Ben Shelton balançou-se para a frente e para trás, quase como um predador à espera de apanhar a presa na altura certa. Colocou o pé encostado à linha que delimita o court, atirou a bola e levantou o braço esquerdo. O ecrã disse que aquele serviço ia a 239,7 km/h. Logo depois, Ben Shelton repetiu: o balanço, o pé, a bola, o braço. No ecrã leu-se o mesmo, 239,7 km/h. E a certeza de que o US Open raramente viu um serviço tão rápido.
Nos oitavos de final do Grand Slam que está a decorrer em Nova Iorque, contra o compatriota Tommy Paul, o tenista norte-americano chegou perto dos 240 km/h em serviços consecutivos. Diz a história que, no US Open, só Andy Roddick serviu mais rápido — em 2004, bateu uma bola que ia a mais de 244 km/h. Um dado que só confirma a ideia de que Ben Shelton está a deixar o derradeiro cartão de apresentação no Arthur Ashe Stadium.
Ben Shelton just hit at 149 MPH serve. ????
That's the fastest at the US Open! pic.twitter.com/TtRxzJvwJB
— US Open Tennis (@usopen) September 3, 2023
Esta terça-feira, nos quartos de final e contra o também norte-americano Frances Tiafoe, o jovem de apenas 20 anos surpreendeu e venceu o número 10 mundial. Com recurso a 14 ases — já leva 76 em todo o torneio –, carimbou o apuramento para uma meia-final do US Open onde vai defrontar Novak Djokovic e disputar a partida mais importante de uma ainda embrionária carreira. Tem conquistado as bancadas nova-iorquinas, não só pela nacionalidade mas pelo carisma evidente que coloca em cada pancada, e é um dos verdadeiros protagonistas do último Grand Slam do ano. Nem que seja pela forma descomplicada como vive uma vida onde nada foi por acaso.
Benjamin Shelton nasceu em outubro de 2002 em Atlanta, onde o pai estava a trabalhar na altura, mas cresceu e viveu em Gainesville, na Flórida — o local abençoado pelo ténis que construiu e moldou talentos como as irmãs Williams, Andre Agassi ou Monica Seles. As raquetes estavam no ADN: o pai, Bryan, foi tenista profissional e chegou a ser número 55 mundial, competindo nos principais torneios internacionais antes de se tornar treinador; a mãe, Lisa, foi das melhores tenistas juniores da sua geração; o tio materno, Todd, também foi tenista profissional; e a irmã, Emma, sempre treinou com os pais e jogou na universidade.
Ainda assim, e para o filho mais novo dos Shelton, o ténis não foi óbvio. Enquanto criança e adolescente, Ben preferia o futebol americano e chegou a prometer que nunca iria jogar ténis. “Ele jurou-me que nunca iria jogar. E lembro-me perfeitamente do momento em que começou, porque foi quando o pai começou a treinar com a irmã dele, a Emma. O Bryan e a Emma começaram a treinar de manhã cedo, antes da escola, e acho que ele começou a ficar com ciúmes. Disse ‘pai, eu também posso treinar com vocês?’. O Bryan disse que sim e isso foi o início de tudo aquilo que estamos a ver hoje”, contou Scott Perelman, que foi adjunto de Bryan Shelton no comando dos Florida Gators, a equipa de ténis da Universidade da Flórida.
Ben Shelton’s reaction after beating Frances Tiafoe to reach his first Grand Slam semifinal at the US Open.
He picks up the phone & hangs it up. ????
Coldblooded. ???????? ???? pic.twitter.com/XGf59Lne2k
— The Tennis Letter (@TheTennisLetter) September 6, 2023
Ben tinha 12 anos. Durante algum tempo, conciliou o ténis com o futebol americano — era quarterback, a estrela da equipa da escola, e foi nesse papel que começou a trabalhar um braço esquerdo que hoje em dia faz serviços a mais de 230 km/h. “Não há dúvidas. Não há dúvidas de que o futebol americano ajudou. Essa é provavelmente a maior razão para o que ele consegue fazer. Claro que ele aprendeu muito connosco, os pais, mas a forma como desenvolves os teus dons é que é a chave. Aprendeu a levantar o cotovelo, a fazer certas coisas com a bola de futebol, aperfeiçoou tudo isso e tornou-o uma arma no ténis. Acho que é muito por isso que ele adora tudo o que seja acima da cabeça, seja um overhead ou um serviço, é muito dinâmico nessas tarefas”, explicou o pai do tenista numa entrevista recente ao site do ATP.
Aos 16 anos, já com as prioridades estabelecidas e totalmente dedicado ao ténis, Ben Shelton pediu ao pai para começar a disputar torneios internacionais de juniores — queria viajar, conhecer o mundo, competir contra tenistas de outras nacionalidades e ganhar experiência. Bryan, porém, puxou-o de regresso ao chão. Disse-lhe que ainda nem sequer era o melhor tenista da sua idade nos Estados Unidos. Que precisava de ter uma rotina, desenvolver-se de forma consistente e não passar a vida dentro de aviões. E acabou por ter razão.
Ben entrou na Universidade da Flórida em 2020 e comprometeu-se com os Florida Gators, continuando a ser treinado pelo pai. Tornou-se campeão universitário em 2022 e chegou a dizer que ia dar prioridade aos estudos, terminar a licenciatura em Finanças e deixar o profissionalismo para mais tarde — uma ideia que o Masters de Cincinnati alterou. Recebeu um wildcard para o torneio, venceu o primeiro adversário top 100 ao derrotar Lorenzo Sonego na primeira ronda e o bateu o primeiro adversário top 10 ao derrotar Casper Ruud na segunda ronda, caindo apenas com Cameron Norrie na fase seguinte.
Cincinnati provou que, apesar da idade e da ausência de experiência internacional, tinha capacidade para se bater com os melhores tenistas do mundo. Anunciou que não iria voltar à universidade, tornou-se profissional e assinou com a TEAM8, a agência que gere a carreira de Roger Federer, o seu maior ídolo — meses depois, foi escolhido em conjunto com Iga Swiatek enquanto primeira cara da On, a marca de roupa desportiva que tem o suíço como um dos sócios fundadores.
Ainda antes de completar 20 anos, em setembro do ano passado, recebeu um wildcard para o US Open e estreou-se em Grand Slams. Perdeu logo na primeira ronda, contra o português Nuno Borges, mas sem deixar de assinar aquele que foi o segundo serviço mais rápido da edição passada do torneio. Terminou o ano como o norte-americano mais novo de sempre a entrar no top 250 e em janeiro saiu pela primeira vez dos Estados Unidos para disputar o Open da Austrália, onde caiu na quarta ronda e garantiu a subida aos 50 melhores tenistas do ranking ATP.
Passou pelo Estoril Open no início de abril, naquela que foi a primeira visita à Europa, tendo sido eliminado por Dominic Thiem na segunda ronda — e conquistando os adeptos portugueses, que começaram a partida a apoiar o austríaco e acabaram rendidos ao carismático norte-americano que parece sempre pronto para dar um autêntico espetáculo dentro do court. Com 1,93 metros e quase 90 quilos, Ben Shelton já é um dos tenistas mais atléticos da atualidade e parece ter ainda margem para continuar a crescer.
6 – Ben Shelton has become only the sixth American male in the Open Era to secure 10 Grand Slam match wins in a season before turning 21, after Andre Agassi, Jim Courier, Michael Chang, Pete Sampras and Andy Roddick. Showtime.#USOpen #USOpen2023 | @usopen @atptour @OptaSTATS pic.twitter.com/fqcmn1LaP9
— OptaAce (@OptaAce) September 6, 2023
“Já o vi a fazer exercícios de pernas em que levanta 200 quilos. É uma fortaleza. Vi este miúdo crescer e o espírito competitivo dele está muito acima da média. Estive com ele todos os dias durante dois anos, quando ainda estava na universidade, e ele não perdeu uma única corrida. Está pronto para treinar às 6h da manhã e às 19h da noite. Está sempre pronto. Tem um motor que não pára. E adora isso”, contou Scott Perelman, acrescentando que Ben Shelton ouve hip-hop para se concentrar e gosta de comer comida mexicana ou sushi antes das partidas.
O pai de Ben, Bryan, deixou a Universidade da Flórida para acompanhar o filho a tempo inteiro. O jovem tenista chegou ao atual US Open com a vontade de fazer mais e melhor do que há um ano — mas ninguém estava à espera de que chegasse às meias-finais. Eliminou Pedro Cachín, Dominic Thiem, Aslan Karatsev, Tommy Paul e agora Frances Tiafoe, alimentando as esperanças de um público norte-americano que ainda espera o herdeiro dos sucessos de Sampras, Agassi e Roddick.
“Sinto uma alegria muito grande nestas partidas. Quando olho para a minha box e vejo a minha família, os meus amigos, recebo alguns sorrisos e sinais engraçados… Gosto muito disso. Gosto muito de interagir com as pessoas quando estou em campo. Quando fui buscar a toalha, antes do quarto set, estava a pensar que este era o momento mais importante da minha carreira e estava cheio de dores, fisicamente. Mas estava a adorar! Acho que é essa a história do dia de hoje”, explicou o norte-americano depois de vencer Tiafoe. Segue-se Djokovic.