“É duro deixar para trás o Jonas [Vingegaard], os Jumbo fizeram um bom trabalho. No final, tentei mas ele estava forte e não consegui fazê-lo descolar. Voltei a tentar na parte final da última subida mas sem sucesso. Ataquei uma última vez, com as últimas forças que me restavam mas as motas não saíram da frente…”. Num misto de resignação por não ter ganho mais segundos (até perdeu um) mas esperança naquilo que haveria ainda daqui para a frente, Tadej Pogacar comentava a 14.ª etapa da Volta a França com chegada a Morzine à luz daquele ataque falhado a 500 metros das bonificações de Col de Joux pela presença de motas. Um dos maiores duelos no desporto da atualidade acabava por travar de forma inadvertida por terceiros, impedindo mais uma aproximação do esloveno ao dinamarquês – algo que não passou ao lado do Tour.

Por um segundo se ganha, por uma mota se perde: Carlos Rodríguez coloca-se no meio da luta Vingegaard-Pogacar e ganha em Morzine

Após analisar as imagens, a organização decidiu sancionar as duas motas onde viajavam o câmara da France Télévisions e o fotógrafo do L’Équipe com um dia de castigo e uma multa de 500 francos suíços. Uma decisão pouco habitual mas que ficava sobretudo como um aviso para todos os que estão envolvidos na prova: todos os pormenores contam. E antes do dia de descanso a que se seguirá um contrarrelógio de 22 quilómetros que pode ter uma importância muito maior na classificação geral do que se pensava antes da prova, era nesses pormenores que se voltavam a centrar todas as atenções em mais uma etapa nos Alpes com duas contagens de primeira categoria (Col de la Forclaz e Col de la Croix Fry), mais duas subidas com menor inclinação (Col des Aravis e Côte des Amerands) e uma chegada em alto em Saint-Gervais-les-Blains.

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Mais um dia de luta entre Jumbo e UAE Team Emirates, depois de na véspera a formação de Vingegaard ter agarrado no pelotão para forçar o ritmo e nunca deixar as fugas ganhar mais de um minuto e do conjunto de Pogacar ter conseguido deixar Adam Yates com o chefe de fila. Mais um dia entre Carlos Rodríguez, Jai Hindley e Adam Yates, depois de o espanhol ter conquistado a vitória em Morzine para passar por um segundo à frente do líder da Bora (que ficou com marcas da queda coletiva no início da tirada) no terceiro lugar havendo ainda o inglês da Emirates à espreita de reduzir os cerca de 40 segundos de distância. Mais um dia para Vingegaard e Pogacar estenderem uma rivalidade como há muito não se via nas estradas.

À semelhança do que acontecera na véspera, os quilómetros iniciais começaram com mais uma queda em grupo, desta vez sem abandonos imediatos e com a nuance de ter como origem a distração de um espectador que esticou em demasia o braço para filmar com o telemóvel e fez com que Sepp Kuss chocasse com o seu companheiro de equipa Van Hooydonck originando mais uma situação de caos no pelotão. Com isso, as coisas só começariam a animar quando Julian Alaphilippe passou para a frente com Alexey Lutsenko (com o francês a passar à frente no sprint intermédio de Bluffy), tendo um grupo perseguidor com uma distância de 30/40 segundos enquanto o pelotão já rodava a mais de oito minutos de diferença. E era nesse grupo que estavam também alguns indicadores daquilo que poderia trazer a etapa a 100 quilómetros do final. 

Além do português Rui Costa, da Intermarché, rodavam na perseguição Wout van Aert como representante da Jumbo, Marc Soler da UAE Team Emirates, Neilson Powless, Giulio Ciccone ou Michael Woods que estão na luta pela classificação da montanha e Guillaume Martin, 12.º da geral que poderia dar um salto grande para se consolidar no top 10. Ou seja, sendo um dia em que a fuga tinha todas as condições para “vingar”, multiplicavam-se as lutas e as histórias paralelas nas mais vertentes entre vitória na etapa, camisola da montanha e tempos no top 10 da geral. Os fugitivos seriam neutralizados a 85 quilómetros do final, já depois de Lutsenko vencer Alaphilippe ser o primeiro a passar por Col de la Forclaz de Montmin.

Com o pelotão a não ter capacidade (nem vontade) de encurtar muito a diferença para a frente, bastava ver a quantidade vitórias em grandes voltas entre os elementos que formavam a fuga para se perceber como o protagonismo nos momentos seguintes poderia cair para qualquer corredor. Marco Haller, da Bora, foi o primeiro a tentar descolar, seguindo-se a saída de Rui Costa do grupo para colar no austríaco e ficar depois sozinho na liderança da corrida a 60 quilómetros do fim, ganhando uma vantagem de 35/40 segundos numa fase em que o pelotão estava partido em dois com Vingegaard, Pogacar e companhia a sete minutos. O esforço foi muito, a colheita demasiado parca e o português foi intercetado pela fuga 5.000 metros depois.

Marc Soler seria o nome que se seguiria na frente, numa tentativa de fuga que ainda deu ares de poder vingar antes de haver um maior trabalho de equipa atrás entre Wout Van Aert, Krists Neilands e Wout Poels, que alcançaram o espanhol da UAE Team Emirates e conseguiram descolar do restante grupo de fugitivos, com um avanço de mais de 40 segundos a 30 quilómetros do final. Neilands acabaria por quebrar e a vitória iria ficar nas mãos do trio de fugitivos, que tentavam ganhar mais margem na zona de descida antes da ascensão final onde poderiam finalmente surgir mexidas no pelotão, com Vingegaard e Pogacar na luta pelos segundos que desta vez não teria bonificações. Estava a chegar a altura de todas as decisões na etapa.

Wout Poels conseguiu ter uma fuga ganha na subida e deixou Wout van Aert e Marc Soler, sendo que ambos acabaram por esboçar uma reação em separado mas sem sucesso. Martin, Pinot, Landa, Barguil, Jensen, Burgaudeau, Ciccone, Teuns, Houle, Craddock, Guglielmi e Aranburu Deba seguiam atrás, a tentar ainda encurtar tempos para entrarem pelo menos bonificações. Lá atrás, Carlos Rodríguez voltava a mostrar toda a sua confiança com um ataque para deixar Hindley mais atrasado na luta pelo terceiro lugar, sendo que Adam Yates, que seguia com Pogacar, olhava para a possibilidade por ficar de novo sozinho com os dois primeiros. Wout Poels confirmava a primeira vitória no Tour mas era a luta pela geral que entusiasmava.

As bonificações já tinham ido mas existiam segundos ainda em discussão, com Pogacar a atacar a 950 metros do final sem conseguir descolar de Vingegaard (e com Rodríguez a ficar logo para trás). Soler ainda tentava dar uma nova boleia antes de novo ataque mas o dinamarquês conseguiu anular nova investida, em mais um jogo que acabou “empatado”, com os dez segundos de distância a manterem-se antes do dia de descanso e do contrarrelógio que poderá mudar de vez esta luta ainda mais equilibrada do que se poderia pensar. Ainda assim, houve mais alterações no top 10 da geral com Rodríguez a reforçar a terceira posição a 5.21 mas tendo agora Adam Yates em quarto (5.40) e Jai Hindley em quinto (6.38). Pello Bilbao (10.11) subiu ao sétimo lugar por troca com Simon Yates (10.48), seguindo-se David Gaudu (14.07) e Guillaume Martin (14.18).