A confusão é geral entre os dois maiores partidos, que não conseguem entender-se sobre o que dizer dos acontecimentos de 7 de outubro em Israel. Quase duas semanas depois, o Parlamento continua sem uma pronúncia sobre os acontecimentos que desencadearam uma onda de violência entre Israel e Hamas, com PS e PSD a não conseguirem fechar uma condenação concertada — nem mesmo dentro das próprias bancadas. Está em curso uma tentativa de acordo entre as duas bancadas parlamentares e também o Livre, mas há divergências sobre se o texto final deve cingir-se à condenação do ataque do Hamas e à solidariedade com Israel ou se deve também ter referências aos atos das Forças de Defesa de Israel e à situação na Faixa de Gaza, ou ainda se é possível dosear tudo no mesmo texto.

A primeira tentativa de acordo não resultou e a discussão continua de forma urgente, já que a intenção é que o texto final possa ser votado já esta sexta-feira. Esse documento juntava contributos do PSD, PS e do Livre e foi feito com base num texto do Grupo Parlamentar de Amizade Portugal-Israel, liderado pelo social-democrata Alexandre Poço. Mas o resultado final não teve consenso dentro das próprias bancadas do PS e PSD, a começar logo pelo socialista que preside à comissão dos Negócios Estrangeiros, Sérgio Sousa Pinto, e do coordenador do PSD na mesma comissão, Tiago Moreira de Sá.

No PS, Francisco César (que está a representar os socialista na negociação) diz ao Observador que está a ser feito “um esforço para consensualizar um voto de pesar sobre a situação em Israel e que esteja em linha com a posição da diplomacia portuguesa neste âmbito”. A direção da bancada socialista, sabe o Observador, está confortável com a primeira tentativa de consenso — a mesma que mereceu a crítica de Sérgio Sousa Pinto.

O texto a que o Observador teve acesso tentou juntar tudo. Começa por condenar “de forma absoluta, imediata e inequívoca os ataques terroristas do Hamas em Israel” a 7 de outubro, “expressando o seu mais profundo pesar pelas vítimas destes ataques, em especial as crianças, e solidarizando-se com as famílias e amigos destas vítimas e com o povo israelita”.

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O mesmo documento reconhece o “direito do Estado de Israel se defender contra atos de terrorismo no quadro do Direito Internacional Humanitário, condenando todos os ataques que ultrapassem este quadro” e faz ainda “votos para a libertação de todos os reféns e pessoas sequestradas e para o fim das hostilidades”.

Mas depois vai mais longe — e é aí que as coisas se complicam. O texto deixa um apelo a que “não seja cortado o acesso de água, comida ou energia e que sejam criados corredores humanitários para que seja prestada toda a ajuda e apoio ao povo palestiniano e civis inocentes na Faixa de Gaza”. E acaba a defender “esforços que procurem alargar o círculo da paz na região e acautelar as aspirações nacionais dos povos israelita e palestiniano através da resolução do conflito israelo-palestiniano pela via da paz, do respeito à autodeterminação dos povos e do respeito integral pelos direitos humanos com base na solução de dois Estados, em linha com as resoluções relevantes do Conselho de Segurança das Nações Unidas e em acordos anteriores firmados entre israelitas e palestinianos”.

Ao que o Observador apurou, Sérgio Sousa Pinto preferia um texto mais direto e simples, que fosse absolutamente inequívoco na condenação dos atos perpetrados pelo Hamas e que não desse qualquer margem a segundas e terceiras leituras. De acordo com a versão do texto a que o Observador teve acesso, este segundo documento começa pela condenação do “ataque e as ações terroristas do dia 7 de outubro perpetrador pelo Hamas contra civis indefesos” e continua com a expressão do “pesar e solidariedade para com o povo israelita e todas as vítimas, endereçando as condolências ao Estado de Israel”.

Reconhece igualmente o direito do Estado de Israel se defender contra atos de terrorismo, mas não se alonga na descrição do que se passa em Gaza, como faz o texto inicialmente consensualizado, defendendo apenas que se “efetive a libertação de todos os reféns e pessoas sequestradas e para o fim das hostilidades, que permita restaurar a segurança, retomar o diálogo e a construir a estabilidade na região através da coexistência pacífica de dois Estados, de acordo com as resoluções da ONU”.

Esta posição é igualmente partilhada pelo social-democrata Tiago Moreira de Sá. Tudo somado, os deputados e respetivas direções parlamentares tentarão agora respeitar as várias sensibilidades. Francisco César e Alexandre Poço estão confortáveis com o documento encontrado a partir do Grupo Parlamentar de Amizade Portugal-Israel.

Sérgio Sousa Pinto e Tiago Moreira de Sá, que não estão sozinhos dentro dos respetivos grupo parlamentares, entendem que o documento não é suficientemente inequívoco na condenação dos atos que aconteceram a 7 de outubro e perde o seu efeito nas considerações que faz sobre a Faixa de Gaza. Ao Observador, Alexandre Poço limita-se a dizer que espera ver o “espírito do Grupo Parlamentar de Amizade Portugal-Israel vertido” na versão final do texto que vier a ser votado na Assembleia da República.