“Não Sou Nada”

Um escritório onde Fernando Pessoa edita a Orpheu e todos os seus heterónimos e semi-heterónimos, de Álvaro de Campos ao Barão de Teive, trabalham afanosamente, vestidos tal e qual como ele; uma Ofélia com dupla personalidade, uma de bondosa enfermeira de um hospício, outra de “femme fatale” de filme policial; um Álvaro de Campos revoltado contra Pessoa e que acaba de metralhadora em punho a alvejar os colegas. Não Sou Nada, de Edgar Pêra, é um onírico e extravagante caleidoscópio pessoano, com um argumento quase todo composto por excertos de poemas e outros textos do autor de Mensagem, e uma inflação de personagens em crescente agitação. O filme está sempre a namorar com o caos, mas como interpretação e visualização da figura de Pessoa (Miguel Borges), do interior da sua cabeça e do seu “multiverso” de identidades, não tem igual no cinema português.

“Kompromat — O Dossier Russo”

Gilles Lelouche interpreta este thriller realizado por Jerôme Salle (Largo Winch) e muito livremente inspirado na história real de Yoann Barbereau, o antigo diretor da Alliance Française em Irkutsk, na Sibéria, que foi preso pelo FSB e acusado de pedofilia baseado em provas fabricadas, aquilo a que na Rússia chamam um “kompromat”, ou seja, um processo forjado para manipular, desacreditar ou chantagear alguém, geralmente com fins políticos. Barbereau escreveu depois um livro sobre a sua experiência, mas Jêrome Salle preferiu transformar a história num enredo rocambolesco, cheio de lugares-comuns e atravancado de inverosimilhanças, o que levou aquele a manifestar-se negativamente sobre o filme, rodado na Lituânia. Mas mesmo que não tivesse esta ligação a um facto real, Kompromat — O Dossier Russo seria sempre uma fita medíocre e chumbada na credibilidade.

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“Salvatore Giuliano” / “As Mãos Sobre a Cidade”

Francesco Rosi (1922-2015), um dos expoentes do cinema italiano de comentário e denúncia social e política das décadas de 60 e 70, assina estes dois filmes, realizados em 1962 e 1963, respetivamente, e que regressam às telas nacionais em cópias digitais restauradas. Salvatore Giuliano é uma interpretação, entre o registo neorealista, o documental e o do filme de ação, da controversa e complexa figura do bandido e guerrilheiro secessionista siciliano, que esteve ativo entre meados da II Guerra Mundial e 1950, quando foi finalmente morto pela polícia. As Mãos Sobre a Cidade por Rod Steiger (dobrado em italiano) no papel de um magnata do imobiliário de Nápoles e vereador do município, que Francesco Rosi elege como símbolo da corrupção naquela cidade (de onde o realizador era natural), e do poder sem escrutínio, no período da reconstrução da Itália no pós-guerra, e da entrada do país na era da prosperidade consumista.

O Assassino

A nova realização de David Fincher, que estreia agora nos cinemas e na Netflix a 10 de novembro, um assassino profissional de elite não consegue eliminar um alvo em Paris, vê a namorada ser vítima de uma tentativa de assassínio como represália pelo seu falhanço, e parte em busca dos responsáveis para os matar. Interpretado por Michael Fassbender com uma impassibilidade pétrea raramente perturbada, o Assassino (nunca sabemos o nome da personagem) tem uma filosofia de vida e profissional rigorosa, inflexível e amoral, que nos vai sendo revelada pelo próprio em “off” ao longo da história, e que ele cumpre rigorosamente, sem uma hesitação, um escrúpulo, uma intromissão da consciência que seja, ao mesmo tempo que nos vai esclarecendo sobre alguns aspetos do seu ofício. O Assassino foi escolhido pelo Observador como filme da semana e pode ler a crítica aqui.