É o tipo de acontecimento que entronca na vertente de “internacionalização de marca” mas neste caso pelos piores motivos. O caso da falha do VAR nos minutos finais do tempo regulamentar do jogo entre FC Porto e Arouca e o posterior período de desconto anormalmente grande que ultrapassou os 20 minutos não demorou a saltar fronteiras, com várias publicações a falarem de algo entre o “surreal” e o “absurdo”. As reações, essa, foram caindo em catadupa, do protesto formal do encontro por parte dos dragões à incredulidade da equipa visitante, passando por um comunicado do Benfica e pelas explicações (e pedido das mesmas) do Conselho de Arbitragem da FPF e da Liga Portugal. Mas o que dizem os números das quatro jornadas iniciais?
FC Porto pede anulação do jogo com Arouca e alega “má conduta” da equipa da arbitragem
Esta segunda-feira, o FC Porto voltou a abordar a questão que levou ao protesto do jogo com o Arouca, tendo em vista a anulação do mesmo. “O futebol português é pródigo em acontecimentos bizarros e ontem [domingo] houve mais um no Estádio do Dragão: um penálti assinalado pelo árbitro de campo foi revertido na sequência de uma chamada telefónica do videoárbitro, sem terem sido visionadas quaisquer imagens – ou seja, o penálti foi marcado com base no que Miguel Nogueira viu e revertido com base no que não viu. Uma vez que isso constitui uma violação grave das regras de jogo com potencial impacto no resultado, o FC Porto apresentou um protesto com o propósito de anular o encontro”, explicou a newsletter Dragões Diário, sem fazer referência ao tempo de descontos que foi dado pelo árbitro no meio da confusão.
É aí que entronca a grande diferença em relação à última época mas com um dado que acaba por ser quase paradoxal perante o aumento exponencial das compensações em todos os jogos. Comparando as quatro primeiras jornadas de 2022/23 e de 2023/24, o FC Porto teve um total de mais 38 minutos de descontos nas suas partidas (um aumento de 54,3%, passando de 32 para 70 com a maior diferença na segunda parte) mas a percentagem de tempo útil de jogo acabou por baixar em comparação com a última época, passando de 54,46% para 51,08%. Ou seja, e grosso modo, mesmo com o prolongamento dado após os minutos 45′ e 90′ os encontros dos azuis e brancos passaram de 54 para 55 minutos de tempo útil de jogo.
Essa realidade é aplicável também a Benfica e Sporting, ainda que com números distintos. Os encarnados tiveram mais 19 minutos de descontos nos seus jogos em comparação com 2022/23, numa subida de 33,3%, mas o tempo útil de jogo em percentagem baixou de 55,18% para 54,7%, ao passo que os leões tiveram mais 19 minutos de descontos com um acréscimo de 34,5% para uma percentagem útil de jogo que caiu de 57,38% para 56,07%. Em termos práticos, esse prolongamento extra dado pelos árbitros traduz-se num total de tempo útil de jogo que só aumenta entre 1.30 e dois minutos. Ao todo, os “grandes” beneficiaram já em quatro jornadas de 182 minutos de descontos, o equivalente a mais de dois jogos de 90 minutos.
[Ouça aqui a análise do ex-árbitro Pedro Henriques no programa Sem Falta da Rádio Observador]
Assim, a maior diferença acaba mesmo por ser o número de golos marcados no período de compensação, com o impacto que isso tem depois nos resultados finais. Em 2022/23, ainda olhando apenas para as quatro rondas iniciais, houve apenas um golo marcado depois do minuto 90 pelo FC Porto em Vila do Conde, que não teve impacto direto no resultado (derrota com o Rio Ave por 3-1). Agora, houve nove golos nos jogos dos “grandes” em tempo de compensação, com impactos distintos nas equipas: o Benfica marcou dois golos e sofreu outros tantos depois do minuto 90 e ficou em desvantagem porque perdeu no Bessa aos 90+13′; o Sporting teve apenas um golo depois do minuto 90 e ganhou com isso dois pontos frente ao Vizela (90+8′); o FC Porto marcou quatro golos depois do minuto 90, que lhe garantiram a vitória com o Farense (90+10′), o triunfo diante do Rio Ave (90+1′ e 90+4′) e o empate com o Arouca (90+19′) – ou seja, mais seis pontos do que os dez que tem nesta altura e que permitem que lidere a Liga a par de Boavista e Sporting.
“O árbitro chamou-nos e disse que estavam sem conexão para ver as imagens no campo, embora as imagens tivessem sido analisadas pelo VAR. A indicação que tinha é de que não era penálti e tinha que acreditar no VAR. Disse que não era uma decisão fácil para ele, mas que iria seguir o VAR porque as imagens tinham sido analisadas na Cidade do Futebol”, comentou Daniel Ramos, treinador do Arouca, após o encontro em declarações à SportTV. “Tenho mais de 20 anos de treinador e nunca tinha jogado tanto tempo de compensação: 23 minutos. O árbitro deu 17, que já é recorde na Liga, e depois em cima disso mais cinco que foram seis. Claro que quem está a ganhar não gosta. São aqueles aspetozinhos que nos tiram do sério…”, acrescentou depois o técnico que viu Evanilson chegar ao empate ao 19.º minuto do tempo extra.
As críticas aos tempos de compensação, as explicações sobre os problemas do VAR
Logo após o encontro no Dragão, o Benfica emitiu um comunicado onde considerou ser “urgente afinar critérios e garantir a transparência” a propósito do período de compensação. “É preciso que de uma forma clara e objetiva se apresentem as razões para 17 minutos de descontos no jogo FC Porto-Arouca. E que se explique, igualmente, que mais justificações existem para deixar o jogo prosseguir até aos 22 minutos de tempo extra para lá dos 90! O golo do empate não só surge para lá dos descontos atribuídos, como não são dissipadas as dúvidas quanto à posição do avançado que o marca. Qual a razão? Qual o motivo para que a transmissão da Sport TV não tenha mostrado essas imagens?”, criticaram os encarnados.
“Já na jornada passada assistimos a critérios distintos na aplicação de amarelos e vermelhos aquando da partida Rio Ave-FC Porto, com um perdão inexplicável – toda a crítica foi unânime – da expulsão do jogador Eustáquio, ainda a partida não tinha atingido os dez minutos. Não esquecemos a expulsão de Musa, no Bessa, em que foram aplicadas as regras do Conselho de Arbitragem, na defesa da integridade física dos jogadores, mas pergunta-se: o rigor não tem de ser extensível a todos? É importante que, de uma vez por todas, se afinem os critérios e haja total equidade e transparência”, acrescentou ainda o Benfica.
Já esta segunda-feira, o Conselho de Arbitragem da FPF enviou um comunicado à agência Lusa mas apenas para explicar aquilo que se passou com o VAR, que levou a que o árbitro tivesse de reverter um lance de grande penalidade de Taremi pela informação que ouviu da Cidade do Futebol e sem recurso a imagens. “Ao analisarem o incidente, os técnicos concluíram que a única tomada elétrica disponível na área de revisão do estádio não tinha corrente elétrica e que ao longo do jogo o sistema de energia de reserva, também conhecido como UPS (Uninterrupted Power Supply), esgotou-se. Esta tomada elétrica não possui energia socorrida ou assistida. Foi iniciado o processo de mudança dos equipamentos para o segundo sistema de energia de reserva (UPS), tendo o serviço sido completamente restabelecido ao minuto 101″, explicou.
VAR no Dragão esteve 14 minutos sem energia e reserva estava esgotada
Em paralelo, o órgão fez questão de destacar que “a solução técnica que liga a Cidade do Futebol ao Estádio do Dragão não registou qualquer falha”, garantindo que o VAR usado na Liga “recorre a tecnologia certificada e utilizada em diversas competições internacionais”. “O VAR foi introduzido em Portugal em maio de 2017 e o tempo de funcionamento sem quebras do serviço é de 99,8%”, completou ainda o órgão.
Mais tarde, em novo comunicado tornado público, o Conselho de Arbitragem da FPF veio revelar quando serão disponibilizados os primeiros áudios das comunicações. “O Conselho de Arbitragem da FPF anunciou no passado dia 24 de julho que na época 2023/24, com objetivos pedagógicos, divulgaria uma vez por mês os áudios das conversas entre árbitros de campo e VAR em todos os lances avaliados no ecrã disponível no relvado. Após diálogo com a SportTV, detentora dos direitos da maioria dos jogos da Liga, ficou definido que a divulgação será feita, mensalmente, num programa daquela estação. O Conselho de Arbitragem disponibilizará os áudios dos lances que se inserem na tipificação definida no início da época, além de um elemento que estará em estúdio para enquadrar tecnicamente as decisões. O primeiro programa será emitido no próximo dia 7, quinta-feira, pelas 19h30. Serão divulgados áudios da Supertaça Cândido de Oliveira e das três primeiras jornadas da Liga, disputados em agosto”, apontou o órgão da Federação.
Também a Liga emitiu um comunicado sobre o que se passou no Dragão. “Na sequência dos factos ocorridos durante o FC Porto-Arouca, referente à quarta jornada da Liga Portugal Betclic, após receção, esta segunda-feira, da explicação do Conselho de Arbitragem sobre falha no sistema de VAR no Estádio do Dragão, e confrontada com os factos descritos no relatório dos Delegados da Liga Portugal nomeados para o jogo, a Liga Portugal informa que solicitará ao Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol a instauração de um processo de inquérito para averiguar os motivos que causaram a mesma, de forma a que se possam apurar responsabilidades sobre o sucedido”, anunciou num texto no site oficial.