“Papa recordes, boa”. Quase no final da conferência de imprensa na antecâmara da partida em Reiquiavique, Ronaldo rasgava ainda mais o sorriso perante uma questão sobre todos os registos que foi batendo ao longo de duas décadas ao mais alto nível entre clubes e Seleção. Na segunda, onde terminava a temporada menos conseguida de todo esse percurso, sentia-se bem. Confiante como nunca. Ambicioso como sempre. Com um à vontade ainda maior do que aquele que se tornou imagem de marca. As aparições do capitão em momentos de contacto com jornalistas não têm sido muitas mas o momento a isso “obrigava” ou não fosse este o jogo 200 do número 7 no conjunto principal – reforçando um recorde de internacionalizações que já lhe pertence. É o jogador com mais encontros e com mais golos por seleções mas quando a pergunta é sobre aquilo que tem ainda para alcançar a resposta chega em forma de outra questão: “O que é que ainda falta?”.

Portugal vence na Islândia com golo de Ronaldo e reforça liderança no grupo de qualificação para o Europeu só com vitórias

“Não tenho noção dos recordes todos que tenho… Sei que internacionalizações e golos na seleção sou eu, sei que tenho mais mas digo sinceramente: eu não sigo os recordes, eles é que me seguem. Isso também é uma motivação. Nunca pensei alcançar isto mas ainda continuo a bater recordes e continuo com a ambição de fazer muita história por Portugal”, comentou a esse propósito, sem conseguir nomear um momento único ao longo dos agora 200 capítulos de um livro como nunca ninguém escreveu na história do futebol mundial.

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“Não abdicarei do meu lugar na Seleção”, garante Ronaldo antes do jogo 200: “Nunca pensei mas tenho muito mais para fazer”

“É difícil mencionar apenas um momento, foram tantos momentos bonitos que vivi e vou continuar a viver que mencionar só um não consigo. Os mais fáceis de memorizar é quando ganhamos. Quando ganhámos o Europeu, quando ganhámos a Liga das Nações… Mas há muitos momentos bons, de caminhos largos, muitas vitórias sofridas. Prefiro dizer que o jogo mais importante é o próximo não deixando de fora os momentos bonitos que vivi. Serei o primeiro a chegar aos 200 jogos, foi que nunca pensei”, admitiu, entre as naturais mudanças desde 2003: “A maneira de ser não muda mas percebemos o jogo de maneira diferente, temos outra experiência. No início é um momento de inocência, de ilusão, de descoberta, agora há fatores mais importantes por ser capitão de uma geração de jogadores jovens, tentar ser exemplo. Sou uma grande valia à Seleção, não só em campo mas também fora, e quero continuar, sinto que tenho muito para dar”.

Aliás, essa foi uma das principais notas ao longo da conferência do número 7 nacional: mais do que recordar o passado ou abordar o presente, Ronaldo quis deixar uma mensagem de futuro. “Se espero fazer mais? Óbvio, por isso é que estou aqui e continuo a minha caminhada. Quero continuar a viver o momento. Continuo bem, a ajudar, a fazer golos, a sentir-me motivado com boas exibições. Enquanto sentir isso, enquanto sentir que todos os que estão ao meu lado gostam da minha presença, participação e liderança, não abdicarei do meu lugar na Seleção. Como dizia o Bruno Alves, não vou dar o meu lugar grátis. Sentir-me útil e uma mais valia neste grupo é um orgulho e uma motivação”, vincou, entre várias alusões a uma era que o avançado não quer que termine e vai fazer para prolongar a breve e médio prazo.

Sobre o jogo, pouco ou nada se falou. Aliás, no caso de Ronaldo houve apenas duas perguntas, uma nacional e outra islandesa, sobre o adversário desta noite, um adversário que de forma irónica tinha dito antes que iria dar luta e nódoas negras ao jogador do Al Nassr entre os parabéns pela 200.ª internacionalização. “Nódoas negras? Já estou habituado, são 20 e tal anos de carreira, de marcas na cara, nas pernas ou nas costas… Estarei preparado como sempre. O mais importante é mostrar que somos melhores e levar um bom resultado para estarmos no Europeu. Também temos as nossas armas e vamos tentar ganhar o jogo”, referira o capitão. E era aqui que estava a chave de uma possível quarta vitória noutros tantos jogos nesta fase de apuramento.

Qualquer jogador que tivesse 90 minutos como os de Ronaldo só mesmo por acaso poderia decidir um jogo num dia tão especial. Até aí, o número 7 de Portugal perdeu muitas (demasiadas) vezes a bola, caiu muitas (demasiadas) vezes em fora de jogo e falhou os dois lances passíveis de golo que lhe passaram pelos pés e pela cabeça, tendo como resultado uma disposição à beira de um ataque de nervos perante tanta vontade que batia sempre no excesso de desinspiração. Todavia, há uma nuance: o número 7 era Ronaldo. E quando o 7 é Ronaldo, tudo isso pode acontecer que o destino está fadado para mudar a história num lance caído de um céu inventado por Raphael Guerreiro e desbravado por uma assistência de Gonçalo Inácio. Se na véspera o avançado dizia que “era top” assinalar o jogo 200 com um golo, melhor era quase impossível.

Ficha de jogo

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Islândia-Portugal, 0-1

4.ª jornada do grupo J da fase de qualificação para o Europeu

Laugardalsvöllur, em Reiquiavique (Islândia)

Árbitro: Daniel Siebert (Alemanha)

Islândia: Rúnarsson; Fridriksson (Sampsted, 79′), Pálsson, Ingason, Magnússon; Willumsson, Traustason (Johanesson, 75′), Johann Gudmundsson; Albert Gudmundsson, Thorsteinsson (Haraldsson, 79′) e Finnbogason (Saevar Magnússon, 75′)

Suplentes não utilizados: Valdimarsson, Olafsson, Bjarnason, Gretarsson, Gunnarson, Ellertsson, Helgason e Hlynsson

Treinador: Äge Hareide

Portugal: Diogo Costa; Pepe, Rúben Dias, Danilo Pereira (Vitinha, 84′); Diogo Dalot, Rúben Neves (Gonçalo Inácio, 66′), Bruno Fernandes (Otávio, 84′), João Cancelo (Raphael Guerreiro, 66′); Bernardo Silva (Diogo Jota, 90+3′), Rafael Leão e Cristiano Ronaldo

Suplentes não utilizados: Rui Patrício, José Sá, António Silva, Toti Gomes, Renato Sanches, Ricardo Horta e João Félix

Treinador: Roberto Martínez

Golo: Cristiano Ronaldo (89′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Diogo Dalot (27′), Gudmundsson (45′), Finnbogason (45+1′), Willumsson (71′ e 81′), Thorsteinsson (74′), Bernardo Silva (74′) e Ronaldo (83′); cartão vermelho por acumulação a Willumsson (81′)

Tal como previsto, Roberto Martínez promoveu mesmo quatro alterações no seu “plano a dois jogos”, com as entradas de Pepe, Rúben Neves, Diogo Dalot e Rafael Leão que traziam também algumas nuances na forma como a equipa se dispunha em campo, a começar pela linha de cinco em triângulo sem bola atrás, a passar pela colocação de João Cancelo à esquerda a dar possibilidade de Rafael Leão arriscar diagonais para o meio e a ter ainda Bernardo Silva a pisar terrenos mais interiores num 5x3x2 mais assumido sem bola que se podia ganhar várias formas em posse. No entanto, e perante uma equipa que fazia dos lances pelo ar e do jogo mais físico a principal arma, foi de canto que vieram os primeiros sinais de perigo de Portugal, com o desvio de Rúben Dias ao segundo poste a ser desviado pela linha de fundo (8′) e o cabeceamento de Pepe entre os centrais contrários a merecer uma grande intervenção com nota artística de Rúnarsson (16′).

A forma como a Seleção conseguia subir toda a equipa num bloco que jogava a 30 metros na frente e deixava os centrais bem à frente do meio-campo para taparem todas as possíveis rotas de saída da Islândia até nem corria mal mas faltava tudo o resto. Faltava maior mobilidade para poder desposicionar as bem organizadas linhas defensivas dos visitados, faltava mais velocidade sobretudo nos corredores para chegar a situações de cruzamento com mais e melhor espaço, faltava outra presença na área perante um conjunto que queria em primeira instância não sofrer para depois, e se possível, marcar. Foi assim que o central Pálsson, que subira à área contrária na sequência de um lançamento lateral, teve uma oportunidade sozinho e de frente para a baliza que saiu por cima (24′). Foi assim que o lateral Magnússon teve um lance típico do homónimo sueco que passou pelo Benfica a ganhar de cabeça para defesa apertada de Diogo Costa (28′).

Os minutos passavam mas a ocasião em que se viu os jogadores portugueses mais “mexidos” ao intervalo foi mesmo quando Finnbogason atingiu Pepe com o cotovelo na cara e viu apenas amarelo. De resto, muito mais bola, um lance em que Rúnarsson iria impedir o golo de cabeça de Ronaldo após cruzamento de João Cancelo mas em posição irregular (38′) e a sensação de que, perante aquela forma de jogar lenta, previsível, com pouca gente na zona de finalização, muito dificilmente alguém poderia fazer a diferença. Pela primeira vez desde que assumiu o comando do conjunto nacional, Roberto Martínez regressava ao balneário com um nulo por desfazer entre algumas nuances táticas em relação ao jogo com a Bósnia que não resultaram, como se percebeu nos vários lances em Rafael Leão e Ronaldo pisaram os mesmos terrenos ou nas jogadas em que Bernardo ficava a meio caminho sem bola entre colar ao meio-campo ou descer para ajudar Dalot.

O técnico espanhol tentou mexer na equipa sem mexer nos jogadores ao intervalo. João Cancelo apareceu mais vezes por dentro com Rafael Leão a dar a profundidade mais na linha, Bernardo Silva abriu mais vezes à direita num 3x4x3 assumido, a própria dinâmica da equipa parecia diferente. Contudo, essa boa entrada foi sol de pouca dura (nada a ver com uma Islândia com mais sol do que é normal), com Ronaldo a ter um desvio de cabeça após canto de Bruno Fernandes na direita que saiu a rasar a trave (50′) no único sinal de perigo até à meia hora final numa fase em que tão depressa parecia que a Seleção tinha ficado instalada de vez no meio-campo contrário a pressionar para chegar ao golo como a Islândia encontrava outros espaços para arriscar saídas em transições rápidas que até podiam redundar depois em sempre perigosas bolas paradas.

Quando o mais fácil poderia ser lançar homens na frente, Martínez quis manter a racionalidade e procurou ganhar o jogo a partir do banco. Primeiro remodelou o lado esquerdo, com Gonçalo Inácio e Guerreiro em campo para dinamizarem a saída pelo corredor lateral. Pouco ou nada acrescentou. Depois mudou por completo o meio-campo, com Otávio e Vitinha a entrarem para dar outro critério ao meio-campo. Melhorou um pouco, até porque Willumsson tinha deixado a Islândia reduzida a dez (81′), mas não era ainda suficiente. Os minutos passavam e o nulo não se desfazia até surgir o momento que decidiu a partida: canto na direita, mais uma solução testada com bola no corredor central para cruzamento de Raphael Guerreiro, assistência de Gonçalo Inácio e desvio na pequena área de Ronaldo para o 1-0, num lance inicialmente anulado por fora de jogo do central mas que foi depois revertido pelo VAR e lançou a festa nacional na Islândia (89′).