A pergunta “mas quem ganhou” marca as sextas eleições autárquicas em Moçambique desde 11 de outubro e na capital moçambicana os 40 dias de indefinição estão a provocar “injustiça e frustração”, principalmente entre a camada mais jovem.

“Eu sinto-me injustiçada como munícipe, porque, ao votar, esperava ver os resultados, mas até agora não estamos a ver nada”, declarou à Lusa Mércia Paulo, 18 anos, uma estudante da Escola Secundária Josina Machel que foi às urnas pela primeira vez em 11 de outubro.

Embora a Comissão Nacional de Eleições (CNE) tenha anunciado resultados oficiais no dia 26 de outubro, dando vitória à Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) em 64 das 65 autarquias, a indefinição tomou conta da sociedade moçambicana com a contestação aos resultados pela oposição e por organizações da sociedade civil, que denunciam uma “megafraude” a favor do partido no poder em Moçambique desde a independência (1975).

Nas ruas da capital moçambicana, quando passam 40 dias após o dia de votação, as dúvidas sobre a transparência do processo também existem, principalmente entre as camadas mais novas, que agora esperam, agarradas aos noticiários e às redes sociais, pelo veredito do Conselho Constitucional, órgão máximo e ao qual os diversos recursos da oposição foram submetidos.

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Para Mércia Paulo, que teve nestas eleições a sua primeira experiência, a alegada manipulação e a demora dos órgãos eleitorais pode afastar algumas pessoas dos processos eleitorais, mas, segundo a estudante, há uma camada juvenil que começa a “despertar”, exigindo novas alternativas.

“Isso desincentiva as pessoas sim porque sabemos que podemos votar em outros partidos, mas sempre haverá roubo de votos. Mas nós não vamos desistir. Nós queremos um Moçambique melhor e os jovens agora estão decididos. Nós vamos continuar a votar, eles podem roubar, mas nós vamos continuar a votar”, acrescentou.

Tal como Mércia Paulo, Mayda Macheque, 26 anos, assume-se frustrada com a demora do processo e, embora não seja a sua primeira experiência nas urnas, admite que estes episódios mancham as eleições e podem aumentar os níveis de abstenção.

” Eu estou frustrada, zangada e nervosa. Eu quero os resultados”, declarou à Lusa a comerciante informal que vende refrigerantes no meio da azáfama do terminal de transportes coletivos do Museu, no centro capital moçambicana.

“Isto de andarem a roubar votos nós já não queremos. Pelo menos eu já não quero”, acrescenta a comerciante, propondo que a votação seja feita eletronicamente para que os resultados sejam imediatos e transparentes.

Não muito longe da banca de Mayda Macheque, o sapateiro Armando Henriques também aguarda ansiosamente pela resposta à pergunta “mas quem ganhou”.

“Com esta falta de resposta estou totalmente frustrado. Quando os primeiros dados começaram a sair, eu vi que a Renamo [principal força de oposição] estava a ganhar em alguns sítios (…), mas fiquei preocupado quando vi que os sítios em que a Renamo estava a ganhar passaram para a Frelimo. Será que a Frelimo é tão inteligente para ganhar tudo”, questiona o “sapateiro honesto”, como é apelidado na avenida Ho Chi Minh, enquanto engraxa sapatos de mais um cliente, atento, entretanto, aos noticiários a partir do seu pequeno rádio.

A pergunta “mas quem ganhou” marca o escrutínio após ser tema de uma música da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) que se tornou viral, transformando-se num hino entre os milhares de jovens do principal partido de oposição que saem à rua para contestar os resultados eleitorais desde as primeiras projeções.

Milhares continuam nas ruas de Maputo a perguntar “mas quem ganhou” as eleições

Enquanto na rua se espera pela resposta à pergunta, a avaliação do Conselho Constitucional (CC) prossegue na capital, tendo o órgão já solicitado à Comissão Nacional de Eleições os editais da votação em vários municípios do país.

As ruas de algumas cidades moçambicanas, incluindo Maputo, têm sido tomadas por consecutivas manifestações da oposição de “repúdio” à “megafraude” no processo.

A Renamo, que nas anteriores 53 autarquias (12 novas autarquias foram criadas este ano) liderava em oito — nomeadamente em Quelimane, capital da Zambézia -, ficou sem qualquer município, apesar de reclamar vitória nas maiores cidades do país, com base nas atas e editais originais das assembleias de voto, tendo recorrido para o CC, última instância de recurso no processo eleitoral.

Alguns tribunais distritais chegaram a reconhecer irregularidades no processo eleitoral e ordenaram a repetição de vários atos eleitorais, enquanto na rua se realizam regularmente manifestações de contestação aos resultados anunciados.

Em entrevista à Lusa em 10 de novembro, o especialista Guilherme Mbilana defendeu que o elevado número de recursos nas eleições autárquicas moçambicanas resulta do maior domínio da lei, considerando compreensível o tempo que o CC — entidade responsável por validar os resultados eleitorais — está a levar para se pronunciar face à “pressão”.

“A quantidade de recursos é bem maior (…) Não só ultrapassou a média no que diz respeito à quantidade, como também no que diz respeito a complexidade”, explicou o especialista moçambicano em direito eleitoral.