Ao segundo dia do Papa Francisco em Lisboa, a primeira palavra foi dos jovens. Na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, para um encontro com universitários esta quinta-feira de manhã, a figura máxima da Igreja Católica ouviu quatro jovens: Beatriz, Mahoor, Mariana e Tomás.
Além dos estudantes, a plateia estava repleta de figuras do clero e da política portuguesa, incluindo o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva.
O primeiro jovem a apresentar o seu testemunho foi Tomás Virtuoso, 29 anos. “A Universidade Católica Portuguesa tem sido, ao longo da minha vida académica, um lugar de transversalidade de saberes no qual tudo se percebe ligado e interdependente, de renovado espanto diante da beleza da realidade criada (seja numa equação matemática seja num texto de Sto. Agostinho) e de encontro profundo com Deus, que tudo sustenta e a tudo dá sentido”, começou por dizer.
“Muito daquilo que o Santo Padre propõe na sua Laudato si’ pude eu viver ao longo destes anos felizes como aluno da Católica: tanto nos bancos das aulas ou da biblioteca como na experiência marcante da Missão País, tanto no projeto Economia de Francisco como nas muitas amizades que aqui fiz e que me lembram que a minha vida ganha propósito e grandeza quando é vivida com outros e ao seu serviço”, começou por dizer o jovem que, segundo informação divulgada aos jornalistas, é “licenciado e mestre em Economia pela Católica Lisbon School of Business and Economics da Universidade Católica Portuguesa. Estudante do 2.º ano de Teologia na Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa (Sede – Lisboa); Aluno do Seminário Maior de Cristo-Rei (Olivais) do Patriarcado de Lisboa. Membro do Organismo Internacional de Consulta dos Jovens do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida entre 2019-2021.”
Continuou o jovem Tomás Virtuoso: “À minha geração, parece-me que se pede que não ignore as muitas intuições que a Laudato si’ nos lança. Em primeiro lugar, que nos estimule a mobilizar cada vez mais a melhor ciência, pondo verdadeira confiança no dom divino da razão, para continuar a encontrar soluções efetivas para os desafios com que nos debatemos. Em segundo lugar, que nos convença crescentemente a não aceitar quaisquer avanços tecnológicos que não tenham um forte enraizamento ético e espiritual, que não garantam o respeito pela dignidade inviolável da pessoa e por toda a criação. Em terceiro lugar, que nos leve à decisão firme de viver de acordo com as exigências do bem comum, esse princípio estruturante da doutrina social da Igreja. Por um lado, que nos encoraje a uma conversão de vida, da cabeça, do coração e das mãos. E, por outro lado, que nos anime a uma participação política e social mais comprometida que coloque no centro a opção preferencial pelos pobres. Em último lugar, especialmente para todos os jovens católicos da minha geração, que nos entusiasme a evangelizar, a dizer sem medo que não é possível uma verdadeira ecologia integral sem Deus, que não pode haver futuro num mundo sem Deus.”
Terminou o jovem: “Santo Padre, no 4.º Congresso Internacional sobre o Cuidado da Criação, que a Universidade Católica acolheu no início desta semana por iniciativa da Fundação João Paulo II para a Juventude, foi justamente com a ecologia integral que nos comprometemos. Com a certeza de que Cristo, Deus vivo e verdadeiro, é a resposta a um mundo que procura um sentido por entre as alegrias e as tristezas do tempo presente, tenho a alegria de poder entregar nas mãos de Vossa Santidade o Manifesto que resultou dos nossos trabalhos acerca dos estilos de vida para uma nova humanidade. Obrigado, Santo Padre, por nos convidar a ser verdadeiros adoradores de Deus e, com isso, a viver com sabedoria, a pensar em profundidade e a amar com generosidade.” No final, o jovem dirigiu-se ao Papa Francisco para lhe entregar o manifesto.
Jovens querem ser “protagonistas da mudança”
O segundo testemunho foi de Mariana Craveiro, natural do Porto, 21 anos. É, segundo a informação dada pela organização, “licenciada em Psicologia pela Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional do Porto. A partir de setembro de 2023, estudante do Mestrado em Psicologia da Justiça e do Comportamento Desviante na mesma faculdade”.
Disse a jovem, falando sobre a sua experiência académica e profissional: “Reconheço hoje com alegria que o meu percurso nesta Universidade converge com os princípios para os quais Vossa Santidade convocou o mundo académico com a proposta de um Pacto Educativo Global. É nisso que gostaria de me centrar. Entrei na Universidade Católica em 2020, em plena pandemia. Nesse contexto, por meio do programa Católica Solidária, a Universidade ajudou-me a perceber a urgência de manter a prioridade dada à pessoa humana, e assim pude ajudar a servir refeições, todas as semanas, às pessoas sem abrigo e mais necessitadas, no centro da cidade do Porto. Mas esta experiência foi apenas um ponto de partida e o modo de Deus me ensinar que estar ao serviço para acolher os mais vulneráveis e excluídos tinha de ser uma prioridade nos meus dias de estudante, como membro de uma “Igreja em saída”. Nos últimos anos, colaborei com uma instituição que apoia pessoas com deficiência, e pude dar-me conta do impacto real da esperança e da alegria, dadas e recebidas. A Universidade Católica pôs-me também em contacto com a metodologia Aprendizagem-Serviço, o que me deu uma compreensão mais abrangente dos temas curriculares e uma convicção maior quanto à responsabilidade cívica que a educação traz consigo.”
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“Nesse contexto, tenho sido voluntária na Clínica de Psiquiatria de um estabelecimento prisional. Entrei neste projeto de cabeça, mãos, coração e alma, e conseguimos alcançar metas altas, fazendo, por exemplo, que 28 reclusos com problemas de saúde mental reconheçam o seu potencial e experimentem a “liberdade dos talentos” (assim designei este projeto)”, acrescentou.
Mariana Craveiro continuou reconhecendo que o contexto da sua vida lhe permitiu ter educação e comprometeu-se a ser “protagonista da mudança”. “Reconheço que a comunidade educativa, a mim, não me falhou, dando-me as condições e as ferramentas necessárias para que pudesse crescer integralmente, como jovem e como mulher”, disse.
“Por isso, comprometo-me a ser abraço de reconciliação e paz no serviço à comunidade, como Vossa Santidade nos tem interpelado, e estou certa de que Deus me convida a traçar o meu caminho junto dos mais excluídos. O meu dever, enquanto futura psicóloga, passa por acolher todos sem discriminações e aceitar o outro exatamente como ele é, independentemente da sua morada ou do seu passado. Santo Padre, quero ser protagonista da mudança – e não jovem “à janela que vê o mundo a passar” –, aplicar profissionalmente o que aprendi para chegar aos mais vulneráveis e ajudar a escrever novas histórias e paradigmas para um mundo mais justo e com mais fé.”
E terminou assim: “A nossa geração quer ser feliz. Constato com alegria que estou rodeada de jovens protagonistas, com iniciativa, e prontos para “fazer barulho” com o entusiasmo, o empenho e a esperança que transformam o mundo. Nós, jovens cristãos, temos muita vontade de contagiar os outros, e de lhes mostrar que vale a pena arriscar com Deus. Sei que Deus é jovem, e eu vejo-O todos os dias em cada um de nós. Muito obrigada!”
A terceira jovem a discursar, Beatriz Ataíde, de 27 anos, de Lisboa. É, diz a organização, “estudante de Filosofia na Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional de Braga. Membro do hub da Economia Francisco Portugal”.
“Santo Padre, bom dia! Agradeço-lhe os múltiplos convites de aprofundamento e de missão conjunta. Obrigado por nos fazer encetar caminhos novos, por provocar a reflexão, por nos escutar, por nos responsabilizar, por nos encorajar e depositar confiança em nós, jovens membros da Economia de Francisco”, começou a jovem de 27 anos.
“Os meus estudos em Filosofia vêm no culminar de um processo longo de discernimento. Fui percebendo que, qualquer que seja a forma vocacional que a minha vida tome, o meu desejo de ser madura passa sempre por me ocupar dos outros. Especificamente, senti-me chamada por Deus a ajudar a erguer os corações feridos pelo pecado”, continuou a jovem, que se converteu ao cristianismo em 2015, como contou à Agência Ecclesia.
“Nesse sentido, depois da minha conversão tardia, fui tendo várias experiências que me levaram a concluir que é a partir do campo da cultura que me sinto chamada a ser abençoada por Deus, a descobrir-me, a descobri-Lo e a atuar. Como fermento no meio da massa, como sal da terra, é na cultura da aldeia, na cultura das pessoas, na cultura da terra e dos cantares que desejo estar, vigilante e com a Igreja, em prol de uma cultura boa e sã. Uma grande confirmação que tenho é perceber que, já antes da minha conversão ao Deus de Jesus Cristo, o Espírito Santo me encaminhava como batizada para aqui. Desse tempo guardo também um grande amor à pergunta sobre o que significa viver e ser pessoa, e sobre o sentido do sofrimento”, destacou.
Concluiu Beatriz Ataíde: “Assim, a Filosofia surge como o caminho pelo qual Deus me capacita para assumir cada vez mais esse cuidado pelos meus irmãos e por mim, por quem Jesus Cristo tanto sofre. Tenho vindo a descobrir a grande potência do estudo da filosofia para trabalhar as virtudes, mas também para criar laços de amizade, numa busca conjunta da Verdade, que é Cristo, e para combater o desenraizamento cultural. Em português temos uma expressão que usamos quando queremos ajudar alguém: chamar à razão. Desejo que ela – a razão – esteja ao serviço da comunhão. Assim, como agente cultural num sentido largo, vejo alegria em levar a arte de contemplar para o meio das pessoas. Desejo ajudar a pensar e a viver a vida a partir de princípios de Caridade, de Paz e de Verdade. Como nos aconselha Santo Inácio, ajuda-nos o compromisso com o pouco, pequeno e possível. Neste momento comprometo-me a terminar o curso de Filosofia, com um aproveitamento efetivo e afetivo. E, para isso, é imprescindível uma boa rotina de oração, para crescer em confiança na Providência e em abertura ao Espírito Santo no dia a dia.”
Por fim, o Papa ouviu o testemunho de Mahoor Kaffashian, uma jovem de 25 anos, refugiada iraniana que começou por fugir para a Ucrânia e que se viu novamente obrigada a fugir, agora para Portugal. É estudante de medicina dentária na Universidade Católica Portuguesa, ao abrigo de uma bolsa batizada com o nome do Papa Francisco.
“Santo Padre, O meu nome é Mahoor Kaffashian, sou estudante de Medicina Dentária em Viseu desde setembro de 2022. Refugiada, inicialmente deslocada do meu próprio país, o Irão, para a Ucrânia, onde uma guerra real me fez sentir sobrevivente. Acima de tudo, sou crente, e devo o meu olhar de esperança sobre o futuro à extraordinária equipa da Universidade Católica: cuidou e cuidará de mim, no contexto do Fundo de Apoio Social Papa Francisco. Eu não era a mesma pessoa que sou agora. No ano passado, se me tivessem dito que eu era uma pessoa muito forte, provavelmente não teria acreditado. Mas agora acredito”, disse.
“Depois de tudo o que passei, depois do sentimento constante de ausência de um lar, da família, dos amigos, depois de ter ficado sem teto, sem universidade, sem dinheiro, sei que o conceito de força não significa que não me sinta cansada, exausta e abatida pela dor e pela perda. Significa apenas que tenho a força, a fé e a coragem para seguir em frente. Sinto-me orgulhosa de estar aqui, num novo recomeço neste país tão belo e acolhedor, participando ativamente na vida da nossa casa comum, e estudando, enquanto tento distribuir à minha volta, eu também, o amor, a esperança e a fé que esta Universidade me ofereceu incondicionalmente numa verdadeira cultura do encontro. Não há palavras para descrever os meus sentimentos neste momento, mas tenho a sorte de estar aqui, a falar a Vossa Santidade com orgulho do passado, acreditando que melhores dias virão”, acrescentou.
Antes do discurso dos jovens, reitora da UCP anuncia nova cátedra
A paragem na Universidade Católica foi o primeiro momento do Papa com a juventude em Portugal. O encontro, agendando para as 9h, arrancou com um discurso de saudação da reitora da universidade, Isabel Capeloa Gil.
“Perante realidades marcadas por exclusão e desigualdade, numa época de incerteza, a universidade ergue-se como guardiã da esperança, o que significa promover a capacidade de sonhar, auxiliar a discernir, escutar as vozes em nosso redor, escutar o tempo e intervir nele, defendendo a dignidade das mulheres e homens e acreditando na sua capacidade de transformação”, disse a reitora, antes de anunciar a criação de uma nova cátedra, dedicada à “Economia de Francisco e Clara”.
Trata-se de uma nova cátedra na UCP sob o mote da Economia de Francisco, o fórum global lançado pelo Papa Francisco e batizado em nome de São Francisco de Assis que pretende reunir jovens universitários, empresários, economistas e empreendedores de todo o mundo para pensar a nova economia para o século XXI à luz das ideias do pontificado de Francisco.