A ignorância sobre organismos geneticamente modificados é responsável pela morte de milhões de pessoas em todo o mundo, ano após ano, por subnutrição e carência de nutrientes fundamentais como a vitamina A. Essa é a principal conclusão da talk do Prémio Nobel da Medicina em 1993, Richard Roberts, que, na manhã desta sexta-feira, abriu a 8.ª edição das Conferências do Estoril.
Em conversa com o Observador, o biólogo britânico sublinhou que “a resistência dos governos à introdução de alimentos geneticamente transformados é responsável por uma boa percentagem da fome em várias zonas do mundo, sobretudo naquelas onde a escolha deste ou daquele alimento não é uma opção, como acontece no mundo desenvolvido”. “Na origem desta atitude”, diz ainda, “está uma grande resistência por parte dos movimentos ecologistas, à cabeça dos quais está o Greenpeace”. E acusa: “Não é de surpreender porque este movimento conseguiu a maior angariação de fundos de sempre na campanha contra os alimentos geneticamente transformados”.
Para Richard Roberts, atitudes como esta não fazem qualquer sentido porque “tomamos insulina, vacinas anti-Covid com menos de um ano de experimentação, comemos queijo, bebemos vinho e usamos smartphones sem grandes questões”. Na origem das reticências dos governos está, em seu entender, a pressão da opinião pública: “Os movimentos ecologistas assustam as pessoas, chamando comida Frankenstein a este tipo de alimentos, e os governos reagem a essa pressão. Os políticos precisam de ouvir mais os cientistas até porque maioritariamente não têm formação científica”.
A falta de alimentos para todos, agravada pelos efeitos das alterações climáticas, tem efeitos devastadores, como Roberts demonstrou com números impressionantes durante a sua talk: todas as noites há 800 milhões de pessoas, em toda o mundo, que adormecem com fome; e a carência de vitamina A mata cerca de 250 mil crianças por ano. Sem hesitações, o cientista considera este facto “um crime contra a Humanidade”.
Estas revelações foram feitas na abertura do painel “Planeta”, o primeiro da 8.ª edição das Conferências do Estoril, abertas este ano com uma intervenção do Presidente da República; de Carlos Carreiras, presidente da Câmara de Cascais (um dos co-organizadores da iniciativa, em parceria com a Nova SBE, onde se realiza o evento, a Nova Medical School, este ano em estreia, e o Turismo de Cascais); de Miguel Pinto Luz, vice-presidente daquela autarquia e presidente da Fundação; e dos diretores das duas escolas, Pedro Oliveira (Nova SBE) e Helena Canhão (Nova Medical School).
Marcelo Rebelo de Sousa, tocando em todos os cinco grandes temas destas conferências, avisou a audiência de que já não há como voltar atrás. “Precisamos de novos heróis. O mundo mudou. Precisamos de líderes inspiradores, com vidas inspiradoras e poder de mobilização. Líderes que tragam esperança, que arrisquem. Amanhã pode ser demasiado tarde, amanhã pode ser demasiado tarde.” E, referindo-se à sua recente deslocação à Ucrânia, o Presidente da República acrescentou: “Constatei quão urgente é a necessidade de reumanizar o mundo. Precisamos de mais emoção, empatia e de cada vez mais juventude.” E deixou uma saudação especial aos alunos das escolas envolvidas e de todas as escolas do mundo.
Um novo rumo para África
Depois da talk de Richard Roberts com soluções para a fome em África, Cristina Duarte, conselheira do secretário-geral das Nações Unidas para assuntos daquele continente, subiu ao palco para falar sobre a África de que o mundo precisa. Cristina Duarte começou por perguntar à plateia o que aconteceu ao mundo para hoje termos de estar aqui, umas dezenas de humanos, a falar sobre reumanizar o mundo? Mas ela própria responde: “A desumanização aconteceu porque, de uma forma silenciosa, temos vindo a perder valores e princípios como mundo. Houve uma quebra no contrato social. É apenas um indicador, mas nos Estados Unidos da América a produtividade do trabalho aumentou em 240% enquanto os salários aumentaram 0,5%”.
Cristina Duarte afirma também que África tem uma perda anual de 500 mil milhões de dólares anuais por ano – entre fluxos e financiamentos ilícitos, isenções fiscais, despesa pública ineficiente: “A riqueza é gerada cá, mas perde-se nisto e na falta de Estado e instituições.”
Ainda sobre as alterações climáticas e o papel de África no seu combate, Cristina Duarte afirmou: “A transição energética não nos diz respeito a nós quando ainda lutamos pelo acesso à energia. Produzimos apenas 3.8% do carbono. Por favor, reconheçam que temos pontos de partida diferentes, não nos imponham o vosso. Nós continuamos a oferecer um planeta verde”. Terminou com um apelo aos jovens para procurarem oportunidades fora das fronteiras da Europa, porque elas também existem em África.
O futuro e a Inteligência Artificial
Karim Lakhani, professor na Harvard Business School, abriu o primeiro painel sobre Inteligência Artificial (IA) com três perguntas à plateia: “Quem já usou inteligência artificial generativa?”. Praticamente toda a plateia se levantou. Depois, à questão “Quem trabalha com ou usa diariamente IA?”, poucos se levantaram. O entusiasmo foi maior perante a terceira e última questão: “Quem acha que a IA é poderosa?” — e voltaram a levantar-se quase todos na audiência.
Lakhani quis desmistificar o poder que a IA tem: “São apenas algoritmos que fazem tarefas que os humanos também fazem, mas de forma mais rápida. As nossas navegações na internet ou a caixa de spam do vosso email têm inteligência artificial. O que está a mudar são as oportunidades para as usar”. Para o professor, “a inteligência artificial vai diminuir o custo do conhecimento”: “A substituição do trabalhador vai acontecer, podem preparar-se para isso, sim. Mas também vão ser descobertos novos tipos de trabalho. É importante pensar na IA generativa como um co-piloto, mas os comandantes serão sempre os humanos.”
Este artigo faz parte de uma série sobre as Conferências do Estoril, evento de que o Observador é media partner. Resulta de uma parceria com a Nova Medical School, Nova School of Business and Economics e a Câmara Municipal de Cascais. É um conteúdo editorial independente.