“Tivemos [Manuel Pinho e Ricardo Salgado] duas discussões em público e eu tenho o meu feitio. E não sei se não terá sido isso que terá influenciado a minha substituição. Ele [Ricardo Salgado] não estava habituado a que lhe fizessem frente.”
A segunda sessão do julgamento do caso EDP, que junta Manuel Pinho, Ricardo Salgado e Alexandra Pinho como arguidos, acontece esta sexta-feira, com a continuação das declarações do antigo ministro da Economia. Ora, tal como na sessão anterior, o ministro do governo de José Sócrates tentou conduzir os temas. Aliás, desta vez trouxe “um roteiro” e sugeriu até um powerpoint para que todos pudessem acompanhar o raciocínio. “O meu propósito hoje é tratar nove temas”, disse Manuel Pinho. Enumerou os nove temas — apesar de ter saltado do terceiro para o quinto — e depois lançou um conselho ao coletivo de juízes: “Este é método de trabalho. Agradecia que as perguntas me fossem colocadas depois de falar”. A sessão foi interrompida, no entanto, ao início da tarde, a pedido da defesa de Manuel Pinho, uma vez que o arguido se encontrava “bastante cansado”.
Então, o primeiro ponto desta ordem de trabalhos foi precisamente a relação entre Manuel Pinho e Ricardo Salgado. Um resumo: “Entre 1994 e 2004 era uma relação profissional. Em 2004 e 2005, fiquei muito aborrecido e magoado [quando Manuel Pinho foi afastado da administração do banco]. Entre 2005 e 2009, praticamente não há relacionamento. Depois de 2009 é o tal período em que falharam com o tal compromisso. Fiquei chocado”.
A relação ficou marcada, segundo Manuel Pinho, por duas discussões, que terão ditado o seu afastamento do Banco Espírito Santo. Mas enquanto trabalharam juntos, diz não se lembrar “de o Dr. Salgado ter qualquer interferência em assuntos políticos”. “Nem por sombras encorajava quadros do banco a ter atividade política. Quando comuniquei que ia ajudar o engenheiro Sócrates, em dezembro de 2004, ele disse ‘não se meta nisso’. O Dr. Salgado não gostava que os quadros do BES andassem envolvidos em política. Não achava graça.”
Manuel Pinho está acusado pelo Ministério Público de dois crimes de corrupção passiva, um deles para ato ilícito, um crime de branqueamento de capitais e outro crime de fraude fiscal e o tribunal decidiu manter todos os crimes, tal como constam na acusação. Sobre Alexandra Pinho recaem os crimes de branqueamento de capitais e de fraude fiscal — os dois em co-autoria material, em concurso efetivo, com o ex-marido. Já Ricardo Salgado é julgado por dois crimes de corrupção ativa e um crime de branqueamento de capitais.
“Tenho do Dr. Salgado a recordação de alguém que me prejudicou brutalmente”
Já no segundo ponto da ordem de trabalhos de Manuel Pinho constava “o pacto criminal” feito entre Manuel Pinho e Ricardo Salgado — e que já foi falado na primeira sessão deste julgamento. Este pacto “é uma invenção”. “Ora bem, o Dr. Salgado e outros administradores prometeram por escrito uma reforma no dia em que fizesse 55 anos. Ao fazer um contrato, quero é receber. Se é a prima, se é o fundo de pensões que paga, não me interessa”, explicou ao coletivo de juízes presidido pela juíza Ana Paula Rosa.
Este acordo, segundo Manuel Pinho, não terá sido cumprido, uma vez que quando fez 55 anos, afinal, essa reforma só seria paga aos 65 anos. Até lá, como recompensa, iria para o BES África. No entanto, a razão pela qual o acordo não foi cumprido ainda não foi explicada.
Depois, em relação ao pagamento dos prémios, que seriam pagos mensalmente, em transferências de 15 mil euros, estes só terão pagos em 2005, quando Manuel Pinho estava já com a pasta da Economia no executivo de Sócrates. Segundo Manuel Pinho, este não terá reaparado que o pagamento estava a ser feito:
– O meu gestor de conta disse que estava a receber aquele valor mensal. Disse diretamente ao Dr. Salgado “pare lá com isto”.
– Mas tomou conhecimento que era pago por uma offshore no Panamá?
– Sim, sim. Mas estava a receber uma dívida. Mas foi uma coisa que me incomodou e disse ‘pare lá com isso’. Passado um tempo, o meu gestor de conta diz-me que continua.
– Mas se o dinheiro era legítimo, porque é que disse para parar de pagar?
– Porque era impossível controlar os pagamentos.
– Mas não recebia extratos?
– Recebia extratos só no final do ano.
Segundo o Ministério Público, Manuel Pinho terá sido corrompido por Ricardo Salgado, na altura em que era o responsável pela pasta da Economia no Governo de José Sócrates, e terá recebido uma avença mensal de 14.963,94 euros através da sociedade offshore Espírito Santo Enterprises — o conhecido saco azul do Grupo Espírito Santo (GES). No total, o antigo ministro da Economia terá recebido um total de 3,9 milhões de euros do GES e Ricardo Salgado terá dado ordem para efetuar esses pagamentos. O objetivo do ex-líder do BES seria favorecer, alegadamente, o grupo da família, nomeadamente na aprovação das herdades da Comporta e do Pinheirinho como “Projeto de Interesse Nacional”.
“O verdadeiro acordo que existe não é de 2005”
Na primeira sessão deste julgamento, Manuel Pinho começou a prestar declarações, classificou a acusação do Ministério Público como uma “trapalhada” e recusou ter feito um “pacto criminal” com Ricardo Salgado, antes de assumir funções no Governo de José Sócrates, depois das eleições de 2005. “Não tem nexo, porque nós, pegando nesse pacto criminal, e fazendo as contas, o que é que resulta? Se fosse verdade, teria aceite um prejuízo colocasse, em vez de um beneficio. Ninguém faz um pacto para se prejudicar. A verdade é que não há esse pacto criminal, mas existe um acordo que estipula que existe um valor contratual. Esse acordo foi celebrado em março de 2004, quando era impossível prever as mudanças do país — nomeação de Santana Lopes, demissão de Santana Lopes. O verdadeiro acordo que existe não é de 2005”, explicou o antigo ministro da Economia.
Para justificar o facto de Manuel Pinho não ter declarado inicialmente os valores recebidos através do tal contrato, Manuel Pinho atirou as culpas para o BES, referindo que esta era uma prática comum dentro do banco. “O BES simplesmente tinha um mau hábito, que era de pagar complementos de salário no estrangeiro. Ou recebia um valor extremamente baixo, ou recebia um valor próximo da concorrência. Era uma má prática generalizada, que se aplicou comigo e com dezenas de quadros superiores.”