Uma alegria para os cafés, os restaurantes e todas as lojas de serviço ou supermercados, os pesadelos para os responsáveis de empresas que contam com o melhor dos seus trabalhadores. Desde domingo que Nápoles é uma cidade em suspenso com a possibilidade de ver a sua equipa, que representa muito mais do que isso ao ser uma espécie de bastião da luta desportiva, social e económica do sul contra o norte de Itália, poder ser campeã 33 anos depois do último capítulo divino de um ser superior chamado Diego Armando Maradona. Não foi no domingo, após o empate no antigo San Paolo com a Salernitana consentido apenas a sete minutos do final. Não foi na quarta-feira, depois da vitória da Lazio frente ao Sassuolo. À terceira era de vez ou não havia mesmo duas sem três, eis a questão. Entretanto, lá está, Nápoles continuava em suspenso.

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No domingo era tudo uma loucura, com o estádio Diego Armando Maradona cheio e os seus arredores a terem ainda mais adeptos que desde a hora de almoço saíram à rua para festejar com fogo de artifício os três golos com que o Inter bateu a Lazio e colocou o título mais próximo. Até quarta-feira, foi-se andando sem fazer muito à espera da hora do Lazio-Sassuolo, entre cafés, bares e restaurantes (a indústria da cerveja deve também ter agradecido) e mais atividades para os criativos. Exemplos? Recordando aquela tarja colocada à entrada do cemitério da cidade em 1987 no primeiro título de sempre, foram acendidas mais algumas velas junto de um caixão com todas as equipas da Serie A; estando proibida a ida para o Monte Vesúvio, foi feita uma pequena réplica do mesmo no meio da cidade para simular essa festa. Era o jogo do vale tudo.

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“Vejo potencial num ciclo para o futuro mas vai depender do mercado, de como as coisas forem organizadas. Aos meus olhos, além do Sol, tenho uma boa equipa que dá boas perspetivas para o futuro de modo a que os resultados acompanhem. Sinto que tenho uma equipa que pode perdurar no futuro. Estou feliz com o trabalho que faço, a minha maior satisfação é dar ao Nápoles tudo o que merece. Este scudetto é algo que sai da caixa. Todos os que fazem parte deste sistema serão beneficiados. Não apenas o Nápoles e a cidade. Ganhar um scudetto em Nápoles é um extra do ponto de vista desportivo que me deixa confortável em qualquer posição”, comentara Spalletti na antecâmara da viagem para Udine. Chegara o dia da festa ou o terceiro match point (segundo a depender apenas dos napolitanos) para fechar de vez a Serie A e provocar mais um abalo numa cidade que sentiu um terramoto de 2.0 na escala de Richter no passado domingo.

12.058 dias depois da última vitória na Serie A, o Nápoles poderia quebrar um longo de jejum de mais de três décadas. Tão ou mais importante do que isso, numa temporada em que Maradona foi mais recordado do que nunca desde a sua morte pela vitória da Argentina no Campeonato do Mundo (há uma janela que tem a cara de El Pibe num gigante mural que só deveria ser aberta no dia em que os napolitanos fossem campeões mas a promessa foi “quebrada” quando Messi e companhia bateram a França no Qatar), era uma versão 2.0 da história mais bonita e marcante de sempre do futebol europeu quando um génio que saiu pela porta pequena de Camp Nou assumiu uma causa, inspirou um povo e mostrou que o sul de Itália poderia ser um David mas tinha tamanho suficiente para bater todos os Golias do norte. Tudo à distância de um empate.

Durante a primeira parte, toda essa euforia percebeu que havia ainda um “se”: garantir um ponto, neste caso “o” ponto, para fazer a festa. Ao intervalo, contra todos os prognósticos, o Nápoles não era campeão. Sandi Lovric inaugurou o marcador (13′) mas a Udinese foi quase sempre melhor em todos os aspetos do jogo, com a equipa visitante a ter apenas uma verdadeira oportunidade de golo por Osimhen já no quarto de hora final. Os pequenos pormenores mostravam bem como a ansiedade continuava a condicionar por completo aquilo que o Nápoles fez e bem ao longo de toda a época. Anguissa, não chegando a uma bola na linha de fundo, deu um pontapé nos painéis publicitários e ficou a pedir desculpa a um repórter fotográfico. Spalletti, a ver de novo a equipa claudicar no momento da verdade, olhava para o relvado à procura de respostas.

Era tudo uma questão de desbloquear o excesso de vontade que traía a equipa e colocá-la ao serviço da sua melhor versão de jogo. Aliás, essa é a melhor descrição da forma como o Nápoles chegou ao empate no início do segundo tempo: vontade. Vontade, vontade, vontade. E foi assim que, no meio da confusão após mais uma recarga na área, Osimhen bateu Silvestri e lançou a festa em Udine com vários potes de fumo azuis em pleno Estádio Friuli a mostrarem aquilo que se passava em versão multiplicada na cidade (52′). Daí para a frente houve fases em que o Nápoles ficou perto do 2-1, com Osimhen (que igualou a antiga glória do AC Milan George Weah como melhor marcador africano de sempre da Serie A) e Zielinski a falharem boas oportunidades para a reviravolta, e outras em que havia quase um pacto de não agressão mas nas bancadas, em Udine, em Nápoles e em todo o sul de Itália, a festa já tinha começado agora para perdurar noite dentro.