Num dia dedicado a discutir soluções e estratégias para o futuro da habitação, Helena Roseta foi a primeira a falar para fazer uma retrospectiva das aprendizagens que adquiriu ao longo de 50 anos a lidar com políticas públicas. A arquiteta e ex-deputada participou na 7.ª edição da PATORREB (Patologia e Reabilitação de Edifícios), uma conferência organizada pela Faculdade de Engenharia e pela Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto. De lá saíram várias ideias, entre elas a defesa de que “o Estado sozinho não consegue fazer nada” e também o apelo a uma maior transparência nos dados sobre a habitação.

Helena Roseta destaca a ideia de que “uma habitação segura pode fazer a diferença entre a vida e a morte” e também o facto de que o direito à habitação “é um direito de todas as pessoas e famílias”, mas que ainda não chegou a todos. Apesar de haver “mais casas do que famílias”, o problema, diz, é de acessibilidade: “Não temos casas a preços que as famílias podem pagar”. O trabalho, acrescenta, tem de ser feito em quatro níveis: na promoção pública de habitação, nas medidas fiscais, na subsidiação e na regulação legal.

A ex-autarca, que dirigiu o primeiro programa local de habitação do país, aprovado em 2010 pela Assembleia Municipal de Lisboa, e foi também responsável pelo pelouro da Habitação entre 2009 e 2013, destaca que existe um desequilíbrio entre a escala de oferta e a escala de procura por habitação e alerta para a necessidade de pensar em políticas públicas que tenham em conta as redes e os contextos.

É preciso contar com a organização e energia das pessoas. E não é dos mercados que estou a falar. Estou a falar de pessoas em concreto: os vários agentes do setor imobiliário, os moradores, os promotores, os arquitetos, os projetistas…É preciso saber trabalhar com todos e, sobretudo, é preciso saber trabalhar com os destinatários das políticas de habitação, que são os cidadãos”, explica a arquiteta ao Observador.

Algo que está em falta, sublinha, são mais dados de acesso público sobre habitação: “Sinto que faz falta mais informação e mais transparência nos dados e na possibilidade de os cidadãos escrutinarem o que é que realmente se faz e se consegue e o que está a ser feito e está a ser conseguido. Acho que falta essa componente”. A ex-deputada sublinha que não é possível analisar e interpretar as várias medidas sem ter acesso a dados objetivos que possam ser escrutinados. “Temos evolução de preços da habitação desde há três ou quatro anos, falta tudo o resto. Para escrutinar é preciso uma monitorização constante com dados abertos. Não é possível regular um mercado tão desregulado como o da habitação sem informação transparente. E o Estado tem de pôr os números cá fora“, alerta.

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Questionada sobre o pacote Mais Habitação, aprovado esta semana pela segunda vez na Assembleia da República, Helena Roseta aponta que havia uma prioridade que era necessário ter em conta antes da aprovação deste programa.

Tenho muita pena que o pacote Mais Habitação tivesse avançado sem terem aprovado o Programa Nacional de Habitação. O pacote é apresentado como um conjunto de medidas imediatas e conjunturais, mas algumas não são nada conjunturais. O pacote Mais Habitação tem lá dentro uma reforma fiscal do imobiliário — que deveria ela própria merecer uma iniciativa feita com pés e cabeça e bem fundamentada — e tem lá dentro uma medida da reforma do arrendamento, mas continuamos a ter a lei das rendas com as alterações cirúrgicas que foram feitas ao longo destes anos todos. Anda-se com a tática à frente da estratégia”, lamenta.

A necessidade de uma “forte resposta estrutural”

Quem também participou na conferência desta terça-feira, sob o tema da reabilitação e habitação nos centros urbanos, foi Ana Pinho, ex-secretária de Estado da Habitação. Segundo a investigadora, é necessário criar uma “forte resposta estrutural” nos recursos públicos para a habitação, alertando para o facto de que muitos dos recursos que atualmente estão a ser gastos “em grande medida não são reprodutíveis, ou seja, nem as famílias que vão ser ajudadas nesta conjuntura gozarão de alguma melhoria face à proteção a crises futuras, como essas verbas não servirão para ajudar a construir maior capacidade de resposta do país no futuro”.

As verbas são necessárias neste momento, mas se não conseguirmos construir uma resposta mais estrutural e uma maior resiliência do próprio país e capacidade de poder responder a estas situações no futuro, estaremos sempre à maré do que possa acontecer e continuaremos numa situação similar”, alerta Ana Pinho.

Falando sobre o parque público de habitação, e utilizando como exemplo o diagnóstico feito às condições habitacionais indignas na Área Metropolitana de Lisboa (AML), a arquiteta refere que um terço dos agregados a residirem em situação habitacional indigna na AML reside no parque público de habitação — “ou seja, 16 mil agregados que estão atualmente em situação habitacional indigna residem em habitação pública e a larga maioria desses está numa situação de insegurança e insalubridade”.

Ana Pinho destaca a necessidade de se perceber “que há um défice entre as necessidades correntes de conservação e manutenção dos imóveis e as necessidades regulares de reabilitação do mesmo e a receita que se vai obter” e sublinha que é preciso assumir “esta necessidade de subsidiação e de apoio público contínuo”. Caso contrário, avisa, “a partir do momento em que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) seja concluído, entramos em declínio”.

Até porque, acrescenta a arquiteta, uma parte “significativa das verbas do PRR para habitação condigna não está a aumentar a oferta, está, justificadamente, a dar condições de dignidade à oferta que já existe”. “Se não conseguirmos impedir este ciclo de declínio, numa outra situação continuaremos a reduzir e a limitar as verbas que temos para aumentar a oferta porque vamos ter obrigatoriamente de despender parte dessas verbas a reabilitar e a dar a dignidade que nunca devia ter perdido o parque existente”, termina.

A 7.ª edição da PATORREB decorreu esta terça-feira na FEUP e este ano teve como tema a habitação, uma problemática que, segundo Vasco Peixoto de Freitas, presidente da comissão organizadora do evento, “tem hoje uma situação conjuntural grave que toda a sociedade consegue reconhecer, mas que é preciso pensar a médio prazo o que é necessário fazer”, deste o custo da habitação aos rendimentos das famílias e à ausência de um mercado ativo de arrendamento e de uma promoção imobiliária suficientemente forte.