O acórdão do processo ‘Operação Cavaleiro’ é composto por 491 páginas e, esta manhã, o juiz Luís Ribeiro leu o resumo deste documento cuja extensão é maior “do que um grande romance”, como descreveu. E Diogo Gaspar, ex-diretor do Museu da Presidência, que se encontrava na primeira fila da sala do Tribunal Central Criminal de Lisboa, ouviu, imóvel, a sua condenação: seis anos e seis meses de prisão efetiva por três crimes de peculato de uso, quatro de peculato, quatro de participação económica de negócio, um de tráfico de influência, dois de falsificação e quatro de abuso de poder.

As funções que exercia como diretor do Museu da Presidência da República impunham que o arguido, mais do que ninguém, tivesse uma conduta irrepreensível naquele museu. Não se pode deixar de salientar o modo como traiu a confiança que em si foi depositada.”

O antigo diretor do Museu da Presidência foi absolvido de um crime de peculato de uso e o tribunal deixou ainda cair alguns crimes de peculato, por considerar que não ficou provado que Diogo Gaspar se apropriou de alguns dos objetos que constam na acusação do Ministério Público. E, como explicou o juiz Luís Ribeiro, in dubio pro reo. “O tribunal, na dúvida, optou por julgar algumas destas situações como não provadas”, acrescentou.

No entanto, o tribunal quis deixar bem claro que Diogo Gaspar “traiu a confiança que lhe foi dada” enquanto exerceu o cargo de diretor do Museu da Presidência. “Em síntese, o doutor Diogo Gaspar teve sem dúvida um trabalho meritório e teve condecorações de dois presidentes da república. Teve uma atividade sem dúvida de relevo. Era uma pessoa, à partida, digna de confiança“, acrescentou o juiz, enquanto olhava para Diogo Gaspar, que estava sentado mesmo à sua frente.

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Este caso ficou conhecido quando, no verão de 2016, a Polícia Judiciária fez buscas em casa de Diogo Gaspar e também em residências de amigos e familiares e acabou por encontrar peças do espólio do Museu da Presidência. De acordo com a acusação do Ministério Público, o ex-presidente do Museu da Presidência fez uma lista de objetos — como esculturas, móveis, quadros, cadeiras, mesas e secretárias — que considerava não estarem em condições para integrar parte do espólio do Museu da Presidência da República, situado no Palácio da Cidadela de Cascais. Feita a lista, eram então criadas empresas para comprar este objetos. O MP fala em, pelo menos 178 peças de mobiliário, que foram vendidas por um “valor inferior ao de mercado”.

Neste processo há mais três arguidos, que foram também condenados a penas de prisão suspensas. Paulo Duarte foi condenado a um ano e quatro meses de prisão e a uma multa de quatro mil euros, José Lourenço Dias a um ano e sete meses e ao pagamento de uma multa de três mil euros e Vítor Manuel dos Santos a um ano e dois meses e uma multa de mil euros. Dos três, apenas este último não estava presente esta segunda-feira em tribunal.

O juiz Luís Ribeiro aproveitou ainda cinco minutos da sessão para deixar vários avisos aos três arguidos condenados com penas suspensas: “O que aconteceu aos três foi que se deixaram influenciar por relações de poder. O arguido Diogo Gaspar é uma pessoa extremamente controladora”, considerou o juiz. “Vocês deixaram-se ir. E isto não significa que não tinham responsabilidade.”

Não vale tudo, temos direito a ganhar dinheiro, mas da forma correta e não entrar nestes jogos de poder. Vocês foram controlados e influenciados nitidamente pelo arguido Diogo Gaspar.”

No total, o Ministério Público considerou existirem 42 crimes de abuso de poder, participação económica em negócio, tráfico de influência, falsificação de documentos, peculato e branqueamento de capitais. Mas  há um crime que o coletivo de juízes considerou que já prescreveu: Diogo Gaspar e José Dias estavam acusados pelo MP de um crime de participação económica em negócio e, sendo o prazo de prescrição, neste caso, dois anos, os dois arguidos não foram condenados por este crime.

No início de março deste ano, durante as alegações finais, a procuradora Ana Cristina Vicente pediu uma pena efetiva de prisão e uma pena acessória de proibição de exercício de funções públicas, mas o tribunal entendeu esta segunda-feira que a pena acessória não se aplica. A Secretaria-Geral do Museu da Presidência, que se constituiu assistente neste processo, pediu uma indemnização cível de cerca de 40 mil euros a Diogo Gaspar.

Defesa vai avançar para recurso

Terminada a sessão, Raul Soares da Veiga, advogado de Diogo Gaspar, confirmou que vai avançar para com recurso para a Relação de Lisboa. “Temos para já a predisposição de recorrer contra isso, parece-me quase impossível chegarmos a outra conclusão. São as regras do jogo: os senhores juízes decidiram o melhor que souberam, o que não quer dizer que essa seja a melhor decisão. É por isso que há tribunais superiores e é por isso que há recursos”, disse à saída do tribunal, citado pela Lusa.

A defesa referiu ainda as críticas feitas por este tribunal e o facto de o juiz Luís Ribeiro ter sublinho que Diogo Gaspar foi, aliás, condecorado pelo trabalho que fez enquanto diretor do Museu da Presidência: “Isso devia ter sido considerado num dos pratos da balança, não para saber se cometeu um crime, mas para saber qual é a medida da pena. O que o tribunal parece que entendeu é que Diogo Gaspar traiu a confiança dos Presidentes da República e, portanto, surge não como atenuante, mas como agravante“.

A crítica ao Conselho Superior da Magistratura

Já no final da sessão, e depois de lidas as respetivas condenações dos quatro arguidos, o juiz Luís Ribeiro fez questão de falar sobre todo o processo, sobretudo sobre o tempo que demorou o acórdão lido esta segunda-feira. E criticou o Conselho Superior da Magistratura (CSM) por ter recusado o pedido de exclusividade deste juiz a este processo. “Pedi ao CSM exclusividade para este processo. Foi-me negado”, começou por dizer.

O juiz disse ainda que “ninguém vê o processo, mas toda a gente opina”, esclarecendo que “a elaboração de um acórdão não é somente a edição do acórdão” — edição esta que demorou “480 horas, 60 dias de trabalho e oito horas por dia”.

“Aqui, ninguém vê o processo, mas ninguém sabe o que se passa. Afinal, ouviram-se 100 testemunhas, afinal houve uma juiz que foi substituída a meio, afinal houve um pedido de exclusividade que não foi concedido”, disse. E continuou: “Não anseio ir para a Relação só por ir. Prezo a liberdade de expressão e não sou subserviente a ninguém. Ninguém me manda, nunca, acelerar um processo. Nunca conseguiram, nem conseguirão em qualquer processo. O que me preocupa é a consciência, a preocupação com as pessoas que todos os dias são julgadas. Não é este o meu tempo da justiça“.