A 8.a edição das Conferências do Estoril acabou, mas ficaram as ideias. Nestes dois dias, a Nova SBE foi palco da discussão sobre o futuro, especialmente dirigida aos jovens e centrada nos desafios que se lhes colocam.
A manhã do primeiro dia, mais focada nas políticas e nas pessoas, começou com o discurso do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que apelou ao aparecimento de novos heróis: “O mundo mudou. Precisamos de líderes inspiradores, com vidas inspiradoras e poder de mobilização. Líderes que tragam esperança, que arrisquem. Amanhã pode ser demasiado tarde.”
Richard Roberts, vencedor do prémio Nobel da Medicina em 1993, subiu ao palco logo de seguida. Lançou-se contra governos e organizações não-governamentais, criticando-os pelos bloqueios impostos aos alimentos geneticamente modificados, bloqueios que, em sua opinião, estão a deixar o continente africano morrer à fome. “Um crime contra a humanidade”, no entender do cientista que se apoia nos números: todas as noites há 800 milhões de pessoas, em todo o mundo, que adormecem com fome; e a carência de vitamina A mata cerca de 250 mil crianças por ano. Segundo ele, na origem das reticências dos governos está, em seu entender, a pressão da opinião pública: “Os movimentos ecologistas assustam as pessoas, chamando comida Frankenstein a este tipo de alimentos, e os governos reagem a essa pressão.
Ainda no período da manhã, Cristina Duarte, conselheira do secretário-geral das Nações Unidas para assuntos do continente africano, trouxe, entre outras coisas, as contas feitas. Afirmou que África tem uma perda anual de 500 mil milhões de dólares anuais por ano – entre fluxos e financiamentos ilícitos, isenções fiscais, despesa pública não eficiente: “A riqueza é gerada cá, mas perde-se nisto e na falta de Estado e de instituições”.
Já da parte da tarde, a plateia ouviu o representante permanente da Ucrânia na ONU, Sergiy Kyslytsya, falar sobre o modo como “o sofrimento torna os ucranianos ainda mais resilientes” e como, “apesar de desiludida com as Nações Unidas, a Ucrânia não abandonará a assembleia-geral porque isso seria dar um trunfo ao inimigo”. A maior ovação do dia foi para ele.
Também a marcar o primeiro dia das conferências, tivemos o testemunho do jornalista australiano Gerard Ryle. Desde os Panama Papers ao caminho que teve de percorrer para que o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação não fosse apenas um encontro anual de parceiros de profissão, Gerard Ryle falou sobre os desafios que o jornalismo enfrenta nos tempos que correm e nos que virão. Falou também sobre a importância da proteção das testemunhas, essenciais para a investigação e lembrou aos outros jornalistas de que “não podemos perder de vista que o nosso propósito é servir o público e temos de encontrar histórias que realmente importem às pessoas”.
A saúde que teremos (ou não) no futuro
No segundo e último dia, o foco foi a saúde.A abertura da manhã contou com o ministro da Educação, João Costa, que lembrou que a educação é a base para a construção do futuro: “Não pode haver pessimistas a trabalhar na educação. Educação é ter esperança”. Enumerou os diversos desafios da educação no futuro e as preocupações dos jovens de hoje, entre elas, as ameaças à paz, os conflitos e populismos emergentes e a sustentabilidade”, numa ponte com os temas em discussão nestes dois dias.
O segundo prémio Nobel presente nestas Conferências, Aaron Ciechanover, lançou a questão sobre os limites da ética nos novos avanços tecnológicos na saúde. O médico não é pessimista quanto à evolução, até porque “há 120 anos não havia antibióticos, TACs, cirurgias sofisticadas, não se faziam transplantes, muitas mulheres morriam de parto e a esperança média de vida não ultrapassava os 50 anos — hoje, no Ocidente, ela chega aos 80 anos”. Contudo, adverte para os novos desafios que vão aparecer se não se debater as questões éticas também.
A maior ovação da manhã foi foi para a luso-nigeriana Nelly Enwerem-Bromsom por várias razões: primeiro pela introdução sincera em que revelou estar nervosa, depois pela mensagem que trouxe e por, no final, revelar que era o seu dia de aniversário. A ela juntou-se Eldar Shafir, professor de psicologia na universidade de Princeton. Ambos discutiram o que precisamos de conseguir ainda para um desenvolvimento sustentável num contexto de escassez e de pobreza.
“Temos de olhar para além dos indicadores económicos e de sucesso. As boas intenções não são suficientes para desenhar programas. Eu própria pensava que caía de pára-quedas num país, falava com meia dúzia de pessoas e sabia o que toda a gente lá precisava”. Mas não tardou a concluir que desenhar programas e fazer relatórios é pouco. “É preciso confiar que as pessoas tomam boas decisões se lhes derem os recursos diretamente, especialmente as mulheres.“, apontou Nelly. A importância da igualdade de género teve também o seu lugar de destaque neste painel por Nelly ter lembrado a plateia de que “nunca vamos alcançar verdadeiramente nenhum objetivo sem enfrentar a desigualdade de género. Se não tivermos mulheres em posições de liderança não vamos atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
Já Eldar Sharif passou os últimos anos a entender a mentalidade das pessoas que vivem em carência. “O contexto interessa e o contexto de pobreza é extremamente difícil. No final do dia, se se é pobre é difícil pensar noutra coisa para além disso”.
Sendo este o dia mais centrado na saúde, a música ficou também a cargo de médicos: José Themudo Barata e Fernando Heleno, ambos médicos e músicos, juntaram-se a Paulo Rosado para o momento musical que antecedeu a hora de almoço. Pela ovação, a plateia pareceu gostar de ouvir músicas, como a “New York, New York”, de Frank Sinatra, tocadas numa guitarra portuguesa.
Ao italiano Ezio Mazzini, designer para a sustentabilidade, considerado uma das principais figuras atuais no planeamento das cidades do futuro, ficou entregue um dos últimos painéis desta edição das Conferências do Estoril. A ele juntou-se Miguel Pinto Luz, vice-presidente da Câmara Municipal de Cascais, sob a moderação da professora da Nova SBE, Anne-Laure Fayard. Ezio Mazzini, sobre o tema da conversa que ali o trouxe e também título de um dos seus livros, “Cidades Habitáveis”, disse que “durante muitos séculos vivemos numa sociedade em que tínhamos de estar próximos uns dos outros para conseguir comunicar, mas, no último século temos vindo a desenvolver tecnologias para conseguirmos viver distanciados uns dos outros”. Já o autarca de Cascais considerou que se tem de diminuir o “fosso entre eleitores e eleitos, criando um novo contrato social e uma nova confiança”.
O encerramento trouxe Salvador Sobral ao palco que, ao piano, cantou músicas em português, inglês e francês “para agradar a todos”. Pela primeira vez naqueles dias, a plateia levantou os telemóveis ao mesmo tempo para gravar o momento em que o músico cantou “Amar pelos dois”, que lhe valeu o primeiro lugar no festival da Eurovisão em 2017.
Os objetivos traçados por Laurinda Alves, a diretora executiva das Conferências, foram cumpridos. Segundo a própria, “foi um sucesso e está já apontado o que pode mudar para a 9ª edição”, que é já no próximo ano. Recorde-se que 2023 marcou duas novidades: a associação da Nova SBE e a periodicidade anual.
Este artigo faz parte de uma série sobre as Conferências do Estoril, evento de que o Observador é media partner. Resulta de uma parceria com a Nova Medical School, Nova School of Business and Economics e a Câmara Municipal de Cascais. É um conteúdo editorial independente.