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Ambientalistas alertaram para habitats prioritários no terreno do data center. Isenção de avaliação ambiental coloca "pressão inaceitável"

Este artigo tem mais de 1 ano

Data center avançou na primeira fase sem avaliação ambiental, que só ocorreu depois. Francisco Ferreira, da Zero, diz que esta isenção retirou "margem para um chumbo". Que habitats estão em risco?

O ministro das Infraestruturas, João Galamba, fala perante a Comissão de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação na Assembleia da República em Lisboa, 19 de outubro de 2023. TIAGO PETINGA/LUSA
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Ministro João Galamba está no centro de alegadas pressões para avançar com o projeto do 'data center'

TIAGO PETINGA/LUSA

Ministro João Galamba está no centro de alegadas pressões para avançar com o projeto do 'data center'

TIAGO PETINGA/LUSA

A isenção de uma Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) da primeira fase da construção do polémico data center de Sines, por alegada pressão política sobre a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), colocou “uma pressão enorme e inaceitável” sobre a agência para, posteriormente, aprovarem o Estudo de Impacte Ambiental relativo às fases seguintes do projeto e darem luz verde à obra, defende o ambientalista Francisco Ferreira, da associação Zero, em declarações ao Observador.

A polémica isenção, que é um dos casos no centro da complexa teia de influências que está a ser investigada no âmbito da Operação “Influencer”, que esta semana levou à demissão de António Costa, permitiu que a obra, levada a cabo pela empresa Start Campus, começasse ainda antes de receber luz verde ambiental, apesar de se situar numa região bastante sensível do ponto de vista ambiental, onde existem habitats protegidos (incluindo ao abrigo de projetos de financiamento comunitário).

Na opinião de Francisco Ferreira, a isenção de AIA em relação à primeira fase, permitindo o início da obra, transformou o projeto num facto consumado que, já depois do início dos trabalhos, seria quase impossível chumbar. “Imagine que eu tenho de fazer um complexo de seis edifícios. Posso fazer os primeiros dois, mas depois para os outros preciso de um Estudo de Impacte Ambiental. É como se começasse a fazer uma estrada e precisasse de um estudo, mas começo a fazê-la antes do estudo”, compara o ambientalista. “Isto retira margem para um chumbo.”

Como escreve esta sexta-feira o Observador num longo e pormenorizado artigo, a implementação do data center de Sines, a cargo da Start Campus, projeto que já foi caracterizado como “o maior investimento desde a Autoeuropa”, foi aprovada pelo Governo numa Zona Especial de Conservação (ZEC). Contudo, terá havido pressões políticas no sentido de modificar os limites da ZEC para permitir a implementação do data center sem a necessidade de uma Avaliação de Impacte Ambiental — e a construção do primeiro dos nove módulos do projeto avançou, num lote que estava fora do limite da ZEC, sem AIA.

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Segundo a tese do Ministério Público, a Agência Portuguesa do Ambiente considerava que era necessária uma AIA para a totalidade do projeto, mas o presidente da APA, Nuno Lacasta, que é um dos arguidos no processo, acabaria por dispensar a fase inicial do projeto deste procedimento — haveria lugar a uma avaliação apenas para as fases seguintes do data center. O Ministério Público acredita que tudo isto aconteceu devido a uma rede de influências que incluiu governantes como João Galamba e Duarte Cordeiro, o consultor Diogo Lacerda Machado (conhecido por ser o melhor amigo de António Costa) e o chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária. Em última análise, o Governo de Costa acabaria mesmo por dar uma via verde ao projeto.

Em abril de 2022, a Start Campus deu início à construção da primeira fase do data center, a tal fase que não precisou de uma AIA. A luz verde ambiental para a totalidade do projeto, essa, só chegou em agosto de 2023 — já tendo beneficiado do Simplex Ambiental. No entender do ambientalista Francisco Ferreira, esta lógica de “começar uma obra antes de ter a aprovação” significa, na prática, que foi colocada “uma pressão enorme e inaceitável” na aprovação posterior do Estudo de Impacte Ambiental, numa altura em que o projeto já estava “em construção há meses”.

Data center põe em risco habitat prioritário

Mas, afinal, que zona protegida é esta? Em causa está a Zona Especial de Conservação da Costa Sudoeste, que abrange vários concelhos da região atlântica do Alentejo e Algarve. Na consulta pública feita durante o procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental para as fases 2 a 6 do projeto do data center (cujos relatórios pode ler aqui na íntegra), foi a Liga para a Proteção da Natureza (LPN) a entidade a pronunciar-se de modo mais veemente sobre o modo como o data center vai afetar a realidade ambiental daquela zona de Sines.

A LPN é, aliás, a entidade coordenadora do projeto LIFE Charcos — um projeto de conservação da natureza financiado pelo programa LIFE, da Comissão Europeia, que envolve a participação da Universidade de Évora, da Universidade do Algarve, da câmara de Odemira e da Associação de Beneficiários do Mira. Este projeto tem como objetivo proteger os charcos temporários mediterrânicos, que um habitatprioritário que deve ser protegido ao abrigo da legislação europeia.

Segundo o pronunciamento da LPN, a área de implementação do projeto do data center “encontra-se sobreposta com uma área sensível do ponto de vista ecológico: cerca de 45,9 ha da área de expansão sobrepõe-se à Zona Especial de Conservação (ZEC) da Costa Sudoeste (PTCON0012) e cerca de 13,1 ha sobrepõe-se à área marítima do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV), no seu limite Norte”.

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Nesta região foi identificada a presença de 30 habitats naturais, incluindo nove classificados como prioritários. Entre estes prioritários encontram-se os “charcos temporários mediterrânicos”, ou “lagoas temporárias”.

Trata-se, diz a LPN na sua posição na consulta pública, de um “habitat extremamente sensível e único que possui espécies raras que dele estritamente dependem”.

“Além de suscetíveis a fatores naturais, como as alterações climáticas, as lagoas temporárias estão muito vulneráveis a diversas atividades humanas, das quais se destaca a agricultura, a silvicultura, o turismo e a urbanização. A sua elevada fragilidade às diversas pressões antropogénicas significa que a manutenção do estado de conservação favorável deste habitat natural é compatível apenas com a atividade pecuária extensiva ou com o turismo de natureza”, acrescenta a Liga para a Proteção da Natureza.

De acordo com a página do projeto LIFE Charcos na internet, “a singularidade deste habitat está associada à diversidade e peculiaridade de organismos que alberga”. Diz a LPN: “A flora e fauna associadas são muito específicas e adaptadas à alternância de condições extremas de encharcamento ou secura, de acordo com a altura do ano, pois os charcos temporários mediterrânicos são zonas húmidas em que a permanência da água depende da precipitação anual e das condições hidrogeológicas locais.”

Exemplo de um charco temporário mediterrânico (fotografia retirada do Facebook do projeto "LIFE Charcos")

“Algumas das espécies de fauna que aqui ocorrem, nomeadamente alguns crustáceos de água doce, são endemismos com uma área de distribuição muito reduzida. Um exemplo muito interessante é o Triops vicentinus, que é considerado um fóssil vivo, pois persiste desde os tempos em que surgiram os dinossauros e só existe na Costa Vicentina. Os charcos representam ainda um habitat essencial para a reprodução de anfíbios, sendo este o único habitat de água doce no qual se encontram quase todas as espécies de anfíbios que ocorrem na região”, acrescenta a LPN.

Segundo aquele organismo, só entre 2013 e 2018, durante o período do projeto LIFE Charcos, financiado a 75% por fundos europeus (num orçamento global de cerca de 2 milhões de euros), foram identificadas 133 lagoas temporárias na ZEC da Costa Sudoeste. Três dessas lagoas encontram-se no terreno do data center. Mais tarde, em 2021, foi detetada uma outra lagoa temporária na zona.

Visitas de campo para Estudo de Impacte Ambiental feitas na época errada do ano

Durante a elaboração do Estudo de Impacte Ambiental (da responsabilidade da entidade promotora do projeto), uma equipa técnica visitou a área e diz não ter encontrado aquele habitat em nenhuma das quatro localizações. Ou seja, como explica a LPN, não foram detetados exemplares das espécies características daquele habitat. No entanto, a organização diz que “as visitas de campo não decorreram durante a época mais favorável à sua observação”, ao mesmo tempo que “ocorreu pouca precipitação nesse ano”, o que não favorecia o surgimento daqueles habitats.

O Estudo de Impacte Ambiental também diz que as lagoas temporárias cartografadas pelo projeto LIFE Charcos se degradaram “definitivamente”, pelo que já não consistiriam um obstáculo à realização do projeto, mas a LPN rebate essa conclusão.

Segundo a LPN, a correta identificação deste habitat prioritária obriga à avaliação da composição fitocenótica de uma lagoa “em anos de precipitação superior ao percentil 40”, de acordo com as normas europeias, devendo a amostragem acontecer no período que corresponde “à máxima diversidade, que se verifica na primavera”. Por isso, a realização das visitas de campo por parte da equipa que fez o EIA, que aconteceram em junho e julho de 2022, não foram feitas no momento adequado.

“Ainda que se admita ter ocorrido a degradação ao longo do tempo das 3 lagoas temporárias identificadas pelo projeto LIFE Charcos, face aos resultados das amostragens realizadas nos últimos anos e, sobretudo, às condições em que estas foram realizadas, entendemos precipitado considerar pela sua atual inexistência”, diz a LPN.

Trabalho científico num charco temporário mediterrânico (fotografia retirada do Facebook do projeto "LIFE Charcos")

A LPN também considerou inadequadas as medidas propostas pela entidade promotora do data center para compensar a eventual destruição de habitats prioritários. Uma dessas medidas passava pelo transplante de exemplares de espécies protegidas e outra pela recriação artificial de charcos temporários mediterrânicos noutros locais. Para a LPN, a empresa Start Campus deveria, em vez disso, implementar medidas de minimização do impacto nas lagoas e levar a cabo um restauro ecológico das quatro lagoas, de modo “recuperar o seu estado de conservação para ‘Favorável'”.

A LPN cita, depois, um manual de normas de gestão para os charcos temporários mediterrânicos, produzido durante o projeto LIFE Charcos, que inclui uma série de regras destinadas à preservação daquele habitat único. Entre essas regras, inclui-se a determinação de zonas de proteção dos charcos — “a área ocupada pelo charco temporário, definida pela linha periférica que delimita a área máxima inundável, acrescida de uma margem de 10 metros”, bem como uma faixa adicional periférica definida por vários critérios específicos de cada local. Nestas zonas, é proibida a edificação de infraestruturas, a modificação do relevo natural, a construção de estradas, o uso de fitofármacos e várias outras ações com potencial para destruir o modificar o ecossistema.

Por fim, a LPN considera que “a adoção de medidas destinadas a favorecer a conservação de habitats naturais prioritários de interesse comunitário, como as lagoas temporárias, constitui uma responsabilidade comum de todos os Estadosmembros” — sobretudo tendo em conta que “as lagoas temporárias afetadas pelo Projeto estão dentro da Rede Natura 2000 e foram alvo de um projeto de conservação da natureza financiado por fundos comunitários”.

A organização diz também lamentar que a AICEP Global Parques, dona daquele terreno, “não tenha implementado a conservação e proteção destas lagoas temporárias”, mesmo “tendo tido acesso aos dados produzidos pelo projeto LIFE Charcos”. Para a LPN, era fundamental que as medidas propostas para proteção das lagoas temporárias fossem implementadas efetivamente pela Start Campus para que pudesse haver uma Declaração de Impacte Ambiental Favorável Condicionada.

Há problemas de “transparência” nas Avaliações de Impacte Ambiental

Para o ambientalista Francisco Ferreira, esta situação mostra como uma pressão política poderá ter colocado em causa esforços sérios de conservação da natureza. “Há dinheiro comunitário gasto para investir na recuperação do território”, aponta Francisco Ferreira, alertando para o risco de se destruir gradualmente toda uma zona de conservação ao “cortar uma fatia aqui e outra ali”.

“À partida, esta ocupação seria proibida numa ZEC. É discutível se pode ser dispensada [a AIA] ou não. Teria de ser averiguado. Mas é uma ocupação de território. É como se fosse um centro comercial, uma situação semelhante à do Freeport”, aponta o ambientalista.

Francisco Ferreira diz ainda que este caso expõe os problemas de “transparência do processo de impacte ambiental” relacionados com a recente implementação do Simplex Ambiental. “Vamos aguardar os resultados, mas as primeiras indicações confirmam aquilo que nós dissemos.”

Também a associação ambientalista Quercus já tinha apontado o dedo ao Simplex Ambiental, afirmando num comunicado divulgado esta semana que o mecanismo facilitou os casos de corrupção que agora foram descobertos. “Este episódio vem expor de forma mais visível o facilitismo e a falta de transparência na instalação de projetos que em nome da transição energética têm estimulado a violação do estado de Direito Democrático e a uma pressão ainda maior sobre o território, e consequentemente sobre as populações locais e os ecossistemas, pondo em causa a sua própria resiliência.”

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