A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) está a trabalhar numa redução transversal da despesa, incluindo patrocínios, e num modelo que garanta maior transparência na atribuição de apoios a entidades terceiras. Em entrevista à SIC Notícias, a provedora Ana Jorge começou por reafirmar que os apoios suplementares ao desporto vão manter-se com apoio do Governo e assinala que os 82 milhões de euros que resultam da transferência prevista na lei das receitas dos jogos sociais nunca estiveram em causa.

O que está a ser revisto é o modelo de atribuição de apoios suplementares às federações de desporto e de outra natureza. A provedora justificou a comunicação de eventuais cortes a todas as entidades patrocinadas com as circunstâncias que fazem com que seja importante reduzir despesas e aumentar receitas.

“Essas despesas têm sido reduzidas negociando nos apoios que a Santa Casa dá para fora e pela reestruturação da Santa Casa que permitirá olhar para os contratos de fornecimento e de prestações de serviços. Será transversal”, acrescentou. E irá envolver outras áreas apoiadas como a cultura, a música e os festivais.

Provedora já conhecia a casa, mas encontrou mais dificuldades do que esperava

A provedora que só está no cargo há três meses admite que encontrou mais dificuldades do que estava à espera, apesar de conhecer bem a casa onde trabalhou cinco anos e atribui os constrangimentos financeiros vividos pela instituição à redução das receitas do jogo, que tiveram uma queda abrupta com a pandemia, e ao aumento da despesa por causa do Covid, assinalando que a Santa Casa foi um “braço armado da área social para dar resposta” aos problemas causados pela pandemia.

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Sublinhando que a maioria dos apoios a entidades externas previstos para este ano já tinham sido concedidos, a provedora justificou as cartas enviadas em julho a várias entidades apoiadas com a preocupação de avisar as mesmas para a nova realidade numa altura em que estão a ser elaborados os orçamentos para 2024.  Não estando em causa o montante dos apoios para o desporto, que a provedora não quantificou, foi decidido nas conversas com o Governo e com o secretário de Estado do Desporto encontrar mecanismos para manter esses apoios.

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Ana Jorge sublinhou ainda que os apoios dados pela Santa Casa são muito variáveis de entidade para entidade e que a instituição não tem condições para o fazer como tem feito até agora.  O que está em causa é uma alteração do modelo de atribuição. “Queremos que todos os nossos apoios tenham critérios bem definidos e que haja transparência”. No caso das federações, Ana Jorge diz que os patrocínios variam entre os 10 mil e os 500 mil euro, sem que haja uma razão clara para essas diferenças.

“Não conseguimos entender porque algumas federações recebem mais do que outras. A discrepância não é entendível. É preciso definir os critérios e torná-los públicos para as pessoas concorrem” e vai ser criado um plafond.

A provedora sublinhou ainda que é preciso considerar que a área social no apoio aos idosos e à infância é a missão fundamental da Santa Casa que tem ainda 6500 trabalhadores com vencimentos e carreiras congelados. “É preciso fazer opções racionais e tentar ser transparente”. Ainda na área do desporto, a provedora destacou que será dada uma atenção particular à área da deficiência onde a Santa Casa tem um centro com grande historial — Alcoitão.

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Ana Jorge afirmou que não pediu ao Governo para alterar a percentagem da receita dos jogos que vai para a instituição, que é de 26,5% das receitas dos jogos sociais, “O que nos compete é encontrar outras formas de rendimento, renegociar contratos na área da saúde e nas áreas sociais para caminhar para uma maior sustentabilidade”. Do lado das receitas, está a ser dada muita atenção à rentabilização do património, recorrendo ao PRR para recuperar edifícios que podem passar a ser fontes de rendimento. E indicou que está a ser negociado um acordo de empresa que permita reestruturar carreiras e atualizar vencimentos e progressões. Ainda na área dos recursos humanos, a SCML está a restringir admissões e concentrar cargos de chefia.

Na entrevista que deu minutos depois à RTP3, a provedora reconheceu que para as dificuldades financeiras da Santa Casa contribuiu também a expansão internacional conduzida pela anterior mesa (administração) liderada por Edmundo Martinho. Os valores estão a ser avaliados numa auditoria forense e financeira que terminará em outubro. E há outra auditoria às contas de 2021 e 2022 porque há suspeitas que as duas situações tenham a ver uma com a outra. Ou seja, que as contas da Santa Casa desses anos possam não refletir todos os compromissos e encargos com a expansão internacional. Ana Jorge admitiu que “não tem muita esperança” de que o investimento na Santa Casa Global seja recuperável e admite que existe o risco de uma perda dos valores aplicados que serão da ordem dos 20 milhões de euros.