O ativista Mamadou Ba defendeu esta quarta-feira em tribunal que o que o preocupa e o que motiva a sua ação pública não é o militante neonazi Mário Machado “em particular”, mas o que este representa enquanto “projeto de sociedade”.
“Mário Machado não é um alvo das minhas preocupações em particular”, disse esta quarta-feira o ativista antirracista Mamadou Ba perante a juíza Joana Ferrer, já na fase final da sessão desta quarta-feira, acrescentando que o que o preocupa em relação ao militante neonazi “é o que representa enquanto projeto de sociedade”.
A primeira sessão do julgamento, no qual o ativista antirracista Mamadou Ba se defende da acusação de difamação, publicidade e calúnia por parte de Mário Machado na sequência de uma publicação nas redes sociais na qual chamou o militante neonazi de “assassino”, decorreu esta tarde no Juízo Criminal de Lisboa, no Campus de Justiça, numa pequena sala de julgamento repleta de apoiantes de Ba.
Na sala que não teria mais de uma dezena de lugares sentados para a assistência ao julgamento juntaram-se mais de 50 pessoas, que ficaram de pé ou até mesmo sentadas no chão, preenchendo por completo o pequeno espaço, havendo ainda mais de uma dezena de pessoas à porta da sala e pelos corredores, incluindo Mário Machado, que não entrou na sala para a audiência desta quarta-feira.
Sobre a publicação, que Mamadou Ba assumiu como sua no início da sessão, disse que não se tratou de “um juízo pessoal contra Mário Machado”.
“Não faço luta política por razões pessoais”, disse, explicando que o objetivo da publicação era ser um alerta para ações que classificou como “atos de provocação”, referindo-se a uma ação evocativa do homicídio do cabo-verdiano Alcindo Monteiro, em 1995, no Bairro Alto, em Lisboa, às mãos de um grupo de ‘skinheads’ ao qual Mário Machado tinha ligações.
A ação evocativa decorreu no mesmo dia e a poucos metros de uma sessão pública de homenagem a Alcindo Monteiro, com a presença de familiares da vítima, daí que Mamadou Ba a tenha considerado um ato provocatório, explicou ao tribunal.
Arranca esta quarta-feira julgamento de Mamadou Ba por difamação de Mário Machado
A ação foi convocada por João Martins, condenado pelo homicídio de Alcindo Monteiro, e alvo principal da publicação de Mamadou Ba, explicou o ativista, que citou trechos do acórdão de condenação pelo homicídio do cabo-verdiano para justificar a colocação de Mário Machado no contexto do assassinato e da publicação, ainda que o neonazi tenha sido absolvido do crime.
Citando o acórdão – que disse fazer parte da sua “vida quotidiana” e no qual “tropeça todos os dias -, e sublinhando não estar “a inventar nada”, referiu que o acórdão coloca Mário Machado entre um grupo de pessoas que “exalta o nacionalismo e o racismo” e que assume uma “postura coletiva de exaltação de violência”.
Citou ainda o acórdão para afirmar que cada coautor é responsável pela totalidade do crime, porque sem a ação de cada um dos intervenientes o crime não teria ocorrido.
Perante a insistência do advogado de Mário Machado, José Manuel de Castro, relativamente ao facto de o seu cliente ter sido absolvido do homicídio de Alcindo Monteiro, Mamadou Ba contrapôs, mas começando por concordar com uma afirmação anterior do advogado de que não existe culpa coletiva.
“Pode não haver culpa coletiva, mas há responsabilidade coletiva. Para mim, há responsabilidade coletiva em proteger as ameaças à democracia”, disse Mamadou Ba.
Sobre isto evocou o seu tio-avô, que morreu às mãos do regime nazi, afirmando perante o tribunal que não tinha qualquer dúvida que não havia sido Adolf Hitler a disparar o tiro que o vitimou, mas que não tinha igualmente qualquer dúvida de que este era o último responsável por essa morte, acentuando a ideia de que há ideologias que matam, algo que frisaria em declarações aos jornalistas à saída do tribunal.
“Toda a minha intervenção pública é o meu contributo para defender a democracia”, disse o ativista que lidera a associação SOS Racismo.
Isabel Duarte, advogada de Mamadou Ba, voltou a afirmar que foi Mário Machado quem destruiu a sua reputação e defendeu na sua intervenção inicial um caráter político na acusação que impende sob o seu cliente, apresentando-o como um ativista que “ousa assombrar fascistas” na sua “luta sem tréguas” contra o racismo e que o espetro político de direita quer “ver derrotado”.
José Manuel de Castro criticou a “estratégia da defesa de querer politizar ao máximo o julgamento” e contrapôs que julgamentos políticos “achava que tinham acabado em 1974”, que o que está a ser julgado é “uma questão de direito, não uma questão política”, insistindo que o que é preciso que o tribunal julgue é se houve difamação quando Mamadou Ba escreveu “Mário Machado é um dos principais responsáveis pela morte de Alcindo Monteiro”.
A frase que motivou o processo insere-se numa publicação de um longo texto, que Mamadou Ba quis esta quarta-feira ler na íntegra em tribunal, algo que a procuradora do Ministério Público e a juíza Joana Ferrer negaram por considerarem desnecessário para a contextualização.
O advogado de acusação reiterou que Mamadou Ba deve ser condenado pelos crimes pelos quais foi pronunciado.
À saída do tribunal, Mamadou Ba recebeu uma salva de palmas de dezenas de apoiantes que o aguardavam e incentivou palavras de ordem entoadas por todos, como “Racismo nunca mais” e “Fascismo nunca mais”. O julgamento prossegue na sexta-feira.
Em 27 outubro passado, foi tornado público que o ativista antirracismo Mamadou Ba ia a julgamento por difamação do ex-dirigente do movimento “Hammerskins Portugal” Mário Machado, após decisão do juiz de instrução criminal Carlos Alexandre, que proferiu um despacho de pronúncia para julgamento em tribunal singular “nos exatos termos” da acusação do Ministério Público (MP).