O projeto para o centro de dados em hiperescala Sines 4.0 foi apresentado em 2021 como o maior investimento estrangeiro desde a Autoeuropa e está no centro da investigação do Ministério Público que levou à demissão do primeiro-ministro.

Em vésperas de ser apresentado publicamente pela empresa de capitais anglo-americanos Start Campus, o então secretário de Estado da Internacionalização Eurico Brilhante Dias disse à Lusa que o Sines 4.0 era “sem dúvida, o maior investimento estrangeiro que o país captou desde a Autoeuropa”.

Segundo a empresa, estava em causa um investimento de até 3.500 milhões de euros num megacentro de dados global a instalar em Sines, com capacidade até 450 Megawatts (MW), que criaria até 1.200 postos de trabalho diretos altamente qualificados.

Eurico Brilhante Dias destacou ainda o “enorme potencial de exportação de serviços” do investimento, que tinha sido classificado em março daquele ano como Projeto de Interesse Nacional (PIN).

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O investimento da Start Campus – empresa detida pelos norte-americanos da Davidson Kempner Capital Management LP (Davidson Kempner) e pelos britânicos da Pioneer Point Partners — começou a ser construído em 2022, envolvendo 900 pessoas numa primeira fase e até 2.700 no total, e, em outubro deste ano, foi inaugurado o primeiro de cinco edifícios projetados.

Num comunicado enviado à Lusa, a empresa anglo-americana apontava “pelo menos cinco grandes vantagens” que fazem de Sines uma localização “única e com potencial para se tornar num dos ‘campus’ de ‘data centres’ líderes da Europa”: Energia, escala, conectividade, arrefecimento e topografia marinha.

A nível energético foi destacada a disponibilidade de obter “energia de baixo custo a partir de fontes renováveis, através de muito boa conectividade com a rede elétrica nacional e com fácil acesso a energia verde competitiva, incluindo solar, eólica e (no futuro) de hidrogénio”.

Outros dois “fatores críticos de sucesso” de Sines apontados prendiam-se com a “escala, com opções de terrenos e com potencial de expansão significativa para mais de 450 MW”, e a “conectividade, através dos cabos submarinos intercontinentais atualmente em construção” e da “excelente conectividade com o interior do continente europeu”.

No despacho de indiciação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), a que a Lusa teve acesso, o ex-ministro das Infraestruturas, João Galamba, que se demitiu na sequência da polémica, é suspeito de ter aprovado em 2022, quando era secretário de Estado da Energia, uma portaria com contributos dados por advogados ligados à Start Campus, em benefício daquela empresa.

No total, há nove arguidos na investigação aos negócios do lítio, hidrogénio verde e do centro de dados de Sines, entre eles o ministro das Infraestruturas, João Galamba, o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, o presidente da Câmara Municipal de Sines, Nuno Mascarenhas, e os administradores da Start Campus Rui Oliveira Neves e Afonso Salema.

Portugal vai ter eleições legislativas antecipadas em 10 de março de 2024, marcadas pelo Presidente da República, na sequência da demissão do primeiro-ministro.

António Costa é alvo de um inquérito no Ministério Público (MP) junto do Supremo Tribunal de Justiça, após suspeitos num processo que investiga tráfico de influências no negócio de um centro de dados em Sines terem invocado o seu nome como tendo tido intervenção para desbloquear procedimentos.

O MP considera que houve intervenção do primeiro-ministro na aprovação de um diploma favorável aos interesses da empresa Start Campus, responsável pelo centro de dados, de acordo com a indiciação.

No dia da demissão, Costa recusou a prática “de qualquer ato ilícito ou censurável”.

Também João Galamba e Nuno Lacasta garantem ter respeitado a lei.

Em 13 de novembro, o Tribunal de Instrução Criminal decidiu que os cinco arguidos detidos ficavam todos sujeitos a medidas de coação não privativas da liberdade e não validou os crimes de prevaricação e de corrupção ativa e passiva que estavam imputados a alguns deles, decisão da qual o Ministério Público vai recorrer.

A aposta em Sines de um campeão de hidrogénio ‘verde’ na Europa

O Governo aprovou a estratégia nacional para o hidrogénio em 2020, prevendo que o projeto de instalação de uma fábrica em Sines, distrito de Setúbal, no centro da Operação ‘influencer’, permitiria criar mais de 1.000 postos de trabalho.

A Estratégia Nacional para o Hidrogénio (EN-H2) foi aprovada pelo Conselho de Ministros em 21 de maio de 2020 e contemplava um grande projeto em Sines, que custará entre 04 a 4,5 mil milhões de euros dos 7.000 milhões totais previstos para o plano, dos quais 85% seria investimento privado.

Além de uma unidade industrial de eletrolisadores, estavam também em vista outros projetos, como o Fusion Fuel, a instalação de uma Comunidade de Energias Renováveis, a produção de amónia verde, ou a captura de dióxido de carbono e a criação de um “data center”.

O primeiro-ministro, António Costa, defendeu mesmo que Sines podia ser um “campeão da produção de hidrogénio ‘verde'” na Europa.

Já então ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, disse que o desenvolvimento de uma indústria em torno do hidrogénio verde em Portugal “tem potencial para dinamizar um novo ecossistema económico, aliado ao enorme potencial de descarbonização”.

O projeto das Grandes Opções do Plano (GOP) para 2021 sinalizava uma candidatura ao Projeto Importante de Interesse Europeu Comum Hidrogénio, a apresentar durante o segundo semestre daquele ano e apontava que o projeto industrial de produção em Sines começaria a concretizar-se em 2021.

Os problemas começaram logo em novembro de 2020, quando a revista Sábado avançou que o então ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, e o secretário de Estado da Energia, João Galamba, estavam a ser investigados por causa do projeto de hidrogénio verde em Sines, num inquérito que, segundo a Procuradoria Geral da República (PGR), não tinha arguidos constituídos.

Segundo aquela publicação, o processo estava a averiguar “indícios de tráfico de influências e de corrupção, entre outros crimes económico-financeiros”.

A Sábado dizia ainda que os governantes eram “suspeitos de favorecimento do consórcio EDP/Galp/REN no milionário projeto do hidrogénio verde para Sines”.

A revista escreveu ainda que a investigação criminal teria nascido de uma denúncia feita no ano anterior ao Ministério Público (MP), “que alertava essencialmente para suspeitas de favorecimento de grupos empresariais naquele que é seguramente o maior investimento financeiro público lançado pelos dois governos liderados por António Costa: o plano nacional do hidrogénio”.

Pedro Siza Vieira defendeu-se dizendo que os factos da investigação relacionada com o projeto do hidrogénio verde em Sines não tinham “qualquer fundamento” e acrescentou que iria avançar com uma queixa crime por “denúncia caluniosa”.

No mesmo dia, também João Galamba avançou a intenção de apresentar queixa-crime por eventual denúncia caluniosa, na sequência daquela investigação e de “transmitir à PGR a sua total disponibilidade para prestar os esclarecimentos necessários”.

Em dezembro de 2021, a EDP anunciou que a produção de hidrogénio renovável em Sines ia avançar através de um consórcio de 13 empresas e parceiros de investigação, denominado GreenH2Atlantic, e que, além da EDP, contava ainda com a Galp e a Martifer e incorporava empresas como a Engie, Bondalti, Vestas, McPhy e Efacec.

O consórcio tinha sido selecionado para financiamento do fundo Horizonte 2020 – Green Deal, no valor de 30 milhões de euros, para a construção da unidade de hidrogénio, na central termoelétrica de Sines, entretanto desativada.

Também o consórcio internacional MadoquaPower2X, liderado pela empresa portuguesa Madoqua Renewables anunciou que pretendia investir 1.000 milhões de euros num projeto de produção de hidrogénio e amónia verdes em Sines.

Opiniões dividem-se em Sines mas autarcas receiam retração dos investimentos

Com o concelho ‘nas bocas do mundo’ devido à investigação sobre os negócios do lítio, hidrogénio verde e centro de dados, as opiniões em Sines (Setúbal) sobre os investimentos previstos dividem-se, havendo quem receie uma retração.

Os movimentos de cidadãos são críticos dos investimentos e contestam a forma como a descarbonização está a ser implementada, enquanto a população vê com expetativa os projetos previstos. Já os autarcas temem uma retração, nomeadamente na área do hidrogénio verde.

No café São Torpes, paredes meias com a antiga central termoelétrica de Sines da EDP, encerrada desde janeiro de 2021, suspira-se por melhores dias para o negócio que tem estado parado desde o encerramento da fábrica.

“Nessa altura foi bom. Durante a montagem e por aí fora. Piorou quando eles fecharam”, conta Luís Amador, que se refugia atrás do pequeno balcão depois de servir uma sopa ao único cliente do café.

Questionado pela agência Lusa sobre investimentos como o Data Center, também a poucos metros do seu estabelecimento, diz que são bem-vindos, “desde que não seja para prejudicar a saúde à malta”.

“E que não estraguem o que já está feito, pelo menos uma parte. Com tanto espaço que têm aí para construir, escusavam de construir em cima de certos terrenos que serviam para outras coisas mais úteis. Isso aqui eram terrenos todos cheios de poços e nascentes”, afirma.

No centro da cidade de Sines, entre os poucos populares que quiseram falar à Lusa, é Maximiano Ferreira que revela a sua frustração em relação à estagnação desta região e até do país que, no seu entender, tem de “andar para a frente”.

“Se for um bom investimento, acho que tem de ser aceite e andar para a frente”, considera, dando o exemplo da Autoestrada (A) 26, cujo investimento continua por concretizar.

“Se as empresas não conseguirem investir aqui, conforme querem, com a rapidez que é, se for um bom investimento, acho que tem de ser aceite e tem que andar para frente”, acrescenta.

Com os acontecimentos das últimas semanas que levaram à detenção do presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas, e à demissão do primeiro-ministro, António Costa, ainda frescos na memória, o vereador eleito pelo movimento de cidadãos MAISines, António Brás, diz que a magnitude dos projetos afasta qualquer possibilidade de estes não avançarem.

“Pela sua magnitude, pelos postos de trabalho, pela importância que têm, não só a nível regional, como nacional e até europeia, pela agenda da transição energética, nem sequer colocamos a possibilidade de [estes projetos] se poderem deixar de concretizar”, frisa.

No entanto, o autarca, eleito nas últimas eleições autárquicas, acredita que poderão existir adiamentos nos investimentos previstos.

“Neste momento, e já é mais do que sensação é que vai haver aqui um ‘delay’ [atraso] sobre os projetos, eventualmente, pode haver algumas alterações nos empreiteiros e até algum repensar de alguns projetos”, vaticina.

E este atraso “pode ser dramático” para a região, considera o autarca do MAISines, que aplaude “a diversificação dos investimentos”, tendo em conta que Sines sempre esteve dependente do ciclo dos combustíveis fósseis.

“O projeto ALBA da Repsol, que é um projeto de uma dimensão muito considerável, continua em velocidade cruzeiro. Estou em crer que [também] o projeto que a Galp tem relacionado com o hidrogénio. O porto de Sines continua pujante. Há uma série de investimentos e de trabalhos que continuam”, exemplifica.

Questionadas pela Lusa, a Galp, Repsol e EDP, que têm projetos relacionados com o hidrogénio verde, não querem comentar este assunto.

Do outro lado da ‘barricada’ estão os movimentos que há vários anos contestam a forma como a transição energética está a ser feita em Portugal, que, dizem, hipoteca estes territórios e os seus bens naturais.

À agência Lusa, Kaya Schwemmlein, porta-voz do Juntos Pelo Cercal do Alentejo, movimento que é contra a dimensão de um parque solar naquela freguesia do concelho de Santiago do Cacém (Setúbal), faz a relação entre as energias renováveis e os investimentos do hidrogénio ou do centro de dados que a empresa Start Campus está a construir em Sines.

“Onde se vai buscar toda esta energia que será necessária para o projeto do Data Center?”, questiona, dando a resposta logo de seguida: “Isto é das centrais fotovoltaicas, hectares e hectares, milhares de hectares de centrais fotovoltaicas e eólicas que irão ser espalhadas pelo território”.

Segundo a jovem ativista, só “o Data Center tem uma necessidade 4,6 vezes maior do que o Complexo Industrial de Sines tem na sua totalidade e estes números dizem respeito a 2021”.

No concelho de Santiago do Cacém está prevista a instalação da Central Solar de Cercal do Alentejo e da Central Fernando Pessoa, da Iberdrola e Prosolia Energy, na freguesia de São Domingos e Vale de Água.

“Irá impactar milhares e milhares de sobreiros, para não falar das alterações do uso do solo, por exemplo, das consequências para a saúde humana e das consequências diretas na população”, como o desemprego, alega.

Este mês, os movimentos Juntos pelo Cercal do Alentejo e Vamos Salvar os Sobreiros, a Associação Proteger o Alentejo e o Grupo de Ação e Intervenção Ambiental (GAIA) pediram “a suspensão imediata dos licenciamentos” destas centrais fotovoltaicas e revelaram que vão constituir-se assistentes no inquérito relacionado com a Operação Influencer.