O mundo do golfe e do desporto em geral ficou em choque na última semana com mais uma movimentação da Arábia Saudita que deixou tudo e todos meio atónitos com o impacto do que estava em causa: Jon Rahm, jogador espanhol de 29 anos que ganhou o Masters Tournament (depois do US Open em 2021) e esteve no triunfo da Europa na última Ryder Cup, aceitou uma proposta sem precedentes de 520 milhões de euros para deixar o PGA e o DP World Tour e passar a jogar no LIV Golf. Outros nomes como Dustin Johnson, Graeme McDowell, Martin Kaymer ou Sergio García já tinham também passado para o campeonato organizado pelos sauditas mas nenhum pelos valores em causa no acordo. Rahm tinha assinado, de longe, o maior contrato de sempre no mundo do desporto. Menos de uma semana depois, já desceu à segunda “posição”.

Do golfe para o basebol, os zeros à direita ganharam uma outra dimensão com o principal fenómeno japonês da modalidade que tem brilhado nos EUA: Shohei Ohtani, também de 29 anos, estava numa posição de free agent no final do ano (uma espécie de jogador com passe na mão que sai a custo “zero” no futebol) e assinou o mais contrato de sempre pelos Los Angeles Dodgers, num total de 700 milhões de dólares por dez anos – cerca de 650 milhões de euros, 65 milhões por cada temporada do acordo válido até 2034. E com um outro pormenor, neste caso importante para perceber o impacto da mudança: saiu dos Angels, a outra equipa de Los Angeles na MLB onde se sagrou por duas vezes MVP, para reforçar os grandes rivais da cidade. Mais incrível ainda, numa informação que só depois foi conhecida (mas ainda não é pública): o jogador só vai receber dois milhões de dólares por ano até 2034, recebendo a partir daí 68 milhões por dez anos. Razão? Ajudar os Dodgers a terem uma maior flexibilidade em termos de folha salarial para as próximas épocas.

“A todos os meus fãs e a todos os que estão envolvidos com o mundo do basebol, peço desculpa por demorar tanto até tomar uma decisão. Decidi escolher os Dodgers como a minha próxima equipa. Em primeiro lugar, gostaria de expressar o meu mais sincero agradecimento a todos os que estão envolvidos com a organização dos Angels e a todos os fãs que me apoiaram nos últimos seis anos, bem como a todos os que estiveram envolvidos neste processo de negociação. Especialmente a todos os fãs dos Angels que me apoiaram nos altos e nos baixos, o vosso apoio e suporte significou tudo para mim. Os seis anos que passei nos Angeles vão ficar para sempre marcados no meu coração”, começou por apontar o japonês após a decisão.

“A todos os fãs dos Dodgers, comprometo-me a fazer sempre o que foi melhor para a equipa e a continuar a dar tudo de mim para voltar a ser a melhor versão de mim mesmo. Até ao último dia da minha carreira de jogador vou lutar não só pelos Dodgers mas também por todo o mundo do basebol. Há determinadas coisas que não podem ser transmitidas por escrito, pelo que gostaria de falar mais sobre isso de novo quando puder fazer uma conferência de imprensa mais para a frente. Obrigado a todos”, concluiu.

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Mas quem é Shohei Ohtani, o nipónico que entrou na Major League Baseball (MLB) em 2018 após passagem desde 2013 pelo Hokkaido Nippon-Ham Fighters e que fez o maior contrato de sempre no desporto?

Nascido em Oshu, Iwate, Shotime, como também é conhecido, soube desde cedo o que era o desporto mesmo não estando em contacto com ligas profissionais. O pai, Koru, trabalhava na fábrica principal de automóveis da Mitsibushi mas representava também uma equipa amadora na Liga Industrial Japonesa de basebol, ao passo que a mãe, Kayoko, jogou durante muitos anos badminton (sendo que o filho mais novo de três irmãos nunca a viu fazer qualquer jogo). No entanto, e apesar de ser conhecido como “Yakyu shonen”, descrição para “o rapaz de vive, come e respira basebol”, foi a natação que chegou a assumir um papel principal de destaque, com antigos professores da escola a garantirem que tinha potencial para chegar à equipa olímpica.

O basebol acabou por ganhar essa “luta”, muito por influência do pai e também porque o irmão seguiu a modalidade. Shohei rapidamente se tornou um fenómeno quando estava ainda no ensino secundário, não só como um dos grandes diamantes do desporto nipónico mas também como promessa a nível internacional do desporto. Ainda ponderou saltar mais cedo para fora (ou seja, EUA) mas acabou por fazer quatro temporadas no Hokkaido Nippon-Ham Fighters, que para proteger o jovem jogador montou um sistema para que fosse crescendo longe dos holofotes mediáticos entre os campos de treino, o ginásio e a zona de dormitório. Em 2018, na estreia pelos Los Angeles Angels, fez 15 home runs e 50 entradas numa só temporada, algo que um rookie não fazia há mais de um século desde que chegou ao basebol um senhor chamado Babe Ruth.

Juntando o impacto mediático da chegada à MLB aos números ao nível de um dos melhores de sempre, o caminho de Shohei Ohtani para o sucesso estava traçado. Houve alguns anos condicionados por lesões que adiaram essa ascensão mas 2021, quando ganhou pela primeira vez o troféu de MVP com números como nunca se tinham visto na competição, lançou-o em definitivo para uma zona de estrelato como há muito não se via na modalidade e que lhe valeu mais um prémio de Melhor Jogador. A lançar ou a bater, a atrair todas as atenções e a vender camisolas, tornou-se num autêntico monstro acima dos 1,93 de altura. Agora acaba de ultrapassar mais uma fasquia com números que muitos consideravam impossíveis até agora.

Fora de campo, Shohei é também um exemplo. Além de manter a tradição já antes vista em muitas equipas japonesas de deixar tudo o que toca ainda mais impecável do que estava antes de utilizar, tem o cuidado de utilizar muitas vezes intérprete (o mesmo desde 2013, que acabou por tornar-se quase um faz tudo no que necessitava) para que as ideias nunca saem truncadas por uma qualquer tradução mal feita do inglês e tenta seguir os passos da grande referência no basebol, Hideki Matsui, também conhecido como Godzilla que começou nos Yomiuri Giants antes de passar para a MLB. Apreciador de Manga, em especial a série Slam Dunk que ainda o fez sonhar em jogar basquetebol, o japonês tem também como segredo… dormir. Segundo o Kyodo News, o jogador dorme dez ou mais horas por dia, nunca prescindindo de sestas à tarde.

Ao todo, Shohei Ohtani, que tem um batalhão de marcas que se atropelam para poder patrociná-lo, gera valores acima de 300 milhões de euros por ano, sendo ainda uma referência para que muitos compatriotas se desloquem aos EUA para ver os seus encontros ou sigam a liga norte-americana de basebol no Japão. Entre tudo isto, porque razão decidiu mudar-se para o rival da cidade? Porque aos 29 anos ainda lhe falta algo que nem todo o dinheiro, os recordes e os títulos individuais conseguiram dar: ser campeão nos EUA. E só como batedor em 2024, tendo em conta que foi operado ao cotovelo e apenas voltará a lançar em 2025.