É esta quinta-feira, 25 de maio, que arranca a 93ª Feira do Livro de Lisboa, no Parque Eduardo VII, onde fica até 11 de junho. Pedro Sobral, o presidente da entidade organizadora, a APEL – Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, fala ao Observador sobre o modelo de sucesso implantado na edição do ano passado e que tem continuidade este ano, mas também sobre os danos que o fecho antecipado da feira causará este sábado.

Este sábado vão fechar a Feira do Livro mais cedo por causa do final do campeonato de futebol e os possíveis festejos do Benfica no Marquês de Pombal…
Recebemos a instrução da PSP de que tínhamos de fechar às 17h. Caso o Benfica ganhe o campeonato, há todo um plano de segurança desenhado, que nós aceitamos, obviamente, na íntegra. Temos que encerrar ao público às 17h, para que às 18h a feira esteja totalmente fechada. Isto provoca um dano importante. Para dar uma ideia, tínhamos 262 eventos para este primeiro sábado, 155 foram cancelados ou reprogramados. Os sábados são dos dias mais importantes das feiras e, dentro dos sábados, um dos dias mais importantes é, de facto, o primeiro sábado. Ao sábado, as horas de ouro, chamemos-lhes assim, são de facto das 16h para a frente. Os editores tinham programado muitos eventos, coisas que estavam pensadas há muito tempo, com autores nacionais e internacionais, para este primeiro dia. Temos aqui um impacto muito relevante: não só no número de eventos mas também na faturação. Neste momento, a APEL está a estudar e a desenhar vários cenários, para compensar.

Que cenários são esses?
Não gostaria de avançar sobre eles porque são ainda muito precoces. Tivemos a informação definitiva da PSP ontem de manhã, perto da hora de almoço, e, neste momento, estamos focados em gerir as contingências de sábado, nomeadamente ajudar todos os nossos participantes com as questões de segurança, que achamos importante que seja cumprido por todos. Vamos inaugurar a feira e, portanto, estamos ainda nos bits and pieces. Estamos a rever informação e depois, quando for oportuno, falaremos sobre isso.

Que novidades poderemos esperar da edição deste ano da feira?
Começo por recordar que, no ano passado, a feira inaugurou um conceito totalmente novo, muito apostado na sustentabilidade. Os equipamentos são totalmente novos, Foi claramente um conceito ganho, funcionou extraordinariamente bem. Mas há sempre espaço para melhorias. Por isso, este ano, do ponto de vista do espaço que os visitantes encontrarão, verão pequenas melhorias, muitas delas invisíveis a olho nu: melhorámos a acessibilidade das pessoas de mobilidade reduzida, que no ano passado vimos que ainda era deficiente; melhorámos alguns espaços de sombra; melhorámos também a zona do passadiço; temos mais zonas de restauração. Além disto, ressalvaria o plano de eventos, apesar deste soluço importante no dia 27: estão mais de dois mil eventos que estão programados. É um número muito relevante. Autores nacionais e internacionais vão estar presentes ao longo dos 18 dias da feira. Isto também mostra a relevância que a feira adquiriu não só em Portugal, mas também internacionalmente. Temos várias comitivas, de vários países, que nos vêm visitar: da Coreia do Sul, dos Emirados Árabes Unidos. Estão muito curiosos para perceber um bocadinho o êxito de um evento desta natureza num país que não lê, que tem um índice de leitura tão baixo. A feira é, acima de tudo, um espaço que a APEL proporciona para que os seus escritores, editores e livreiros encontrem os seus leitores. Isto é talvez a pedra basilar de todos estes 18 dias. Somos quase um fenómeno do entroncamento do mercado editorial europeu.

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Como é que explicaria esse sucesso? Para lá dos muitos eventos e da sustentabilidade.
Apontaria três fatores. O primeiro é que nós invertemos um pouco aquilo que é a feira do livro tradicional. Isto é, montámos uma festa à volta do livro: o espaço de restauração, com aquele passadiço fantástico, permite passar dias e fins de tarde extraordinários. Os tais pavilhões que agora permitem o manuseamento do livro por parte do leitor com muito mais à vontade. E porquê? Porque esta não é uma feira que se destina aos grandes leitores. Há homens e mulheres deste país que compram e leem muito, mas, para esses, poderíamos fazer uma feira na garagem que resultava na mesma. Esta feira destina-se essencialmente às pessoas que não leem, às pessoas que, por uma série de razões – tempo, dinheiro, vagar, cabeça –, acham que ler não faz sentido. E, portanto, proporcionamos uma série de condições, a restauração, os eventos, o local – o facto de estarmos no Parque Eduardo VII –, que são extraordinárias. Temos uma certeza: trabalhamos nisto há muito tempo, somos otimistas irritantes e sabemos que há sempre um livro, algures, para todos. Sabemos que, mais cedo ou mais tarde, criamos ali uma massa crítica. Muitas das pessoas que compram livros por curiosidade, ou tropeçaram num enquanto estavam beber o seu copo ou a comer o seu almoço, vão querer mais, vão continuar a ler e entram neste contributo que é fundamental para o aumento de índices de leitura e literacia em Portugal. O segundo fator já o referi: estamos no espaço em que estamos. O Parque Eduardo VII é um postal ilustrado de Lisboa. É um espaço que as pessoas normalmente não frequentam e que têm agora uma oportunidade de frequentar. E o terceiro fator é que, principalmente a partir dos últimos dois anos, há um certo élan à volta do livro. Isto é, vemos que há mais pessoas a comprar livros. Vemos que há pessoas a ler mais. O Natal tem um peso muito grande, e continua a ter um peso muito grande, mas esta sazonalidade está a suavizar-se. Vemos um recrudescimento de compra de livros fora da época do Natal, altura em que normalmente as pessoas compram para oferecer, não para ler. Quando vemos já vendas relevantes de livros durante o primeiro quadrimestre, segundo quadrimestre, notamos que as pessoas estão a comprar para consumo próprio. Isso significa que há aqui um movimento, neste momento conjuntural, de novos leitores, muito saído das redes sociais, muito saído da conversa à volta do livro, da procura de algum escapismo a alguma solidão que todos nós vivemos durante o confinamento. É um movimento global, não acontece apenas em Portugal. Ao trazer novos leitores, que andam entre os 18 e os 30 anos, principalmente mulheres, também contribuem para este movimento. Já no ano passado vimos na feira muita gente nova, à procura do seu autor, à procura de livros sobre os quais tinham falado, à procura de livros que tinham encontrado no TikTok.

Têm números relativamente a essas pessoas que não leem com regularidade, mas que passam pela feira e acabam a comprar um livro?
Não consigo fazer esse cruzamento. Infelizmente, não há muitas estatísticas em Portugal, mas deixo-lhe alguns números. O mercado do livro tem crescido desde 2020. Em 2020 teve uma queda relevante, de 7% – foi o país na Europa que mais perdeu. Depois, cresceu cerca de 16,7% em 2021, uma recuperação em V, chamemos-lhe assim. No ano passado, acabou com um crescimento de 14% e neste primeiro quadrimestre vai com um crescimento de 7%. Diria, numa visão mais pessimista, que ainda estamos a recuperar. Porque em 2009, no auge da crise financeira, o mercado tinha perdido cerca de 25% em três anos. Numa visão mais otimista, diria que há mais gente a ler. Agora dou-lhe aqui dois números que são importantes para moderar este entusiasmo. O Instituto das Ciências Sociais fez um estudo para a Fundação Calouste Gulbenkian, que deu que 68% dos portugueses em 2020 não leram nem um livro. E, 2022, o Instituto Nacional de Estatística (INE) libertou uma estatística em que, de uma forma satélite, apanhou também o consumo de livros: em 2022, 58% dos portugueses não leram um livro. Como é que juntaria estes dois dados? Sim, o mercado está a crescer, mas está a partir de uma base muito pequena. Nós temos os índices de leitura mais baixos da Europa.

Também não é possível quantificar o contributo da Feira do Livro para esse aumento.
Não conseguimos obviamente quantificar como a Feira do Livro, ou por exemplo a Festa do Livro de Belém, patrocinada pelo Presidente da República em setembro, têm um papel positivo. Quando temos 776.000 pessoas, como tivemos no ano passado, durante 18 dias, diria que, com a maioria a comprar livros, só pode ter um impacto positivo. Mesmo que 10% delas tenham lido e, desses 10%, 30%, tenham querido ler mais, e comprado mais, já é uma vitória.

Referiu também as redes sociais. Estes movimentos começaram um bocado com influencers a sugerir livros e isso criou toda uma trend. E diz também que o que se vê a olho nu mais jovens a circularem pela feira. Existiu algum tipo de trabalho em termos de feira ou de programação para ir ao encontro deste tipo de público?
Claramente. Tenho passado os últimos dias aqui no espaço, tenho estado a ver as praças e os expositores a serem montados e há muita coisa a ser destinada a esta faixa etária mais nova, muita referência àquilo que são as redes sociais. Eu chamava a atenção para duas palavras que utilizou porque acho que são importantíssimas: por um lado, é uma trend, é uma tendência que pode ou não ser estrutural – pode ser apenas uma moda. Daí a tal fragilidade que estava a referir. E há ainda a questão dos influencers. Talvez o que tem sido mais interessante à volta da influência das redes sociais não é o que os influencers tenham falado sobre livros. É que toda a comunidade, uma grande comunidade, conversa sobre livros. Estamos a falar de anónimos, de pessoas até com redes de seguidores muito baixas, mas que genuinamente falam daquilo que as tocou. Aquilo que a leitura fez desde que existe, desde que existe o livro. O que as redes sociais têm é uma amplitude de contacto muito maior, o que tornou este fenómeno muito mais rápido. Mas é como disse, é uma tendência ainda frágil. A APEL e os editores estão a trabalhar nessa tendência. Mas precisamos de muito mais: precisamos de políticas públicas, precisamos de vir desta conjuntura favorável para uma componente estrutural que permita, de facto, termos índices de leitura e de literacia mais aproximados da União Europeia.

Qual a importância das pequenas editoras, neste contexto?
Além do ponto de encontro entre os escritores e os seus leitores, a Feira do Livro é também uma oportunidade de mostrar aquilo que é a diversidade editorial em Portugal. A APEL tem como ponto assente a necessidade de proteger este ecossistema, que tem que ser o mais diverso possível, onde convivem os grandes grupos editoriais, pequenos editores, alfarrabistas, autores, escritores que chegam a cinco leitores e outros que chegam 30 mil. E isto, obviamente, tem uma relevância para todos. É uma oportunidade para todos os editores, pequenos ou grandes, venderem livros que têm parados no armazém. Livros que infelizmente já não estão nas livrarias. Para os pequenos, é também um balão de oxigénio em termos de tesouraria. Este é um mercado de capital muito intensivo, desde que pagamos ao escritor até recebermos da livraria passa muitas vezes um ano, um ano e meio. Tudo investimento por parte do editor. E, obviamente, esta feira é um balão de tesouraria muito interessante que têm ali. Muitas vezes, gerando dinheiro para pagar muitos meses de custos ao longo do ano. Para os grandes grupos editoriais, serve para tudo aquilo que são os seus planos em termos de novidades, mas também a oportunidade de venderem os refugos. Por falar em pontos de melhoria, a tenda dos pequenos editores tem este ano mais condições, uma forma de mostrar o livro muito melhor do que tinha no ano passado. O que nos deixa também muito felizes, porque os pequenos editores são tão importantes como os grandes.

Toda a programação em feiradolivrodelisboa.pt