A forma como João Almeida terminou o contrarrelógio, a puxar até ao limite e a arriscar mais naquela parte mais sinuosa do que é normal na sua forma de correr, mostrava numa imagem várias certezas: 1) no estágio em altitude que fez antes da Volta a Itália, o português trabalhou e muito este contrarrelógio a subir quase uma parede no segundo segmento; 2) o resultado que estava a conseguir, já depois dos desempenhos muito positivos de Brandon McNulty e Jay Vine (ambos top 10), estava dentro do esperado e mostrava como as três semanas em condições quase sempre adversas não tinham esgotado toda a gasolina no tanque; 3) aquele que era um primeiro sonho estava conseguido – mesmo que o maior dos sonhos fosse quase impossível.

O extraterrestre Roglic mostrou o orgulho que é ter um humano português como João: Almeida consegue primeiro pódio de sempre no Giro

Aliás, a reação quando passou de forma muito rápida pela cadeira da liderança da etapa à frente do italiano Damiano Caruso (também ele com um grande dia na chegada a Monte Lussari) disse tudo em relação ao que tinha acabado de fazer Roglic mesmo tendo de trocar de bicicleta quando a trepidação numa zona a subir fez com que a correia saltasse e perdesse uns dez segundos: fez aquela expressão de quem apanha um susto, fez um adeus com a mão e saiu para dar lugar ao grande vencedor do dia. No entanto, ninguém passou ao lado daquilo que João Almeida fez ao longo de três semanas. E esta é a prova que pode mudar a carreira do português, que mesmo que cumpra a ambição de marcar presença no Tour em 2024 (ajudando Pogacar mas ganhando experiência e preparando os Jogos Olímpicos) voltará ao Giro um dia para ganhar.

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“João Almeida conseguiu fazer um fantástico contrarrelógio e acabou a etapa em terceiro, continuando em terceiro da geral antes da última etapa em Roma. Que corrida João”, escreveu a UAE Team Emirates no final da etapa, elogiando todo o percurso que o português fez ao longo das três semanas. Um caminho com mais dificuldades, para ele e para todos, do que se esperava, entre muito mais chuva e frio do que estava nas contas, mas que terminou com a confirmação de que o chefe de fila tem o perfil de um grande voltista, agora com uma primeira coroa: depois do quarto lugar em 2020, da sexta posição em 2021 e da desistência em 2022 após ter contraído Covid-19 (além de um quinto posto na Vuelta de 2022), chegou ao pódio.

44 anos depois, um corredor nacional conseguiu ficar num dos três primeiros lugares de uma grande volta, depois da segunda posição de Joaquim Agostinho na Vuelta de 1974 e dos terceiros postos no Tour de 1978 e 29179. A vitória em Monte Bondone tinha sido mais uma barreira quebrada, com a primeira vitória em etapa a surgir numa montanha daquelas que não se esquecem, mas o melhor estava mesmo para vir e será agora coroado em Roma depois de uma etapa de consagração para Primoz Roglic, o grande vencedor do dia.

“O que é que se sente nesta altura? Muita felicidade, foi um objetivo concluído com muito sucesso. Houve uma vitória em etapa, houve o terceiro lugar na geral… Estou mesmo muito feliz e pronto, que venha o descanso agora”, começou por comentar o corredor caldense em entrevista à RTP. “Acho que não faltou nada, fiz o que consegui, dei o meu máximo todos os dias mas os adversários foram mais fortes. Eu estou contente com a corrida que fiz, fui muito regular e só traz coisas positivas para o futuro. Também estou muito satisfeito com a equipa, deram tudo por mim, fizeram tudo por mim e estou grato a todos eles, à minha família, à minha namorada e a todos aqueles que me apoiam”, prosseguiu João Almeida após a etapa.

“Atingir um pódio de uma grande volta 44 anos depois é muito positivo mas foco-me mais em mim porque esse era o meu objetivo, o primeiro de vários”, concluiu João Almeida em declarações à RTP.