É mais um caso com contornos chocantes a abalar o Peru. Uma menina foi violada e agredida física e psicologicamente pelo padrasto desde os seis anos. Aos onze, engravidou e foi-lhe negado o acesso ao aborto terapêutico por um hospital peruano. Agora, a decisão foi revertida e a menor, grávida de 17 semanas, vai poder interromper a gravidez, avança o El Mundo.
O Instituto Nacional Materno Perinatal de Lima informou que uma junta médica decidiu permitir o aborto a Mila, nome fictício, isto depois de a junta médica do hospital que a tratou, no departamento amazónico de Loreto, lhe ter negado o aborto, argumentando que os casos de violação não se encontram abrangidos pelo protocolo de aborto e que a saúde da menor não se encontrava em risco — o único requisito que pode ser invocado no Peru para interromper uma gravidez. Para além disso, a menina terá dito aos médicos que queria continuar com a gestação.
A decisão das autoridades de saúde peruanas de impedir o aborto alterou-se depois de várias organizações internacionais terem chamado a atenção para o caso. A ONU e a ONG Save the Children exortaram o Estado peruano a garantir o direito da menina ao aborto, alertando que a decisão contraria “os padrões estabelecidos pelo Comité dos Direitos da Criança” da ONU. Já a CHS Alternativo (uma associação peruana de defesa dos direitos humanos) alertou que Mila não teve a oportunidade de frequentar a escola, não sabe ler ou escrever.
Em julho, a menor descobriu que estava grávida de 13 semanas. Por isso, a Unidade de Proteção Especial de Loreto decidiu enviá-la, juntamente com os restantes três irmãos, para uma casa de acolhimento, de modo a protegê-la da família, conta o El País. A mãe, também vítima de violência por parte do padrastro de Mila, foi ameaçada e não pôde proteger a filha, como a própria disse depois de o caso se ter tornado público.
No campo judicial, e apesar das agressões que Mila e e a sua família sofriam, a justiça peruana libertou o agressor. Esta sexta-feira, o Ministério da Mulher e Populações Vulneráveis do Peru pediu ao Tribunal Superior de Justiça a prisão imediata do homem.
Os casos de violação de crianças são comuns no Peru, país que nega, com frequência, o direito ao aborto às jovens. Em junho, o Comité dos Direitos da Criança da ONU determinou que o Peru violou os direitos à saúde e à vida de uma menina indígena de 13 anos, chamada Camila, vítima de violação, por não lhe ter fornecido informações ou acesso ao aborto legal e seguro.
Só em 2020, foram registados mais de 4 mil casos de violência sexual contra menores de idade. De acordo com o jornal El Comercio, todos os anos 1100 meninas com menos de quinze anos tornam-se mães no Peru.