Centenas de admiradores despedem-se esta quarta-feira da rainha do rock brasileiro, Rita Lee, que morreu na noite de segunda-feira, aos 75 anos, em consequência de um cancro no pulmão, enquanto cantavam seus sucessos e carregavam seus discos.
O velório começou às 10h00 locais (14h00 em Lisboa) no seu lugar preferido de São Paulo, o planetário do Parque do Ibirapuera, sua “Floresta Encantada”, onde seus admiradores cumprem uma profecia que a cantora escreveu sobre sua morte: “Os fãs vão levantar as capas dos meus discos e cantar ‘Ovelha Negra’ [música muito popular]”.
Rita Lee nasceu e viveu grande parte da sua vida bem perto desse oásis verde que contrasta com o tom cinza da maior cidade do Brasil.
A entrada do planetário foi enfeitada com diversas coroas de flores enviadas por admiradores da cantora, gravadoras e outros artistas brasileiros, como Jorge Ben Jor.
Assim que as portas se abriram, as pessoas que aguardavam para se despedirem de Rita Lee desde as primeiras horas da manhã, pesarosas e vestidas com camisolas com a cara daquela que foi uma das maiores vozes femininas do rock brasileiro, começaram as homenagens.
“Mesmo sendo uma estrelinha no céu, onde quer que ela esteja, ela continuará fazendo muita gente feliz”, disse João Lee, um dos três filhos que a cantora teve com o guitarrista Roberto Carvalho, a jornalistas na portaria do planetário.
João Lee contou que nos últimos meses a mãe esteve rodeada pela família e que teve um “final feliz”. Referiu-se-lhe como a sua “heroína”, não pela sua prolífica carreira, mas pela “simplicidade, dignidade e honestidade com que vivia o dia-a-dia”.
Essa franqueza, misturada com altas doses de sarcasmo, refletiu-se naquela profecia sobre a sua morte referida na sua autobiografia, publicada em 2016.
“Quando eu morrer, imagino as palavras de amor de quem me odeia. Algumas rádios vão tocar minhas músicas sem cobrar ‘royalties’, colegas vão dizer que vou fazer falta no mundo da música, quem sabe até colocarem meu nome num beco sem saída”, escreveu Rita Lee.
E continuou: “Os fãs, esses sinceros, vão levantar as capas dos meus discos e cantar ‘Ovelha Negra’. As televisões já devem ter um resumo da minha carreira na manga para mostrar nos noticiários e vai uma pequena nota no obituário de algumas revistas. Nas redes sociais, alguns dirão: ‘Ei, pensei que a velha já tinha morrido'”.
Por fim, a cantora alertou na sua autobiografia que “nenhum político ousará comparecer” ao seu velório, sob pena de “se levantar do caixão para vaiá-los”.
Esse estilo irreverente, rebelde e irónico marcou a carreira de Rita Lee ao ponto de desafiar a ditadura militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985.
Na verdade, a cantora também é conhecida como a artista mais censurada durante aquele período histórico sombrio, em que foi presa quando estava grávida do seu primeiro filho, depois de polícias encontrarem cannabis no seu apartamento.
Rita Lee também foi um símbolo da liberdade sexual das mulheres e garantiu anos depois da sua prisão na ditadura que os agentes da polícia armaram o cenário para levá-la presa como troféu.
Essa luta contra a opressão atravessou gerações e ficou marcada no imaginário de alguns admiradores, que esta quarta-feira entraram no planetário tocando as músicas mais conhecidas nos seus telemóveis ou entoando-os com suas próprias vozes.
Beto Lee, outro filho da cantora que falou com os media locais, frisou que o momento de despedida vai além da família, dada a presença de muitos admiradores chorando, muito comovidos no velório.
“Como ela mesma dizia, ela conseguiu entrar nos lençóis coletivos. Estamos aqui para celebrar a vida e a obra da minha mãe”, afirmou Beto Lee.
“A música fica para sempre. Daqui a 300 anos continuarão a ouvir as músicas dela. Estou feliz de estar aqui, apesar de todo o processo que nos trouxe a esse momento”, concluiu.