Quase metade dos utentes (47%) que aguardam uma consulta muito prioritária de psiquiatria nos hospitais do SNS estão à espera mais tempo do que aquele que é recomendado pela Entidade Reguladora da Saúde. Segundo os dados consultados pelo Observador, sete dos quinze hospitais que disponibilizam dados (39 nem sequer tornam pública essa informação) não conseguem assegurar o atendimento dos utentes em 30 dias — o Tempo Máximo de Resposta Garantido (TMRG) para consultas muito prioritárias.
Analisando os dados referentes aos tempos de espera para consultas desta especialidade (normais, prioritárias e muito prioritárias), disponíveis no Portal dos Tempos Médios de Espera do SNS, verifica-se que cerca de 45% dos utentes aguardam mais do que o recomendado. Trata-se de uma significativa deterioração no acesso aos cuidados de saúde mental no SNS, uma vez que, em 2021, 93% das consultas de psiquiatria respeitavam os TMRG.
No caso das consultas muito prioritárias, o caso mais crítico é o do Centro Hospitalar Póvoa de Varzim – Vila do Conde, onde os doentes esperam 76 dias, mais do dobro do recomendado. No Hospital de Cascais, a espera média é de 70 dias.
Utentes consideram evolução do SNS positiva, mas chumbam tempos de espera
No caso das consultas de prioridade normal, os utentes referenciados para o Hospital de Santarém podem ter de esperar quase um ano (336 dias) até serem consultados por um médico especialista, quase o triplo dos 120 dias recomendados.
Pedopsiquiatria. 50% dos hospitais sem resposta para casos prioritários em 60 dias
No que diz respeito à consultas de pedopsiquiatria, o cenário é idêntico. Nove dos 18 hospitais que publicam dados (ou seja, 50%) não dão resposta às crianças e adolescentes referenciados como prioritários no tempo recomendado (60 dias). Os hospitais de São Francisco Xavier (em Lisboa), de Nossa Senhora da Graça (em Tomar), de Santo Tirso e o Beatriz Ângelo (em Loures) demoram mais de 100 dias a garantir uma consulta.
Para o presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental (SPPSM), o aumento dos tempos de espera é explicado pelo “aumento da procura pelos cuidados de saúde mental, pelo aumento da literacia em saúde mental e pela falta de recursos humanos”. Ao Observador, João Bessa assume que o número de psiquiatras é “insuficiente” e pede ação ao governo para reverter a situação.
“O plano nacional de saúde mental tem de contemplar o aumento dos recursos humanos. Esta é uma área estratégia, onde é preciso investir. Tem de haver uma aposta no número de psiquiatras, psicólogos, enfermeiros e um investimento na diferenciação técnica e na obtenção de dados relativamente à saúde mental”.
A falta de dados e, sobretudo, de integração entre os mesmos é uma das preocupações do psiquiatra e professor universitário João Bessa, que alerta para a falta de uma “visão global do estado da saúde mental em Portugal”. Foi, aliás, por isso que a SPPSM criou um observatório para recolher dados importantes sobre a saúde mental dos portugueses, refere.