A primeira fase dos trabalhos da comissão eventual de revisão constitucional terminará entre esta e a próxima semana, mas o processo ainda está longe do fim e tem desfecho incerto, dependente da aprovação conjunta de PS e PSD.

O 12.º processo de revisão da Constituição da República Portuguesa (só sete foram concluídos com sucesso) foi desencadeado com a apresentação de um projeto do Chega, em outubro do ano passado, seguido por todas as bancadas e deputados únicos, num total de oito projetos e 393 propostas de alteração, revogação e aditamento de artigos à lei fundamental.

Desde que tomou posse, em 4 de janeiro deste ano, a comissão eventual realizou perto de 40 reuniões, nas quais os partidos apresentaram as suas iniciativas e fizeram uma primeira avaliação das propostas dos restantes, artigo a artigo.

Ainda antes do verão, começarão audições de algumas entidades pedidas pelos partidos — não mais de uma dezena e a maioria por escrito —, incluindo as assembleias legislativas da Madeira e dos Açores, previstas por lei.

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Durante todo o mês de setembro, os partidos poderão apresentar propostas de alteração às suas iniciativas ou ao texto de outras bancadas, mas apenas nos artigos que foram objeto de propostas na primeira fase, não podendo “mexer” em novos artigos.

Depois, e presumivelmente após conversações entre os dois maiores partidos — a revisão constitucional exige aprovação por dois terços, o que na atual composição parlamentar implica voto favorável de PS e PSD —, começará a fase decisiva de votação artigo a artigo.

Constituição: primeira fase do processo de revisão concluída até 20 de junho

A expectativa do presidente da comissão eventual, o social-democrata José Silvano, é de que os trabalhos não se estendam para lá de 2023, já tendo sido aprovado em plenário o prolongamento dos trabalhos até final do ano.

Em novembro do ano passado, o secretário-geral do PS, António Costa, “fechou” desde logo o âmbito de uma revisão que o PSD pretendia mais ampla, ao anunciar que os socialistas iriam rejeitar propostas sobre matérias institucionais, alegando que essa discussão seria incompreensível para os cidadãos num contexto de guerra na Europa.

Costa recusou também qualquer consenso à volta de alterações sobre as autonomias regionais — matéria sobre a qual o PSD tem bastantes propostas —, considerando que seria um desrespeito pelo trabalho que está a ser desenvolvido nas assembleias legislativas dos Açores e da Madeira, admitindo fazer, no futuro, um processo de revisão constitucional extraordinário sobre essa matéria.

O líder socialista e primeiro-ministro delimitou, desde logo, o processo a três áreas: aprofundar e consolidar direitos fundamentais, reforçar o Estado e resolver questões “indispensáveis” ao nível da segurança, designadamente os combates ao terrorismo e a pandemias.

Pelo contrário, desde o início do processo, o PSD tem alertado que, se for apenas para alterar na lei fundamental o que o PS pretende, não dará o necessário acordo e a revisão ficará, mais uma vez, pelo caminho.

Esse recado foi recentemente reforçado pelo presidente Luís Montenegro, nas jornadas parlamentares da Madeira: “Só vai haver revisão constitucional se for para mudar algumas coisas na Constituição, não é para mudar apenas aquilo que o PS quer. O PSD não vai dar borlas constitucionais ao PS“, avisou.

O Presidente da República e o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, defenderam como urgente neste processo reforçar a forma como o país pode enfrentar novas emergências sanitárias como a Covid-19 e, no caso de Marcelo Rebelo de Sousa, uma possibilidade de ultrapassar o bloqueio no acesso aos metadados pela investigação criminal, embora PS e PSD tenham rejeitado esta ligação.

A comissão eventual já teve dois presidentes indicados pelo PSD: primeiro, Joaquim Pinto Moreira, que renunciou ao cargo quando o seu nome foi envolvido na investigação judicial “Operação Vórtex”, e depois José Silvano, ex-secretário-geral do PSD na anterior liderança de Rui Rio.

Se for concluída com sucesso, será a oitava revisão da Constituição, quase 20 anos depois da anterior mudança (2005) e mais de dez após a última grande tentativa de a alterar (2010/2011), falhada devido à dissolução do parlamento.