Um dos mais conhecidos rappers de Cabo Verde, Hélio Batalha, afirmou esta quarta-feira que é Amílcar Cabral que o inspira no trabalho, procurando fazer “pontes” com o continente africano.

“Quando colaboro, quando converso com MCs de Angola, da Guiné Equatorial, é tentar fazer sinergias, é tentar fazer pontes para uma união cada vez mais forte entre a música, principalmente o hip-hop, que se faz aqui em Cabo Verde e a que se faz em Angola, na Guiné Equatorial ou na Guiné-Bissau”, salientou o músico, de 34 anos, em entrevista à agência Lusa, na cidade da Praia, pouco depois de ter lançado o seu segundo álbum.

Hélio Batalha vai ser um dos artistas que vão atuar na sexta-feira no primeiro de dois dias da 29.ª edição do Festival da Gamboa, na Praia, menos de um mês após lançar o seu segundo disco, “De Cairo a Cabo”, um trabalho em que o objetivo é conhecer não só o que se faz a nível musical, mas também cultural e socialmente de Cairo, no Egito, à cidade do Cabo, na África do Sul, cortando o continente de uma ponta a outra.

“É conhecer cada vez mais profundamente a nossa realidade africana e trazer para a minha música. É um projeto novo que eu quero dar continuidade, basicamente é uma epopeia que se debruça sobre a realidade africana, em todos os sentidos”, prosseguiu.

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“É um álbum onde tento trazer músicas, ritmos, tradições, para a comunidade cabo-verdiana. Também quero levar a minha música para outras realidades e outras latitudes, como Angola, e África inteira”, insistiu o rapper, que começou a dar os primeiros passos na música em 2007, quando venceu um concurso radiofónico promovido pelo Ministério da Saúde e pela rádio Praia FM.

De lá para cá, lançou três mixtapes “Golpe di Stauo I” (2010), “Golpe di Stadu II” (2012) e “Selvas de Pedras” (2014), outro disco de inéditos “Karta D’Alforia” (2016), foi artista Revelação e Melhor Hip Hop nos prémios da música Cabo Verde Music Awards (CVMA) em 2016, Melhor Hip-Hop (2017) e prémio Personalidade do Ano da Música na gala Somos Cabo Verde (2017).

Também já atuou ao lado de outros grupos e músicos, como Os Tubarões, Mayra Andrade, Fattú Djakité, Elida Almeida, Loony Johnson, Azagaia, Karlon, e nos principais festivais musicais em Cabo Verde e em muitos internacionais.

No novo álbum, que conta com participações de artistas como Sónia Sousa, Hérica, Dibaz Mob, Mark Delman, e onde se incluem outros ritmos como morna, funaná e afrobeat, o jovem reconhece que está “mais maduro”, numa caminhada de mais de 15 anos em que Amílcar Cabral também é uma grande inspiração.

“Continua a ser uma inspiração para todos os cabo-verdianos, e não só, foi uma das figuras mais proeminentes e importantes de África e da história africana. Também na minha música tento trazer essas personalidades para o conhecimento”, referiu, indicando que uma das músicas, “Imortal”, em colaboração com o recém-falecido músico moçambicano Azagaia, visa promover esse diálogo e sinergias que vão ao encontro dessa imortalidade africana.

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“Porque só podermos ser imortais quando preservamos, quando falamos da nossa cultura africana, quando promovemos a cultura africana, quando começamos a regá-la todos os dias para que as raízes não sequem”, indicou, considerando ser “urgente” criar pontes com África.

Licenciado em Serviço Social, Hélio Batalha canta a música urbana cabo-verdiana, inspirada nas suas vivências e nos problemas sociais, muitos deles que viu de perto em Ponta d’Água, o bairro onde nasceu e cresceu.

Dizendo-se um jovem “preocupado” com a realidade cabo-verdiana e com a sua música, tenta trazer à tona problemas do seu bairro e da cidade da Praia, mas também tudo o que acontece em Cabo Verde, relacionado com droga, delinquência juvenil, prostituição, entre outros, um estado de coisas que “não podem ficar como estão”, título de uma das faixas “Cima Nu Sta Nu Ka Podi Fika”.

“Tentar trazer a juventude para mais perto da política e ter uma voz mais ativa nos problemas que afligem a nossa sociedade. Tentar influenciar a minha juventude para ver com mais preocupação o que acontece no país”, mostrou, considerando que muitos jovens cabo-verdianos sentem-se “abandonados”, entendendo ser preciso fazer mais por essa camada.

“Deve-se ter uma visão mais acolhedora e mais preocupada da nossa juventude e tentar criar políticas públicas e sociais para diminuir estes flagelos. E acho que a cultura e o desporto são pilares essenciais para diminuir esses flagelos sociais, mas também alavancar outras políticas sociais que vão nessa direção”, prosseguiu o jovem músico, insistindo na necessidade a apresentar alternativas aos jovens, que têm “sede de consumir” cultura cabo-verdiana e africana.

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“A juventude cabo-verdiana quer cultura, mas o que se tem apresentado muitas vezes não é da melhor qualidade, então eu acho que é preciso ter uma consciência maior da cultura no seio da juventude cabo-verdiana”, completou a mesma fonte na entrevista à Lusa, no palco onde vai voltar a subir na sexta-feira, um dos muitos espaços que os rappers cabo-verdianos têm hoje para mostrar os seus trabalhos, mas que nem sempre foi assim.

Para Batalha, os rappers de não estão menos interventivos e com mensagens menos acutilantes, tal como antigamente, mas sim encontrando alternativas “mais viáveis” para transmitir as suas mensagens e mostrar o seu trabalho.

“Acho que a intervenção tem sido feita, mas com alternativas. Acho que houve um avanço neste sentido, alguns MCs que eram mais interventivos, agora estão mais proeminentes, fazendo trabalhos sociais muito mais consolidados, e acho que o caminho é por aí, a cada dia redescobrirem e reinventarem armas para lutar contra esses temas”, explicou.

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Os jovens não querem estar sentados “a ver os carros a passar”, mas sim “ler um bom livro, participar num torneio de basquetebol ou de futebol. Então temos de criar infraestruturas, placas desportivas, mais bibliotecas, criar incentivos maiores e dar alternativas mais naturais e mais necessárias a essa juventude”, insistiu.