, a Custódia de Belém, de Gil Vicente, mandada lavrar por D. Manuel I e datada de 1506, os Biombos Namban, do final do século XVI, registando a presença de portugueses no Japão, e as “Tentações de Santo Antão”, de Bosch, pintura flamenga do início do século XVI.