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Miguel Cruz, ex-secretário de Estado do Tesouro, diz que não acompanhou as negociações para a saída de David Neeleman da TAP, mas não tem dúvidas de que os 55 milhões de euros que o Estado pagou ao empresário foram “resultado da negociação” que, ficou a saber-se, foi conduzida por advogados.

Em resposta aos deputados da comissão parlamentar de inquérito à TAP, Miguel Cruz afirmou que os 55 milhões de euros resultaram também da instrução dada pelos ministros das Finanças e das Infraestruturas aos advogados para que fosse encontrado o “valor mínimo” que permitisse ao Estado entrar na gestão da TAP e viabilizar o auxílio de emergência que a gestão, por indicação de Neeleman, recusava.

Esse valor “estaria subjacente” ao dinheiro que Neeleman achava que poderia receber. Quando se avança para uma ajuda de emergência com resgate “é óbvio para toda a gente que vai haver sacrifício do acionista”. E David Neeleman teve uma postura diferente de Humberto Pedrosa, que já assumiu que gostava de ter ficado.

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O ex-secretário de Estado contrariou a tese defendida por Lacerda Machado na comissão de inquérito de que o acordo parassocial que dava a Neeleman direito a reclamar as prestações acessórias perdia força legal por causa da pandemia. “Se fossemos para uma nacionalização, o Estado ficaria ligado ao acordo parassocial que obrigava a devolver a Neeleman as prestações acessórias (227 milhões de dólares ou 224 milhões de euros), o valor nominal das ações, acrescido de 20%”.  E insiste. “Não havia tempo, nem condições para qualquer tipo de litigância”.

Bernardo Blanco citou um artigo de opinião de Pedro Nuno Santos em que o então ministro diz que esse acordo evitou que o Estado tivesse de devolver os 227 milhões de euros de prestações acessórias. No artigo publicado no Observador o ex-ministro explicava os 55 milhões:

Por 55 milhões de euros, o Estado comprou direitos sociais (22,5%, passando dos 50% para os 72,5%), direitos económicos (que passam a estar alinhados com os direitos sociais), e direitos de saída, com os acionistas privados a prescindirem de levantar os 224 milhões de euros que têm na empresa em suprimentos, enquanto se garante que a Azul abdicou da convertibilidade das obrigações (no valor de 90 milhões), evitando que possa, no futuro, regressar como acionista da empresa. Esta pareceu ao Governo a solução que, perante a urgência vivida pela companhia, melhor acautela o interesse público”.

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Agora, Miguel Cruz, ex-secretário de Estado, admite que num cenário em que a TAP seria nacionalizada, sem acordo de compra, o empresário americano teria direito a litigar e exigir os 227 milhões, mais o preço das ações. Esse seria o valor máximo que era inaceitável no atual contexto.

Revela também não foi ele a fechar o negócio do lado do Estado, apesar de ter a tutela da Direção Geral do Tesouro que foi quem passou o cheque. E quem foi? Foram os advogados das duas partes. O Estado foi representado pela Vieira de Almeida (VdA) e Neeleman era representado na altura por Diogo Perestrelo da PLMJ.

O valor foi validado pelos ministros Pedro Nuno Santos e João Leão, mas a intervenção na TAP foi aprovada em Conselho de Ministros e publicada num diploma que conta também com a assinatura de Pedro Siza Vieira, o ministro da Economia que substituiu António Costa.

Os 55 milhões caíram do céu? A pergunta de Pedro Filipe Soares tem sido feita a vários dos inquiridos na comissão e aos ouvidos na de economia e para a qual não tem havido resposta. Mesmo Miguel Cruz afirmou que o valor resultou das negociações nas quais não participou porque foram acompanhadas pelo seu antecessor no Tesouro. Álvaro Novo deixou o Governo quando Mário Centeno foi substituído por João Leão.

E perante a insistência dos deputados para explicar a ligação entre os 55 milhões e a prestações acessórias, Miguel Cruz explica que o valor corresponde ao pagamento de 22,5% de ações de Neeleman na TAP, via Atlantic Gateway, o reequilíbrio dos direitos económicos correspondentes aos 72,5% para o Estado e 55 milhões de prestações acessórias associadas a essa posição. Com este acordo, David Neeleman abdicou da litigância associada ao facto de o Estado passar a ser maioritário na companhia e existir a perspetiva de ficar a curto prazo com 100% da empresa.

E diz, mais tarde, que os 55 milhões de euros pagos são uma coincidência porque equivalem também às prestações acessórias que correspondem aos direitos económicos e ações que passaram para a DGTF (55 milhões).

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Já na audição, na comissão de Economia, de Pedro Marques, o ex-ministro disse desconhecer a negociação feita em 2020 para o Estado comprar as ações do empresário americano, mas assumiu algumas certezas. A primeira é a de “que se o privado tivesse direito a sair com 227 milhões de euros (a totalidade da recapitalização privada), não sairia com 55 milhões”.

O ex-ministro confirma que a possibilidade de Neeleman recuperar as prestações acessórias colocadas no TAP estava no acordo parassocial assinado com o Estado na recompra de 2017. Mas diz que os passos previstos para essa devolução não foram dados. Daí que conteste a ligação dessa situação ao pagamento de 55 milhões feito em 2020 pelo Estado ao empresário.

Pedro Marques cita o parecer jurídico do fecho da operação de 2015, segundo o qual se Neeleman recebesse o dinheiro colocado na TAP antes do fim do fornecimento do prazo para a entrega dos 53 aviões, que era de 2025, teria de entregar esse dinheiro à Airbus, o fornecedor dos aviões. “Não estou convencido de que Neeleman tenha feito esse acordo para entregar os 55 milhões à Airbus.”

O ex-ministro refere ainda que a possibilidade do acionista privado recuperar o capital colocado na empresa antes do prazo de 30 anos só existiria em caso de conflito em que o privado fosse empurrado pelo Estado. Pedro Marques está convencido que essa cláusula não foi acionada porque implicaria tomar vários passos prévios que não foram tomados. E porque o dinheiro teria de ser entregue à Airbus e Pedro Marques não tem notícia de que isso tenha acontecido.