Pedro Adão e Silva voltou a recusar retratar-se por ter chamado os deputados da comissão parlamentar de inquérito à gestão da TAP de “procuradores de cinema americano de série B”. Sublinhou que “obviamente” não o fará, justificou-o pelo facto de o ataque não ter sido “dirigido a nenhum deputado” e assegurou que se tratou de “uma avaliação sobre o comportamento genérico da comissão”. A preocupação do ministro da Cultura prende-se com a “subordinação da lógica política à lógica mediática” e a “judicialização do Parlamento”.
No programa Grande Entrevista, na RTP, não mudou nem uma linha no discurso que tem vindo a ter nos últimos dias, voltou a criticar o comentário político e a forma como caminha “numa estrada de sentido único”, e explicou que quis chamar a atenção para mudanças na política a reboque de um tom menos cordial: “A tendência para a política espetáculo onde há uma espécie de réplica na política daquilo que se passava no comentário desportivo ou nos reality shows é uma coisa degradante na democracia”.
Aos olhos de Adão e Silva, a CPI demonstrou “algumas tendências que vão além da CPI e que se manifestam em Portugal e nas democracias ocidentais”, mais concretamente a “subordinação da lógica política à lógica mediática” e “a sensação de que há uma espécie de política da indignação permanente”. Sugeriu a necessidade de “reflexão” sobre o que se passa no Parlamento e referiu que o que se passa na casa da democracia “parece estar a decorrer para ser visto e comentado nas televisões numa espécie ciclo de 24 horas que leva a judicialização do parlamento que não vejo e que seja benéfica”. “Ninguém ganha com a política espetáculo”, alertou.
“A CPI foi um indicador avançado de tendências que já existiam e que se estão a acentuar: os inquéritos e inquirições, até o tom com que eram feitos e que não existe nos tribunais”, disse, prosseguindo para recordar que houve perguntas como “Está a trocar mensagens com quem?” e até “a apreensão de um telemóvel numa CPI” e “noites longas de inquirições sem tempo para pausas”. Se reconheceu que as comissões de inquérito têm tido um “papel muito importante na valorização do Parlamento e da atividade parlamentar quando têm como propósito a busca da verdade”, também fez questão de criticar a última para dizer que havia “vontade de produzir efeito mediático para alimentar um grupo contínuo de comentário”.
O governante considera que as”transformações muito rápidas” e “a ideia de comentário contínuo e unidimensional” são fatores de “deterioração da democracia” e notou um “padrão de inquirição” nas audições “que não é aquele que eu espera da justiça e que [acha que a] política não beneficia”. “Assisti e quis chamar a atenção porque não vejo vantagens para o sistema e vejo sinais de uma evolução muito negativa da política noutros países.”
Ainda sobre a CPI, assegurou que não dispensa o escrutínio, mas voltou a colocar dúvidas sobre a forma como foi levado a cabo pelos deputados: “Acho importante o escrutínio, mas não sei se isto é um mecanismo de escrutínio.” E acredita que a maneira com que decorreu a CPI é uma forma de “judicializar a atividade política”: “Não sei se a transformação dos deputados numa espécie de atores judiciais que faz sentido.”
Questionado sobre se critica a postura de todos os partidos, defendeu o PS (admitindo que o facto de estar no Governo o coloca noutra posição nesta CPI), garantiu que “toda a gente percebeu de que é que eu estava a falar”, mas não o quis esclarecer, optando por não dizer nomes nem partidos. Ainda assim, destacou o PCP de forma positiva pela forma como “colocou questões sobre TAP, governação da TAP e estratégia”.
Depois de ter recusado retratar-se como Lacerda Sales, presidente da CPI, lhe pediu que fizesse, reiterou que se passaram “coisas na comissão que não se deviam ter passado“, mas fez “uma avaliação positiva” ao trabalho do deputado socialista. “Criou-se a ideia de que alguém por ser membro do governo está inibido de se pronunciar sobre um conjunto de matérias”, defendeu, frisando que está “disponível e aberto” para ser criticado por deputados, jornalistas, comentadores e que “não [quer] estar limitado ou inibido de fazer apreciações críticas sobre quem quer que seja”.
Num momento de “humildade retrospetiva“, chegou a reconhecer que o olhar agora é outro: “Visto deste lado, do Governo, tenho um outro olhar para o exercício do comentário, mas acho fundamental que haja ponderação no que se diz.” E questionado sobre o facto de ter aparecido muito nos últimos tempos, justificou-o com a apresentação de trabalho após um ano de governação e admitiu que não foge a temas políticos: “Se me perguntam sobre política, respondo.”
Fora do tema TAP, CPI e comentário político que tem monopolizado as intervenções de Adão Silva, o ministro da Cultura mostrou-se esperançoso de que se mantenha uma boa relação entre o palácio de São Bento e de Belém até ao fim da legislatura: “Acho que o país não pode desperdiçar ter António Costa como primeiro-ministro e Marcelo Rebelo de Sousa como Presidente da República até 2026, é uma vantagem para o país.” Questionado sobre se o ambiente não mudou após o caso Galamba, reconheceu um “momento de tensão”, mas mantém uma “leitura muito positiva nessa coexistência, articulação, até como mecanismo de equilíbrio do sistema e fator conferidor de estabilidade”.
Chumbados requerimentos do BE e Chega sobre a rubrica Spam Cartoon da RTP
Num comentário à polémica do cartoon que foi transmitido pela RTP assumiu que “há um problema com a liberdade de expressão” e que é preciso o que sejamos “vigilantes para não condicionar o humor”. Já sobre o telefonema de José Luís Carneiro, ministro da Administração Interna, ao presidente do conselho de administração da RTP, foi perentório: “Não tenho por hábito ligar aos presidentes dos conselhos de administração de empresas que não tutelo, mas foi-me dito com cordialidade e abertura e compreendo porque ele próprio estava a ser questionado pelas forças de segurança e achou que tinha de dar um esclarecimento.”
O ministro da Cultura anunciou que haverá uma revisão na bilhética dos museus em Portugal, “com uma subida não muito significativa” e com novidades na gratuitidade aos domingos e feriados: mantém-se para residentes em Portugal e acaba para estrangeiros e turistas. Na entrevista admitiu ainda a possibilidade de uma “quota para a cultura no serviço público” — “Não podemos achar que os consumos culturais são iguais a outros consumos, temos défices de acesso à cultura.”
Pedro Adão e Silva. Há um novo ministro para “malhar” em quem se mete com o PS?