O Ministério das Infraestruturas desconhecia o “enquadramento jurídico” da saída de Alexandra Reis da TAP, cuja indemnização que recebeu acabou por ser considerada pela IGF como irregular. Maria Araújo, que foi chefe do gabinete de Pedro Nuno Santos, quando este era ministro das Infraestruturas e da Habitação, garante que “não conhecia o enquadramento jurídico, não fomos informados de riscos jurídicos. O que aliás motivou a 26 de dezembro de 2022 o despacho conjunto pedindo esclarecimento à TAP sobre enquadramento jurídico que não era do nosso conhecimento”.
Maria Araújo revela que o ministério não recebeu “qualquer conclusão jurídica ou enquadramento jurídico” do acordo, e diz que um email que tem sido referido que consta do relatória da IGF “tem gerado confusão”. Nesse email, de 2 de fevereiro, o advogado César Sá Esteves diz que precisa de começar a redigir o clausulado do acordo. Por isso Maria Araújo sustenta: “Nunca tivemos acesso ao clausulado, a primeira vez que o vi foi no relatório da IGF”.
E diz mesmo que “a tutela teve um acompanhamento acessório e à distância. Não foi decisão da tutela consolidar a negociação”, dizendo que o processo de negociação avançou só com a então CEO, Christine Ourmières-Widener. Mas diz que pessoalmente só teve intervenção a 1 e 2 de fevereiro. Maria Araújo reforça que o processo de saída de Alexandra Reis foi todo conduzido pela ex-CEO da TAP. O link para a reunião de 1 de fevereiro foi enviado pela gestora francesa e “foi ela que conduziu a reunião”.
Se a iniciativa do processo foi de Christine, a negociação do acordo esteve a cargo das sociedades de advogados. “Quem acompanhou de perto a negociação foi a CEO e os advogados, a tutela acompanhou à distancia numa fase final. Nessa reunião [de 1 de fevereiro] não houve nenhum tema jurídico tratado”. Garante que nunca recebeu o acordo de cessação de relações contratuais. Segundo explica Maria Araújo, a iniciativa de afastar Alexandra Reis foi da ex-CEO, pedida ao ministro e o processo negocial foi concluído por Hugo Mendes, que no âmbito da sua delegação de competências tinha dado anuência à conclusão do processo.
“A TAP estava muitíssimo bem assessorada por uma sociedade que nos merecia confiança e tínhamos a presunção, que hoje sabemos errada, que o departamento jurídico estava a acompanhar”, diz para explicar porque não soaram campainhas perante o valor da indemnização. Diz ainda que próprio Ministério confiou que as partes estavam bem representadas. E como o acordo de saída não implicava a assinatura de nenhum dos membros do Governo — não era um despacho por portaria que os vinculasse — não havia a necessidade de controlo jurídico adicional por parte dos membros do gabinete, defendeu. “Havia um princípio de confiança instalado de forma muito firme”. E assim justifica porque o gabinete que chefiava não avaliou a legalidade do acordo com Alexandra Reis, nomeadamente a submissão ao Estatuto do Gestor Público.
“Nós temos uma CEO que tem a iniciativa de fazer cessar as funções de uma administradora. O ministro da tutela, e sempre pensando nos melhores interesses da empresa, acede a essa solicitação. A partir daí a CEO desencadeou processo negocial e tratou com advogados que entendeu recrutar. Falou com a outra parte, que se faz representar por advogados. Escritórios com boa reputação que chegam a um acordo que não implica qualquer assinatura dos dois membros do governo e chegam a um determinado montante. E quando chegam a CEO por sua iniciativa entende pedir uma recomendação à tutela”. O email, explica Maria Araújo, da então CEO dizia: “aqui está o acordo que recomendo”. A chefe de gabinete diz que “aqui todos estavam de boa fé”. “Em momento nenhum deste processo foi verificado enquadramento jurídico, o respaldo jurídico estava pressuposto”, suportado por pareceres de sociedades de advogados reputadas.
O deputado da Iniciativa Liberal, Bernardo Blanco, pergunta porque é que o Ministério das Infraestruturas colocou no comunicado de demissão de ministro de Pedro Nuno Santos que a negociação do acordo de saída com Alexandra Reis tinha sido acompanhada pelos serviços jurídicos da TAP. Maria Araújo reconhece o erro e refere que era frequente a TAP recorrer a assessores jurídicos externos para temas que ainda assim eram acompanhados pelo departamento jurídico, apontado os casos do conflito na Groundforce e dos acordos de emergência com os sindicatos. Era “uma situação que acontece com frequência”. Os serviços da TAP têm muito trabalho e há questões que pela sua complexidade e confidencialidade é compreensível que sejam acompanhados apenas por assessores externos e dá como exemplo o contrato da nova CEO.
Sublinha que o valor final da indemnização não foi definido pela tutela, o que foi dado foi a recomendação e um pedido de conforto político porque era um valor expressivo. E a presidente executiva da TAP sentiu a necessidade de ter acordo do secretário de Estado Hugo Mendes. Maria Araújo admite mesmo que Christine Ourmières-Widener, “tendencialmente, pedia muito conforto e validação à tutela que outras tuteladas não pediam e que podia não ter a necessidade de pedir”. A gestora da TAP queixou-se na sua audição na CPI de ter sido alvo de muita pressão política no desempenho das suas funções.
Sobre a alegada não comunicação da decisão da indemnização ao Ministério das Finanças, nomeadamente a Miguel Cruz, secretário de Estado do Tesouro (Maria Araújo diz que havia um bom relacionamento entre as secretarias de Estado), a chefe de gabinete de então de Pedro Nuno remete a pergunta para Hugo Mendes. “Ele terá oportunidade de esclarecer”, mas acrescenta: “A minha convicção é a de que o assunto estaria a ser articulado entre as duas tutelas por parte da TAP. Provavelmente, o secretário de Estado teve essa presunção”, admite.
Maria Araújo referiu ainda inúmeras situações em que a presidente executiva da TAP articulava diretamente com as Finanças, dando como exemplo uma reunião sobre o processo de abertura do capital da TAP.
Aliás, a chefe de gabinete de Pedro Nuno garante que “nunca houve restrição a que a TAP falasse com a tutela financeira”.
“Quando tinha necessidade de falar com a tutela financeira falava e quando precisava de falar com a tutela setorial falava”. Dá o exemplo dos contratos de gestão, que foi trabalhado com as duas tutelas. “Não houve restrição para contactar a tutela financeira”.
Mas, por comparação, admite que “em regra” as empresas “mandam em simultâneo os pedidos de validação para a tutela setorial e financeira, neste caso não aconteceu”.