Foi já há mais de 10 meses, no início de setembro, que o governo aprovou, em conselho de ministros, a criação da Direção Executiva do SNS. Contudo, até agora os estatutos, que servem para regular o funcionamento interno do organismo e definir com clareza as competências da Direção Executiva, liderada por Fernando Araújo, não foram ainda criados. Em meados do mês passado, o Ministério da Saúde garantia ao Observador que o processo de aprovação dos estatutos estaria finalizado até final de junho. Mas esse prazo foi ultrapassado. Questionado de novo sobre a demora, a tutela garante agora, numa resposta oficial, que a aprovação dos estatutos está “na sua fase final”, sem especificar um prazo concreto.
Ao Observador, uma fonte do Ministério da Saúde acrescentou que a aprovação, que depende de uma portaria conjunta de três ministérios (Saúde, Finanças e Presidência), só deve estar concluída dentro de algumas semanas, devido à complexidade do processo. O Observador apurou que o diploma já foi enviado pelo Ministério da Saúde ao Ministério das Finanças há cerca de três semanas.
O ministério liderado por Manuel Pizarro sublinha que se “trata da maior alteração funcional do SNS desde a sua fundação”, sendo “necessário acautelar de forma rigorosa, a coerência entre a estrutura da Direção Executiva do SNS e as alterações complementares noutras instituições do SNS”. Ou seja, na génese da demora na elaboração dos estatutos estará a clarificação das competências da Direção Executiva, que, neste momento, se sobrepõem, em muitos casos, às de outras entidades do SNS.
Competências da Direção Executiva sobrepõem-se às de outras entidades
Isto é, estão por definir com clareza, e sem ambiguidades, os poderes do organismo em algumas das funções que lhe foram atribuídas, uma vez que várias dessas funções ainda se encontram, até à aprovação dos estatutos, nas mãos de outras instituições na esfera do SNS, como a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e as Administrações Regionais de Saúde.
Por exemplo, neste momento, a gestão de recursos humanos nos centros de saúde (cujas necessidades são reportadas pelas ARS ao Ministério da Saúde, que contrata os profissionais) é uma competência conjunta das ARS e da Direção Executiva, mas ainda executada pelas Administrações Regionais de Saúde enquanto não existir uma clara divisão de competências; o mesmo se passa com a gestão dos equipamentos e gestão dos cuidados continuados, confirmou ao Observador fonte oficial da ARS de Lisboa. Já os orçamentos-programa dos hospitais são agora uma competência tanto da ACSS como da Direção Executiva.
Ao Observador, o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares pede clareza na definição das competências de cada organismo. “Era importante sabermos quem vai ficar com as funções. Há várias competências que transitaram das ARS para a Direção Executiva e que têm de ser clarificadas, como a questão do acesso dos utentes ao SNS ou a contratualização das entidades convencionadas”, diz Xavier Barreto, antevendo “a extinção da ARS” mal os estatutos sejam aprovados.
Governo ainda não aprovou estatutos da Direção Executiva do SNS, criada há oito meses
Crítico da sobreposição de competências atual é também o especialista em economia de saúde Pedro Pita Barros. “O decreto-lei tem várias ambiguidades quanto à divisão do poder de decisão final entre várias entidades do SNS”, alertou, ao ECO, em abril. Na altura, o também professor da Nova SBE sublinhava que seria “relevante saber em que áreas a direção executiva tem o poder de decisão final (mesmo que em desacordo com outras entidades do SNS)”.
Sem os estatutos, fica por definir também a organização interna da Direção Executiva (número de departamentos e competências específicas de cada um, local-sede ou a duração dos mandatos dos membros dos órgãos de gestão).
A principal função da Direção Executiva, plasmada no Decreto-Lei n.º 61/2022, de 23 de setembro, é coordenar e gerir a resposta assistencial do SNS, “assegurando o seu funcionamento em rede, a melhoria contínua do acesso a cuidados de saúde, a participação dos utentes e o alinhamento da governação clínica e de saúde”.
De forma resumida e referindo exemplos mais concretos, cabe à Direção Executiva gerir a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados e a Rede Nacional de Cuidados Paliativos; definir os pontos da rede de cuidados de saúde primários; coordenar as redes de referenciação hospitalar; melhorar o acesso dos utentes ao SNS; monitorizar o desempenho e resposta do SNS; nomear os órgãos de gestão dos hospitais; contratar profissionais prestadores de serviços (vulgos tarefeiros); coordenação dos contratos-programa dos hospitais, entre outras.
Atraso na aprovação dos estatutos “é incompreensível”, dizem administradores hospitalares
Ao Observador, o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares critica o que diz ser um “atraso incompreensível” na aprovação dos estatutos da Direção Executiva, resultado de “uma burocracia terrível”. Xavier Barreto sublinha que o trabalho do organismo estaria “mais legitimado e teria mais força se existissem estatutos”. Isto porque, diz, a falta de estatutos cria “zonas cinzentas”, que podem “levantar a questão da legitimidade” da Direção Executiva, nomeadamente no que diz respeito à “gestão da comunicação dos hospitais” — um tema avançado pelo Observador, quando a Direção Executiva deu instruções aos gabinetes de comunicação dos hospitais para que não prestassem esclarecimentos à imprensa sem antes se coordenarem com a Direção Executiva.
No passado domingo, no seu habitual comentário na SIC, o comentador Luís Marques Mendes sublinhava que a demora na aprovação dos estatutos estaria a criar desagrado na Direção Executiva, sobretudo em Fernando Araújo, que estará a ponderar abandonar a liderança do organismo caso os estatutos não sejam aprovados em breve. Contudo, e depois de questionados pelo Observador, tanto a Direção Executiva como o Ministério da Saúde mantêm-se em silêncio quanto ao eventual incómodo que esta situação estará a causar na Direção Executiva.