O escândalo do título do novo filme de Todd Haynes (Velvet Goldmine, Carol) foi desencadeado na década de 90 por Gracie (Julianne Moore), uma dona de casa de Savannah, na Geórgia, casada e mãe de filhos, que seduziu Joe Yoo (Charles Melton), um rapaz coreano-americano de apenas 13 anos. Presa por desvio de menor e violação, deixou marido e filhos pendurados e casou-se com o rapaz após cumprir a pena a que foi condenada, e tiveram duas filhas. Apesar das repercussões do escândalo se terem atenuado com o tempo e das pessoas em Savannah terem aceite socialmente a presença do casal, Gracie e Joe ainda hoje recebem, de vez em quando, envelopes ou pacotes contendo fezes.
[Veja o “trailer” de “May December: Segredos de um Escândalo”:]
Surge então Elizabeth (Natalie Portman), uma ambiciosa atriz que ficou famosa graças a uma série de televisão de que parece não guardar boas recordações. Ela vai interpretar Gracie num filme sobre o escândalo e esta recebe-a em casa e autoriza que a acompanhe no seu dia-a-dia, que parece normalíssimo, quer na relação com Joe, agora trintão, quer com a primeira família, os amigos e os membros da comunidade. Só que quanto mais coisas a inquisitiva Elizabeth (que diz gostar de interpretar pessoas difíceis de perceber, num encontro com alunos de Teatro do liceu local) quer saber, da história do escândalo até ao estado do casamento de Gracie, mais esta diz que está tudo bem, negando que alguma vez tenha havido algo errado ou malsão no seu amor por Joe e que o caso tenha afetado as suas famílias, mantendo uma imperturbável fachada de normalidade. Mas a curiosidade insistente de Elizabeth parece ter efeito sobre o lacónico Joe.
[Veja uma entrevista com Julianne Moore e Natalie Portman:]
A historia real por trás de May December: Segredos de um Escândalo envolveu Mary Kaye Letourneau, uma professora na casa dos 30 que, em meados da década de 90, seduziu e teve relações sexuais com um seu aluno de 12 anos, Vili Foualaau. Foi presa por violação em 1997 e uma vez libertada, casaram-se e tiveram duas filhas. A relação acabou em divórcio, em 2019, e Mary Kay morreu de cancro no ano seguinte. Este filme podia ter sido um thriller a cair para o camp, um melodrama desabrido, uma sátira à subcultura tablóide, que explora, amplifica e distorce este tipo de escândalos, ou um drama familiar sobre a relação insólita e chocante entre uma adulta e um menor, e as suas consequências futuras, domésticas e íntimas queer sobre o casal, quer sobre filhos e parentes.
[Veja uma entrevista com Todd Haynes:]
Todd Haynes preferiu fintar todas estas modalidades de formato, perspetiva e registo e fez um filme que contraria as expectativas de quem o vai ver, aparentando ser uma coisa e depois revelando ser outra muito diferente. May December: Segredos de um Escândalo é sinuoso na narrativa em vez de progredir em linha reta, dissimulado e não óbvio, turvo ao invés de claro, tão renitente em revelar informações sólidas e fidedignas como Gracie o é em reconhecer que a sua sedução de Joe foi criminosa, e que não há nada de estranho, perturbante e assimétrico no seu casamento. Haynes põe-nos no lugar de Elizabeth, e a sua crescente frustração e confusão quanto a Gracie e Joe, o que aconteceu no passado, a sua relação no presente e o comportamento dos que o rodeiam para com eles, é a nossa.
[Veja uma cena do filme:]
May December: Segredos de um Escândalo mantém-se cerradamente ambíguo até ao final, o que o priva de uma revelação explicativa, de um clímax emocional, de uma conclusão minimamente satisfatória ou recompensadora para o espectador. E se ser excessivamente demonstrativo e descritivo não resulta, o mesmo vale para o ser-se excessivamente dúbio e incerto. Todd Haynes disse numa entrevista à Sight & Sound que quis o filme permanecesse numa atmosfera de “volatilidade, impenetrabilidade e ambiguidade moral”, interrogando-se se resultaria ou não. Pela parte que me toca, é não. O que a fita tem de enigmático, esquivo e incerto, tem também de morno, monocórdico e frustrante, acabando por nos cansar e afastar da história e das personagens, em vez de estimular o nosso interesse e envolvimento. Ao ponto de a certa altura não querermos perder mais paciência e tempo com elas.