Seria um throwback — se por acaso não tivessem estado sempre no nosso pensamento. O tempo é de Supermodels, em formatos especiais do streaming e também nos lugares de destaque dos principais desfiles da temporada. Em plena Semana da Moda de Milão, que assistiu até esta segunda-feira às propostas para a próxima primavera-verão, a Fendi, fê-las acampar na primeira fila. Na Versace, as honras de encerramento couberam a Claudia Schiffer. Atrás das cortinas, pesos igualmente pesados protagonizam entradas e saídas de cena.
Peter Hawkings estreou-se na Tom Ford com uns laivos de Gucci, onde por sua vez se estreou Sabato De Sarno (e o mundo ainda está a deliberar sobre o veredito final); a Moschino celebrou a grande festa dos 40 anos; a Off White convocou a fauna da Moda até ao estádio de San Ciro para o evento Ac Milan; o mago Armani pintou a passerelle de azul e rosa; e a Avavar desconstruiu todos os códigos a desfilar. Numa capital tão quente quanto chuvosa, o que fica do que passa podia ter muitos mais capítulos. Aqui ficam oito para registar.
Benetton
Depois dos coelhos e cogumelos, e da inédito introdução das não cores preto/branco/cinzento na paleta outono inverno 23 da Benetton, eis uma fresquíssima salada de frutas para toda a família, ou “Be On”, um interruptor que aciona a natureza da marca italiana, fundada em 1965. Sinónimo de cor, a identidade e cosmopolitismo renovam-se agora entre morangos e mirtilos, morangos e margaridas. O resultado é um new basic à base de polos em piqué e jersey, riscas (um dos códigos da marca), coletes clássicos, cardigãs, calções, e os jogos de contrastes permitidos pela técnica vanisé.
No Museo della Permanencia, bananas e flores gigantes recebem a fauna de convidados, pontualmente guiada por um convite/relógio acertado para a hora do desfile e que aponta para esse intercâmbio de gerações. De Anna Dello Russo a Scott Schuman, aka The Sartorialist, de Fiammetta Cicogna a Marta Lozano, sem esquecer o CEO da marca, Massimo Renon, e ainda um contingente português na primeira fila: Ana Guiomar, Catarina Maia e Mariana Machado, está formada a vasta comunidade Benetton, onde cabe uma família inteira.
É uma “pergunta difícil” no rescaldo do desfile, admite ao Observador o designer em plenos bastidores, mas Andrea Incontri, o mesmo que devolveu o ADN italiano à marca de Treviso, não hesita sobre o propósito da coleção — e sobre os seus looks preferidos: “São os primeiros três”. Uma combinação de cores ao melhor estilo Benetton, tão simples quanto complexos na sua coordenação bem sucedida, com o detalhe de um cós que reforça o apontamento colorido. “A minha referência é apenas a Benetton”, resume Incontri. Camisolas com ponto de tricot loop, polos que tanto revisitam modelos clássicos como se apresentam em versão crop ou sujeitos a um styling que os reconverte em práticos vestidos, camisas com riscas, e as convidativas pillow bags, a maxi carteira feita por medida para horas de espera em aeroportos e afins (soubéssemos nós que o voo de regresso a casa estava atrasado).
Prada
Menos storytelling, mais técnica a preceito. Uma fórmula Prada com dois nomes de peso na equação: Miuccia e o co-criador Raf Simons (duo dinâmico desde 2020), para um resultado final que é provavelmente uma das melhores coleções dos últimos tempos da casa italiana. Uma demonstração de ritmo e leveza, a dupla de imperativos reinantes numa corte de sedas e organza, texturas e camadas subtis, e ainda ombros superlativos sobre delicadas silhuetas e reveladoras franjas. A cair do teto, no cenário da Prada Fondazione, slime cor de rosa, se dúvidas faltassem de que a etiqueta de luxo, ao contrário de outros (?), está um passo à frente na sintonia com o contemporâneo. Ao cair do pano, a entrada em cena de um terceiro elemento para colher os aplausos na hora da partida: Fabio Zabernardi, dedicado ao design de produto durante 40 anos.
Gucci
Terraplanar para reajustar o passo — pelo menos no Instagram, onde as anteriores publicações se eclipsaram para acolher a aguardada estreia de Sabato De Sarno ao leme da Gucci, o senhor que se segue a Alessandro Michele. A chuva intermitente em Milão forçou a mudança de planos e localização em cima da hora — na verdade, só começou a pingar pouco antes da hora da apresentação, uma bênção molhada que validou este recurso. De resto, nada que ameaçasse o ritmo deste peso pesado da moda de luxo, que na passada sexta-feira inaugurou novo bastião no trendy bairro de Brera (mas foi na Via Mecenate, 77, e não aqui, que a ação decorreu). Depois do regresso de Daria Werbowy e da maré rubra que varreu o universo Gucci nos últimos tempos, a coleção de arranque. “É um mapa. É muito pessoal, é sobre os meus desenhos, as minhas sensibilidades, as minhas paixões. São estes os elementos que quero continuar a explorar na Gucci”, avançava a marca nas suas redes. Pelas 15h00, desfilou uma armada de calções mínimos e acessórios maxi, soutiens brilhantes e hoodies premium sobre saias pencil com aberturas, plataformas, kiten heels e práticos ténis; denim e vestidos trapézio curtos; muito brilho, alguma logomania e uns quantos básicos. Em suma, digestão feita e acalmada a euforia, tudo pronto a vestir quase em exclusivo pela geração Tik Tok? “Ancora”, a coleção SS24, fechou ao som de Panorama Channel, de Kinly Estellar, e da voz de Mina, saída de um tempo em que os dias não se resumiam a imediatismo puro. Sobre o futuro, logo se vê.
Tom Ford
Mais uma estreia, agora a de Peter Hawkings na direção criativa da Tom Ford, depois de 25 anos de trabalho na equipa de design da casa. Apontado ao cargo em abril passado, o rosto que rendeu Tom Ford após a venda da marca ao grupo Estée Lauder, segue a generalidade dos códigos do predecessor para um desfecho que não falha nem esbanja surpresa — o que não é necessariamente mau. Blusas de seda, saltos agulha, casacos croco, vestidos sensuais, fatos sofisticados e lentes escuras avantajadas povoam o cortejo com menos transparências ou provocação servidas pelo epónimo. E se para alguns faltou Gucci à Gucci, para outros ela esteve leve e nostalgicamente presente neste ensaio que deambulou pelo melhor dos anos 90.
The Attico
De hit girls das semanas da Moda à primeira apresentação da marca que criaram em 2016 — para conquistar nomes como Rihanna ou Dua Lipa e garantir o fervor em torno da The Attico. Pela primeira vez a apresentar na Semana da Moda, Gilda Ambrosio e Giorgia Tordini trouxeram a coleção para a rua, na zona residencial de Arco della Pace, e instalaram os convidados em cadeiras de pele. E por convidados falamos de não menos que o próprio diretor criativo da Gucci, a designer de calçado Amina Muaddi, a influencer Chiara Ferragni ou a atriz Sabrina Impacciatore (mais conhecida pela participação na série White Lotus). A partir das janelas e varandas, novos espectadores reforçavam a assistência, que seguiu a banda sonora pulsante, entre brilhos e longos trench coats, roupa que não se deixa capturar pelo binómio dia/noite e acessórios que serão alvo de cobiça mal sejam colocados à venda.
Fendi
“Bom, os meus amigos vieram. Esta coleção é muito bonita e queria que toda a gente a visse”. Foi assim, citado pela Vogue, que Kim Jones desdramatizou o aparato mediático perante o superavit de fama na primeira fila da Fendi. Em semana de estreia de Supermodels (Apple Tv), com direito a festa de lançamento em Milão, a guest list do desfile incluiu Linda Evangelista, Naomi Campbell, Amber Valletta, Kate Moss, Demi Moore, Cara Delevingne, e Gwendoline Christie. Carteiras icónicas, cargo ou mini, blocos de cor e estrutura (dos tons quentes ao azul bebé), e camisolas amarradas sobre vestidos e camisas, marcaram o passo numa coleção inspirada num safari — e uma das mais imponentes de Jones até à data — que em bom rigor não merece ficar ofuscada pelas luzes da ribalta que repousaram quase me exclusivo sobre as celebridades.
Tod’s
Na Tod’s o aceno do adeus é protagonizado por Walter Chiapponi, e o arriverdeci não poderia premiar mais a excelência do made in Italy. Rumo à essência do design e à qualidade exímia na produção, da Fabbrica da marca sai uma primavera-verão elegante, sofisticada e tão intemporal como a diva Sharon Stone, sentada na primeira fila. Pelo cenário do Laboratori Scala Ansaldo, onde laboram muitos dos artesãos envolvidos no processo de confeção desfilou o aprumo de roupa e acessórios, dos trench às luvas e bolsas de cintura em pele, numa paleta elegante que vai do camel ao azeitona, para usar e abusar sem risco de deslizes de estilo.
Bottega Veneta
Mathieu Blazy continua a arrancar “uaus!” (vertíeis em diferentes línguas, tantas quanto o universo BV conseguir abarcar). Pecaria por escasso atribuir esse assombro à omnipresença e fotogenia dos seus acessórios nas redes de todos os sociais. A resposta, com toda a sua ondulação orgânica, desde que em 2021 assumiu os destinos criativos da marca italiana desfilou sem hesitações pela semana da Moda de Milão. Inspirado pelo movimento da viagem, herança e artesania transfiguram-se num caminho de progresso, consertando o aqui e agora com o que está por vir. Não é preciso mapa, como aqueles que as manequins traziam nas suas carteiras maxi, para concluir que a cartografia é exemplar.
O Observador viajou a convite da Benetton.