Portugal continua a enterrar, em cada ano, três milhões de toneladas de resíduos, e está a esgotar a capacidade dos aterros quando devia estar a aproveitar esses recursos, avisa Pedro Nazareth, diretor-executivo do Electrão, gestora de resíduos.

O Electrão é uma associação de gestão de resíduos, responsável por sistemas de recolha e reciclagem de embalagens, pilhas e equipamentos elétricos e eletrónicos usados, gerindo uma rede de mais de nove mil locais de recolha.

Esta sexta-feira, numa iniciativa chamada “Electrão Open Day”, a entidade quis mostrar aos jornalistas o que acontece aos equipamentos elétricos ou eletrónicos que são deixados num desses locais de recolha. Nas instalações da empresa multinacional Veolia, nos arredores de Lisboa, são, resumidamente, desfeitos e agrupados consoantes os materiais. Um saco para ventoinhas de computador vai-se enchendo ao lado de outro com partes de telemóveis e de outro com discos rígidos.

Um trabalho que, nas palavras de Pedro Nazareth à Lusa, está longe de ser suficiente porque Portugal produz anualmente cerca de cinco milhões de toneladas de resíduos urbanos, os que cada um produz em casa, e cerca de 12 milhões de resíduos não urbanos, sejam industriais ou agrícolas, por exemplo.

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Dentro dos cinco milhões urbanos o país consegue reciclar um milhão de toneladas e valorizar energicamente (queimar) outro milhão. Sobram três.

“O que se está a fazer é a colocar em aterro cerca de três milhões de toneladas dos resíduos que produzimos em nossas casas, todos os anos, com os problemas que daqui decorrem: por um lado o desperdício de recursos, que estão a ser enterrados o que torna impossível o seu reaproveitamento e a sua reintegração na economia, em novos produtos, e por outro com consequências que se preveem a muito curto prazo, que vão limitar a capacidade disponível nos aterros do país”, avisa.

Os aterros, acrescenta, não têm capacidade infinita. E como a capacidade disponível está a terminar, a prazo ou se criam novas estruturas ou se muda o paradigma da reciclagem.

Em relação apenas aos resíduos elétricos e eletrónicos o panorama também não é brilhante.

Pedro Nazareth diz que são vendidos todos os anos em Portugal cerca de 250 mil toneladas de produtos novos. Destas, são recolhidas e recicladas de forma ambientalmente correta cerca de 45 mil toneladas. Não são taxas “que orgulhem”, afirma.

Para aumentar os valores é preciso consciencializar os consumidores e uma forma de o fazer é mostrar o que acontece aos produtos que já não servem em casa se forem corretamente colocados para reciclagem. O Electrão quer agora, uma vez por mês, levar escolas e empresas a conhecer o trabalho da Veolia.

Sandra Silva, diretora da área de resíduos da Veolia diz que o setor é dos mais importantes da sociedade, que há muito para melhorar, que é preciso que o progresso humano aconteça sem que sejam postos em causa os recursos.

No Centro Operacional de Resíduos de Loures os responsáveis lembram que é preciso separar os resíduos em casa mas que é fundamental também prevenir a produção.

Lembram que o cobalto dos telemóveis quase só é produzido no Congo, que os materiais que estão a base da mobilidade elétrica, das eólicas, estão também nos equipamentos eletrónicos e que é importante recicla-los.

Trabalha-se para isso ali em Loures. Duas pessoas estão apenas a desmontar, manualmente, a “box” das televisões, mais duas num tabuleiro rolante fazem uma primeira triagem de equipamentos que vão chegando, de torradeiras a ferros de engomar, tirando cabos por exemplo, para os deixar depois serem semi-triturados e sujeitos então a nova triagem, agora já mais fáceis de separar.

Placas de computador, que não podem ser trituradas, são desmontadas manualmente. Serão trabalhadas noutro local que não ali, o ouro, o cobre, e outros fluxos serão retirados, o ouro e a platina dos telemóveis também. “A mineração urbana é isto”, diz uma responsável da Electrão, avisando a sorrir que as quantidades desses minérios são mínimas.

A Veolia não cria novos produtos mas prepara o caminho. Do que ali lhe chega o ferro convenientemente separado será transformado em lingotes numa siderurgia, outros materiais também prontos irão para outros destinos, em Portugal ou não, outros ainda terão como destino final a incineração.

“Os contentores de cabos são encaminhados para unidades que fazem a reciclagem do cobre”, diz Pedro Nazareth, um dos responsáveis do circuito da “mineração urbana”, por onde vão passando rádios antigos, impressoras, teclados, aspiradores. Lâmpadas fluorescentes às centenas estão também já embaladas para seguir para norte do país.

“O que fazemos é dar um encaminhamento adequado tentando maximizar o máximo possível da triagem desses resíduos, evitando a deposição em aterro”, diz Sandra Silva à Lusa, explicando que também equipamentos grandes, como frigoríficos ou máquinas de lavar, são desmantelados ali e os seus diversos componentes encaminhados para reciclagem.

Sobre os gases de refrigeração de equipamentos como frigoríficos, com grande efeito de estufa caso sejam soltos na atmosfera, a responsável garante que a grande maioria dos equipamentos chega hoje com esses gases, que são tratados convenientemente.

E que equipamentos predominam? Sandra Silva não escolhe nenhum, diz que aparece de tudo mas afiança que a parte informática, e todos os equipamentos eletrónicos têm cada vez mais peso.

“É o problema da eletrificação das nossas vidas e do nosso dia-a-dia”, observa Pedro Nazareth.

“Sabemos bem que há poucos anos sofás elétricos não existiam, e havia aparelhos que não necessitávamos. Há novos produtos que vão satisfazer novas necessidades. E existe o problema do rápido desenvolvimento tecnológico que conduz à rápida substituição dos produtos que consumimos”, diz, preconizando um compromisso entre a inovação tecnológica e a geração de resíduos.

Na página www.ondereciclar.pt é possível saber onde são os locais de recolha de equipamentos. Cada um desses equipamentos pode ter matérias-primas consideradas pela União Europeia como críticas para setores como a indústria digital, a aeroespacial e até a defesa, sejam terras raras, lítio, níquel ou silício.

A sociedade gestora salienta que os equipamentos elétricos, as pilhas e as baterias têm recursos muito valiosos que devem ser reciclados em fim de vida, “não só para proteção da saúde e do ambiente, mas para evitar a extração de novos materiais”.