886kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Abusos na Igreja. Reunidos em Fátima, bispos portugueses pedem perdão pelos crimes "cruéis e manipuladores" e assumem as falhas da Igreja

Este artigo tem mais de 1 ano

Os bispos celebraram uma missa no Santuário de Fátima centrada no perdão às vítimas de abusos. D. José Ornelas assumiu que Igreja falhou: "Não se pode encobrir, por comodidade ou conivência."

i

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Um ano e meio depois do anúncio de que a Igreja Católica em Portugal iria finalmente investigar a realidade dos abusos sexuais de menores no contexto eclesiástico ao longo das décadas, rompendo com a prática instalada de desvalorizar o problema e de o atribuir apenas a outros países, a quase totalidade dos bispos católicos portugueses reuniram-se esta quinta-feira no Santuário de Fátima para uma celebração centrada no pedido de perdão às vítimas dos abusos. Na celebração, o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa assumiu que, “em muitas ocasiões”, a Igreja não foi “capaz” de agir de forma a “evitar estes abusos e para lidar com a gravidade das ofensas que foram feitas”.

A Igreja Católica em Portugal declarou esta quinta-feira como dia nacional de oração pelas vítimas de abusos e convidou todos os fiéis do país a juntarem-se à celebração que decorreu em Fátima através da repetição, em todas as igrejas portuguesas, de uma oração universal pelas vítimas.

A partir de Fátima, foi o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), D. José Ornelas — o mesmo que há ano e meio fez avançar a investigação independente aos abusos na Igreja —, quem deu a cara pelo pedido de perdão, em duas intervenções com palavras duras, em que assumiu que durante muito tempo a Igreja não esteve à altura das responsabilidades de proteger as crianças e os mais vulneráveis.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

No arranque da celebração, ladeado pelo vice-presidente da CEP, D. Virgílio Antunes, e pelo cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, o bispo de Leiria-Fátima sublinhou que a Igreja portuguesa vive esta quinta-feira em “sentido de penitência humilde, de solidariedade e proximidade cristã com aquelas e aqueles que sofreram e sofrem, vítimas de comportamentos completamente iníquos, cruéis e manipuladores, por vezes disfarçados de atenção, afeto e até de motivação religiosa“.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Como Igreja que somos assumimos a dor, a perturbação e a revolta dessas pessoas, tanto das que tiveram a coragem dolorosa de reagir e denunciar, como daquelas que se calam, ainda na incapacidade de falar dessa realidade que lhes barrou o caminho de uma vida mais feliz”, destacou D. José Ornelas, acrescentando: “Assumimos que, em muitas ocasiões, não fomos capazes de tomar consciência e de velar como devíamos, para evitar estes abusos e para lidar com a gravidade das ofensas que foram feitas.”

Para o bispo de Leiria-Fátima, que lidera a CEP desde 2020 (e foi esta semana reeleito para um segundo mandato), os abusos sexuais de menores e pessoas vulneráveis “são exatamente o inverso” do que a Igreja Católica é e celebra. “Por isso, imploramos o perdão de Deus que pediu aos seus discípulos que fossem misericordiosos e cuidadores, particularmente para com os mais pequenos e frágeis”, frisou o bispo.

Na mensagem inicial, D. José Ornelas reiterou que era chegado o momento de a Igreja apresentar “a cada um e a cada uma daqueles e daquelas que sofreram estes abusos em ambiente eclesial, um profundo, sincero e humilde pedido de perdão, em nome da Igreja na qual eles confiaram e onde sofreram tão injusta e perturbadora violência”.

“Pedimos igualmente a força, a coerência e a determinação de tudo fazer para que as pessoas que sofreram tão injustamente possam ter condições de superar os dramas que lhes foram infligidos, recuperar a estabilidade e a esperança na vida“, disse D. José Ornelas.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A “enormidade destruidora” dos abusos

Durante a homilia, o presidente da CEP voltou a refletir sobre a “dolorosa realidade” vivida pelas vítimas de abusos na Igreja e deixou uma nota central: a Igreja tem de se colocar onde Jesus Cristo estaria, ou seja, ao lado dos mais frágeis, dos mais vulneráveis e das vítimas. “O Evangelho que proclamámos descreve-nos o olhar atento de Jesus que se dirige, antes de mais, aos ‘pequeninos’ como expressão do carinho de Deus para com eles“, disse D. José Ornelas. “É prioritariamente a estes que se dirige o olhar atento e misericordioso de Jesus.”

Para o bispo de Leiria-Fátima, este olhar de Jesus que dá prioridade aos mais pequenos “faz entender a enormidade destruidora da violência e do abuso das crianças e dos mais débeis, exatamente nos lugares onde era suposto estar patente a atitude contrária que é fonte de vida, de liberdade e confiança”.

“Faz também entender a absoluta necessidade de se colocar, antes de mais e acima de tudo, ao lado de quem sofre esta devastadora realidade. Não se pode passar ao lado nem encobrir, por comodidade ou conivência. Não se pode pactuar com situações e atitudes que comprometam, deste modo, a vida de pessoas inocentes”, disse ainda. “A ‘tolerância zero’, de que fala o Papa Francisco, exprime esse compromisso fundamental para com a vida e a justiça, em favor dos que foram iniquamente delas privados.”

Prioridade são as vítimas, não o bom nome da Igreja

D. José Ornelas apontou também a necessidade de inverter as prioridades da Igreja: as vítimas devem estar antes da defesa do bom nome da Igreja. “Jesus não veio como grande senhor, ao modo dos grandes desta terra”, sublinhou, destacando a importância de um trabalho discreto.

“Ele convida-nos a segui-Lo no caminho discreto e de serviço com que o bem tem de ser feito: ‘Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração’. É deste modo que Ele mostra o coração materno/paterno de Deus, o coração que propõe como atitude a imitar por aqueles/as que o seguem. Aprenderemos tudo isto se não agirmos como se estivéssemos a erigir um monumento à nossa grandeza ou para fazer boa figura“, disse o bispo.

“É essa atitude de humildade (que significa a verdade) que permite colocar os que sofrem como prioridade do nosso agir e não a nós próprios, do nosso grupo ou mesmo do bom nome da Igreja. Esta é a atitude que nos move”, acrescentou ainda.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Um caminho que não pode voltar atrás

Na fase final da homilia, D. José Ornelas destacou o trabalho que a Igreja tem vindo a fazer ao longo do último ano, a partir da dor das vítimas. “É uma dor que nos acorda, nos motiva e nos abre humildemente a ir ao vosso encontro, a escutar o que é incómodo, a reconhecer a dor e a procurar partilhá-la e, na medida do possível, aliviá-la e colaborar, por todos os meios, na libertação daqueles que foram tão dramaticamente afetados“, disse.

“Gostaríamos que, assim como experimentastes essas injustiças no seio da Igreja, possais fazer a experiência de irmãos e irmãs que querem ajudar a sarar feridas e a abrir caminhos de futuro. Foi com esse intento que empreendemos este caminho que entra agora numa nova fase. Estamos a criar condições para que esse encontro seguro e transformador seja possível. É convosco, e na medida do vosso desejo, que queremos empreender um caminho de reparação e de superação das dificuldades”, destacou ainda o bispo.

D. José Ornelas acrescentou que a “Igreja não pode voltar atrás neste caminho; é mesmo preciso estar ao lado dos mais pequenos, dos mais esquecidos, em hospital de campanha, como fala o Papa Francisco”. “Há caminho para além da dor, da justa revolta e da injustiça“, sublinhou.

Obra de arte de padre suspeito de abusos em pano de fundo

A celebração desta quinta-feira foi integrada no calendário diário de missas do Santuário de Fátima e, por isso, decorreu na Basílica da Santíssima Trindade — onde acontecem as missas das 11h diariamente. A coincidência acabou por fazer com que toda a celebração acontecesse com a grande obra do padre jesuíta Marko Rupnik, que está sob suspeitas de abusos, como pano de fundo.

Rupnik, padre e artista esloveno, é o autor do enorme painel dourado que ornamenta o presbitério da Basílica da Santíssima Trindade e que se tornou num dos ícones do Santuário de Fátima — mas, ao longo dos últimos anos, tem enfrentado múltiplas acusações de crimes sexuais cometidos por Rupnik contra várias mulheres, incluindo uma dezena de freiras.

A CNJP lembra o apelo "claro à liberdade" expresso na mensagem do Papa Francisco para a Quaresma

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Em 2021, a Companhia de Jesus deu início a uma investigação de fundo a Rupnik. No final do ano passado, os jesuítas anunciaram que Rupnik se encontra impedido de exercer o ministério sacerdotal. Mais recentemente, soube-se também que, além das acusações de abusos contra mulheres, poderá estar em causa também um crime contra uma pessoa com menos de 18 anos de idade.

Rupnik é autor de inúmeras obras de arte espalhadas por várias igrejas e templos católicos por todo o mundo. O Santuário de Lourdes, em França, por exemplo, está a ponderar retirar os painéis da autoria do ateliê de Rupnik da fachada da basílica.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.