Não só não se retrata (“claro que não”) como não se arrepende — e até “elaboraria mais”. É esta a reação do ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, aos ataques de que tem sido alvo pelas críticas que teceu contra os deputados da comissão parlamentar de inquérito à TAP, incluindo no próprio PS.
Questionado pelos jornalistas nesta segunda-feira, o ministro reafirmou essas críticas e defendeu o seu direito a fazê-las, “espantado” com as reações que tem ouvido: “Ofender a Assembleia da República? Não vejo porquê. O Governo responde perante a Assembleia mas não está escrito em nenhum lado que os ministros devem suspender o seu espírito crítico em relação ao funcionamento do Parlamento”, respondeu.
Foi o socialista e presidente da comissão António Lacerda Sales que começou por criticar o ministro, dizendo que este faltou ao respeito aos deputados e exigindo uma retratação — pedido que foi acompanhado pela também socialista e ex-ministra Alexandra Leitão.
Mas Adão e Silva não vê razão para isso, garantindo que há uma “reflexão” a fazer sobre a forma como estes trabalhos se “transformam e traduzem no comentário televisivo como se estivéssemos a falar num reality show”, por levar “muito a sério o funcionamento das instituições democráticas”. Nas declarações aos jornalistas, o ministro insistiu por várias vezes estar convicto de que essa ideia será partilhada “por muitos portugueses”, numa altura em que o Governo acredita que a sucessão de casos em que se envolveu não tem necessariamente um efeito na opinião dos portugueses.
O ministro acrescentou que “não esperava nem deixava de esperar” as críticas de Lacerda Sales e assegurou lidar com elas com naturalidade por ter um “espírito bastante democrático”.
E garantindo que ainda teria mais a dizer sobre a forma como a comissão funcionou, com “muito prazer”, reafirmou os reparos: “Acho um pouco surpreendente que ninguém se inquiete com apreensões de telemóveis na comissão ou perguntas sobre com quem se está a trocar mensagens ou com inquirições noite dentro. Nada disto contribui para o bom funcionamento das instituições democráticas”.
O diagnóstico de Adão e Silva é que se regista uma “evolução muito negativa na relação entre o funcionamento das instituições políticas e a comunicação social”. “Acho que alguns deputados e alguns momentos não foram edificantes. Porque é que fazer observações críticas passou a ser uma falta de respeito?”, reafirmou, disparando ainda: “Há pessoas que se habituaram a fazer carreira com declarações redondas em que não dizem nada. Não é esse o meu género”.
O conflito entre socialistas começou este fim de semana e o gatilho foi uma entrevista de Adão e Silva à TSF e ao Jornal de Notícias em que o ministro tecia duras críticas a deputados que integraram a comissão, ironizando mesmo com o papel de “procuradores do cinema americano da série B da década de 80” que alguns teriam desempenhado.
Na mesma entrevista, Adão e Silva dizia que a “degradação do ambiente político” que diz estar a verificar-se não é “independente de coisas como aquelas que se passaram” na comissão, falando depois até numa degradação da própria democracia.
Na sequência das declarações de Adão e Silva, António Lacerda Sales apressou-se a reagir, classificando as declarações do ministro como “uma falta de respeito” e “uma caraterização muito injusta” do trabalho dos deputados e pedindo que se retratasse. “Relembro que o Governo responde ao Parlamento. Nenhum político está isento de respeitar as instituições, por maioria de razão o Parlamento, especialmente os ministros”, frisou Lacerda Sales.