“A Justiça parou. Houve uma adesão na ordem dos 90% à greve dos oficiais de justiça. É residual o número de diligências que foram realizadas”. É assim que António Marçal, presidente do Sindicato dos Funcionários Judicias, descreve no programa “Justiça Cega”, da Rádio Observador, o sucesso do primeiro dia da greve que se vai prolongar até ao final do ano.

Greve. “A justiça parou na última sexta feira”

Primeiro dia de greve foi “um caos”, até porque se conjugaram várias matérias na última sexta-feira. “Foi o dia em que a lei da amnistia entrou em vigor, o dia em que teriam de ser distribuídos os processos por via da alteração das regras de distribuição (desde de 14 de julho que não houve distribuição) mas é também o dia em que mais de 500 oficiais de justiça estão em movimento de comarcas”, diz Marçal.

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Certo é que, desde o início da greve dos funcionários de justiça em janeiro, mais de 100 mil diligências terão sido adiadas e mais de cinco milhões de atos (notificações, por exemplo) não foram concretizados.

Este impacto estatístico tem paralisado os tribunais, como atestou o juiz Domingos Mira, igualmente membro da direção da Associação Sindical de Juízes Portugueses. “A greve tem tido um forte impacto na comarca de Lisboa. Por exemplo, os cidadãos deslocam-se a um tribunal e não conseguem levantar uma simples certidão do registo criminal. Muitas testemunhas convocadas para julgamentos vêm-se embora porque não está ninguém no tribunal para explicar-lhe o que aconteceu. Por exemplo, há inúmeras reclamações sobre essa questão no meu tribunal”, explica.

Nas mais diversas jurisdições, a consequência é só uma: a paralisação da Justiça.

“A ministra da Justiça dizia-nos que ‘era de fazer acontecer’. Mas não negoceia”

E não há luz ao fundo túnel porque, apesar da ministra Catarina Sarmento e Castro e os seus secretários de Estado prometerem que até ao final do ano a questão está resolvida, os funcionários judiciais queixam-se que não está a decorrer nenhum processo negocial.

Pior: a ministra da Justiça não recebe os representantes dos oficiais de justiça.

“Tivemos uma sessão de boas-vindas com a sra. ministra — que foi muito simpática e nos disse que era uma ministra ‘de fazer acontecer’. A partir daí, nunca mais tivemos uma reunião com a sra. ministra. As suas antecessoras [Paula Teixeira da Cruz e Francisca Van Dunem] sempre nos receberam. Aliás, a dra. Francisca Van Dunem recebia-nos com regularidade e dava nota do processo negocial”, diz Marçal.

“A sra. ministra disse no Parlamento que estava a negociar com os sindicatos. E eu digo, com alguma ironia, que a sra. ministra deve estar a negociar com os nossos colegas espanhóis — que iniciaram uma jornada de luta em dezembro e terminou em janeiro. Porque connosco não está”, enfatiza.

Conselho Superior da Magistratura diz que faltam 763 funcionários em cinco comarcas

Os 200 oficiais de justiça que a ministra Catarina Sarmento e Castro tem sucessivamente anunciado não chegam para resolver a falta de funcionários nos tribunais. “E quem o diz é o próprio Ministério da Justiça num documento datado de 2018. Nesse documento, dizia-se que se iriam aposentar cerca de 240 funcionários. Portanto, estamos a perder 40 funcionários. Entretanto, já saíram para outras carreiras mais de 60 oficiais de justiça. E de acordo com os dados do Conselho Superior da Magistratura à data de 31/12/2022, há “falta de 763 oficiais de justiça” em cinco comarcas:  Lisboa Norte, Lisboa Oeste, Lisboa, Porto e Braga.

Além de aumentos salariais e da contratação de mais 1000 funcionários para suprir as carências em termos de recursos humanos, os oficiais de justiça exigem a abertura de novos concursos para o preenchimento de vagas nas diversas estruturas da carreira de oficiais de justiça.

“O que nós pedimos não é nada por aí além. A questão do dinheiro é uma falácia. Quanto é que o país não perdeu já com a falta de investimento na Justiça? Os relatórios internacionais indicam que uma das razões essenciais para o investimento direto estrangeiro tem a ver com qualidade da Justiça. E, neste momento, a Justiça está pelas ‘ruas da amargura’ em termos de investimento por parte do poder executivo”, critica António Marçal.

“A paz social e a necessidade de investimento deve levar ao Governo a abrir os cordões à bolsa. Uma das coisas que está a fazer perigar o Estado de Direito em Portugal é a falta de funcionários judiciais.”, conclui.