O Teatro Estúdio Ildefonso Valério, em Alverca, Vila Franca de Xira, corre o risco de fechar portas após o verão face ao corte total de verbas de apoio sustentado à Companhia Cegada, pela Direção-Geral das Artes (DGArtes).
Cinco anos depois de terem recebido apoios da DGArtes, a companhia viu agora os subsídios daquele organismo estatal reduzidos a zero, decisão com a qual o diretor artístico da companhia, Rui Dionísio, não se conforma.
Admitindo terem concorrido aos subsídios bienais por uma questão “meramente estratégica”, a companhia, com quatro pessoas no quadro, “tinha todas as com condições regulamentares para concorrer aos quadrienais” e, se o tivesse feito, “tinha pontuação para ser subsidiada”, acrescentou.
Não o fez porque, “olhando para a dotação que havia para todas as estruturas naquela modalidade, era óbvio que o dinheiro não chegava para todas as entidades”, indicou Rui Dionísio, acrescentando ter sido o que se verificou e que fez com que o Ministério da Cultura aumentasse a dotação para os quadrienais, no mês de setembro do ano passado, depois de abertas as candidaturas em maio.
O programa de apoio sustentado às artes divide-se em duas modalidades, bienal e quadrienal, para as quais abrem diferentes concursos, para diferentes áreas artísticas, entre as quais o teatro. Os seis concursos abertos em maio do ano passado, para o período 2023-2026, tinham um total de 81,3 milhões de euros. Esta verba foi aumentada para 148 milhões quatro meses depois, em setembro, mas o reforço abrangeu apenas a modalidade quadrienal. Nos resultados dos concursos, a quase totalidade das candidaturas, na modalidade quadrienal, com pontuação suficiente para obter apoio, obteve-o; na modalidade bienal, cerca de metade das estruturas nas mesmas condições não o obteve.
“Pessoas ligadas às molduras legais dizem-nos que a atitude do Ministério põe em causa a estabilidade do concurso ao promover alterações depois de as candidaturas fecharem sem voltar a abri-las”, sublinha o diretor artístico da Cegada, umas das 18 companhias excluídas dos subsídios que interpôs uma providência cautelar aos concursos.
Fazer aquela alteração sem possibilitar que as companhias reajustassem as candidaturas é “alterar as regras do jogo, depois de este já ter sido iniciado”, sublinhou Rui Dionísio, que vê a companhia que dirige excluída dos 189 mil euros de subsídios anuais que recebia da DGArtes desde 2018.
“Como é que o Estado português investe desde 2018 numa companhia, num total de mais de 700 mil euros, e de um momento para o outro reduz esse apoio a zero?”, questionou, considerando não ver lógica “na decisão da DGArtes”.
Só em 2022, a Companhia Cegada realizou 81 sessões públicas de teatro para mais de oito mil espectadores, sem contar o trabalho com escolas básicas do concelho e a Universidade Sénior, acrescentou.
Rui Dionísio mostra-se “completamente desencantado” com a decisão tomada, acrescentando que a companhia decretada em Diário da República como Instituição de Utilidade Pública desde 2012 se vê agora na iminência de não poder manter o Teatro Estúdio Ildefonso Valério, por não ter dinheiro.
Mesmo com a verba que recebem anualmente da autarquia de Vila Franca de Xira — 36.050 euros – é completamente impossível fazer um teatro de autor como temos feito, disse, recordando que o último grande sucesso da companhia foi a tragédia “Oleanna”, de David Mamet, que voltou a ser reposta este ano devido à procura do público.
A verba fornecida pela autarquia de Vila Franca de Xira representa “catorze por cento” do orçamento anual da companhia, impossibilitando “de todo” que esta continue a desenvolver o trabalho de anos anteriores, referiu Rui Dionísio.
“A não ser que a autarquia venha também tomar uma posição, já que somos seus parceiros ao estarmos sediados num edifício municipal, é completamente impossível continuar a desenvolver o trabalho que temos feito”, sublinhou.
A Lusa tentou obter uma reação do presidente da autarquia de Vila Franca de Xira, Fernando Paulo Ferreira, o que não foi possível até ao momento.
Na sessão pública de Câmara de 28 de junho último, o autarca garantiu que a autarquia mantém o protocolado com a companhia, não lhe tendo retirado “um cêntimo” do apoio.
Naquela sessão de câmara, o autarca frisou que a Cegada é a companhia de teatro que recebe maior apoio da câmara e que o problema que está a atravessar “é apenas uma questão de gestão”.
“A companhia teve, durante um período, um apoio da DGArtes, e outro excecional, para dois anos, e num segundo momento, a candidatura não foi aprovada”, disse, sublinhando que o coletivo teatral “não podia contar com o dinheiro de uma candidatura que ainda não estava aprovada e que podia não o ser, como veio a acontecer”.
O segundo apoio a título “excecional ocorreu na altura da Covid, quando o Governo decidiu apoiar todas as candidaturas, mesmo as que não eram aprovadas” sem que soubessem se o apoio se manteria, sublinhou Fernando Paulo Ferreira.
“Enquanto havia dinheiro nestes quatro anos foram tomadas algumas decisões de gestão interna, nomeadamente de contratação de pessoal, dos próprios membros dos órgãos sociais do Cegada como trabalhadores do grupo, que geram um custo corrente muito superior à verba que era ela própria excecional”, acrescentou o autarca, numa alusão aos quatro trabalhadores do quadro da companhia.
Rui Dionísio discorda da posição do autarca, sublinhando que a companhia optou por não ter trabalhadores precários.
“Numa altura em que se debate e contesta tanto a precariedade, aquele argumentado nem devia ser usado”, observou o diretor artístico do grupo.
Perante o “abandono total do Governo central”, resta agora à Companhia Cegada “esperar” que a autarquia “chame a sim o problema do grupo”, acrescentou Rui Dionísio, sublinhando todavia não haver até ao momento “qualquer indicação” de que tal venha a acontecer.
Ainda que para o diretor artístico da Cegada seja difícil admitir o fecho de portas do Teatro Ildefonso Valério, essa possibilidade não está descartada.
Apesar de o contrato com a autarquia ser trienal e terminar no final deste ano, Rui Dionísio assegura que sem dinheiro não vão conseguir proporcionar uma oferta cultural semelhante à que têm feito.
Dionísio sublinha que é impossível manter um teatro aberto quando o dinheiro nem chega sequer para manter uma atividade “em part-time”.
“Vamos continuar a trabalhar a nível individual, até porque ninguém ganha mais de 1.000 euros na companhia”, observou, sobre esta estrutura fundada em 1986.
Diminuir a atividade do Cegada ou dissolver a instituição são hipóteses com que Ana Lúcia Magalhães, diretora do serviço educativo e de público, não se conforma.
“Não há nenhuma instituição teatral a fazer um trabalho análogo na zona norte da Área Metropolitana de Lisboa”, assegurou, sublinhando que o trabalho da companhia não se limita às peças que põem em palco.
Com um trabalho pedagógico e educativo que abrange crianças dos três meses até adultos com 90 anos, Ana Lúcia Magalhães recorda que a companhia desenvolve trabalho com sete instituições, uma das quais com três polos.
Estamos a falar num trabalho com mais de “800 alunos”, tanto crianças como adultos, indicou.
Sublinhando que este é um trabalho fundamental “para consolidar um público no teatro”. “Uma aposta que ainda não está ganha em Portugal”, concluiu.