Sorrisos rasgados, abraços, graças e concordância em (quase) toda a linha. Marcelo e Lula pareciam estar perfeitamente alinhados — mesmo em questões polémicas como a presença no 25 de Abril — até a Guerra da Ucrânia ter entrado na conferência de imprensa no Palácio das Bicas, este sábado, em Belém. O Presidente brasileiro, por um lado, não abdicou de criticar quem, como Portugal, cede armas à Ucrânia e exigiu negociações de paz. Já o Presidente português, por outro, defendeu a NATO, a UE a defesa da Ucrânia (incluindo o armar Kiev) e que só há negociações perante a “retirada imediata das tropas russas”. O próprio Marcelo, à comentador domingueiro, acabaria por sintetizá-lo.

Marcelo Rebelo de Sousa classificou o desacerto nesta matéria entre Portugal e Brasil como “irritante” e “ruído“, desvalorizando-o com o facto de o Brasil (quer com Bolsonaro, quer com Lula) ter votado nas Nações Unidas da mesma forma que Portugal. Mas fora da ONU, o chefe de Estado português admite desencontro nesta matéria.

O Presidente da República explica que a posição do presidente Lula “supõe a prioridade a uma via negocial”, mas diz claramente que a “posição portuguesa é diferente“,  pois “entende que o caminho para a paz supõe previamente o direito da Ucrânia de reagir à invasão, recuperar a sua integridade territorial”.

Marcelo destacou que Portugal, “solidário com a NATO e com a UE”, não abdica da retirada prévia da Rússia, até pela “questão de princípio de não beneficiar o infrator” e deixar claro que há “situações da ordem internacional” que são violadas que não devem ser ignoradas só pelo “poderio” da potência invasora.

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Lula também não cedera, apesar de dizer que “não quer agradar a ninguém” e que até quer uma “terceira via”. Na verdade, não foi nada disso que defendeu. Tentou dizer que não esteve só com Lavrov (MNE) e Xi Jinping (presidente chinês), mas também com Emmanuel Macron (presidente francês) e Olaf Scholz. Sobre este último, contaria que o chanceler alemão lhe pediu para fornecer mísseis à Ucrânia, o que recusou porque não queria matar russos com munições brasileiras. E atirou-se à NATO e à UE, que incluem Portugal: “Se você não faz paz, contribui para a guerra“. Ou seja: colocou Portugal no rol de países que promovem a guerra na Ucrânia, mesmo reconhecendo que “a Rússia errou” ao invadir o país.

Marcelo utiliza Cavaco Silva como escudo: “Eu não diria melhor”

O Presidente português tentou, mais uma vez, não ser particularmente associado a Lula da Silva e ser acusado de estar próximo da esquerda, utilizando Cavaco Silva como escudo. Marcelo Rebelo de Sousa lembrou que Lula da Silva ouviu “um longo e rasgado elogio” de Cavaco Silva (em 2011), que na altura disse, numa referência ao presidente brasileiro, que os “grandes líderes distinguem-se pela sua capacidade de traduzir ideais em realizações concretas e mobilizadoras de esperança”. “Eu não diria melhor”, diz Marcelo Rebelo de Sousa.

O Presidente da República — desde o primeiro dia em que a polémica da visita de Lula eclodiu — tentou relativizar as suas boas relações com o presidente brasileiro, lembrando as boas relações do presidente brasileiro com o seu antecessor. Marcelo foi, no entanto, recuperar elogios de Cavaco Silva que ocorreram há mais de 12 anos e antes de começar a Operação Lava-Jato.

Lula faz críticas veladas ao Chega, Marcelo defende solução do 25 de Abril

O presidente brasileiro lamentou que Portugal e o Brasil sejam “as democracias, ameaçadas pela violência política e do discurso de ódio”, alertando para o problema das “fake news” e a forma como o mundo digital, com “algoritmos” permite que “se mexa com a cabeça do povo”.

Lula da Silva avançou depois para uma crítica velada ao Chega, que associou aos movimentos pró-bolsonaro também de forma velada. “Eu não conheço bem a política portuguesa, mas sei que aqui tem um linguajar muito próximo com o utilizado pela   extrema-direita no Brasil, que diria que de direita ideológica não tem nada, tem muito de fascismo mesmo.” Foi uma alusão de Lula às ligações entre Bolsonaro e o Chega, que vai promover a visita do antigo presidente brasileiro em maio a Portugal.

O Chega tem sido um dos grandes opositores a que Lula da Silva discurse na Assembleia da República e já prometeu protestos dentro e fora do hemiciclo. Sobre a polémica do 25 de Abril, Marcelo Rebelo de Sousa lembrou que o “Brasil foi o primeiro exemplo de descolonização de Portugal” e que depois o “25 de Abril continuou o processo de descolonização, de que nasceram outros Estados de Língua Portuguesa”.

Marcelo diz que “a forma específica de associar a presença do presidente brasileiro à segunda descolonização podia depender de várias circunstâncias”, mas o “fundamental era que ficasse clara essa ligação” ao 25 de Abril (por ser um momento de descolonização).

O Presidente português diz que foi uma “forma inteligente e feliz” o facto de a Assembleia da República “acolher o Presidente no mesmo dia” (mas fora da sessão comemorativa). Lula justificou com questões de agenda (como a visita a Espanha) o facto de não poder ficar para a cerimónia comemorativa do 25 de Abril na próxima terça-feira.