Três décadas depois de anunciada a construção do novo edifício do Instituto Português de Oncologia de Lisboa (IPO de Lisboa), o sonho de concretizar este projeto no centenário da instituição não se realizou, mas a presidente da instituição tem esperança que avance em 2024.

O projeto de um novo edifício começou a ser falado no início dos anos 90 e foi relançado em 2001, tendo conhecido várias localizações.

Em janeiro de 2017, a Câmara de Lisboa cedeu ao hospital um terreno que era ocupado pelo antigo mercado de feirantes da Praça de Espanha, junto ao hospital.

Na altura, foi anunciado que as obras do novo edifício, orçadas em cerca de 30 milhões de euros, iriam arrancar em 2018, o que não aconteceu.

Em outubro de 2019, o então presidente do IPO de Lisboa, João Oliveira, o Governo e a autarquia manifestaram o desejo de que o novo edifício de cuidados ambulatórios fosse uma realidade em 2023, ano do centenário da instituição, que se celebra esta sexta-feira.

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A atual presidente do conselho de administração do IPO de Lisboa, Eva Falcão, reconheceu em entrevista à agência Lusa que o novo edifício seria “um excelente presente de aniversário”, afirmando ter “a esperança” de que o projeto arranque no próximo ano.

“Estamos numa fase de escolha de um projeto de arquitetura. Desenvolvemos um concurso ao longo deste ano e estamos em fase de audiência prévia e, portanto, contamos (…) lançar o concurso para a verdadeira construção ainda durante o ano de 2024”, adiantou.

Eva Falcão explicou que o projeto inicial previa substituir os vários pavilhões que constituem o IPO por um novo edifício.

“Com o passar do tempo, esse projeto foi revisto, porque foram feitas muitas intervenções ao nível dos serviços de internamento”, do bloco operatório, cuja renovação teve um investimento de cerca de seis milhões de euros, e está a ser ultimada uma obra de reapetrechamentos e de renovação da central de esterilização, essencial ao funcionamento do bloco, um investimento de cerca de 700.000 euros.

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Segundo a administradora, estes investimentos levaram a repensar a dimensão do edifício, concluindo-se que não há necessidade de substituir “um parque que está bastante renovado”, mas sim de concentrar a atividade de ambulatório num novo edifício.

O IPO pretende ali reunir as consultas externas, os serviços de atendimento não programado, central de colheitas, laboratórios, hospital de dia de adultos, meios complementares de diagnóstico e terapêutica, fisioterapia, laboratórios, unidades de gastroenterologia, pneumologia, urologia, dermatologia e ainda a dádiva de sangue.

Sobre a requalificação das instalações, a administradora referiu que se trata de um hospital centenário, o que significa “uma permanente necessidade de investimento”, por vezes com impacto no dia-a-dia das pessoas.

Destacou alguns projetos que a instituição pretende fazer e outros que estão em fase de conclusão, como a instalação de um conjunto de painéis fotovoltaicos, apoiada por um programa europeu, que permitirá uma poupança energética estimada em cerca de meio milhão de euros por ano, bem como produzir energia verde.

O serviço de pediatria também vai sofrer uma remodelação no internamento e no hospital de dia, melhorando o circuito do doente e as condições de permanência e de prestação de cuidados, um investimento orçado em cerca de 250 mil euros.

“Há adolescentes que sentimos que não querem estar misturados com os meninos mais pequeninos e, portanto, queremos dar-lhes alguma privacidade”, disse a responsável, sublinhando que o IPO regista cerca de 180 novos casos de cancro pediátrico por ano.

Fundado pelo cirurgião e professor Francisco Gentil, o IPO de Lisboa assinala, esta sexta-feira, o 100.º aniversário com uma cerimónia dedicada aos trabalhadores, cujos rostos estão expostos num mural de fotografias que será, esta sexta-feira, inaugurado.

“Decidimos fazer uma cerimónia mais intimista, homenageando todos aqueles que fizeram, que fazem e que farão” parte do IPO e que o fazem crescer, afirmou.

Para Eva Falcão, estar à frente da instituição e “projetar a casa para mais 100 anos com o prestígio que o IPO tem no país” é “uma enorme responsabilidade” da qual se orgulha.

Com mais de 2.000 trabalhadores, 360 dos quais são médicos (incluindo internos), 620 enfermeiros e 260 técnicos de saúde, a instituição tem 270 camas e recebe doentes das regiões de Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo, Algarve, Açores, Madeira e ainda dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa.

Em Portugal, a prevalência do cancro tem vindo a aumentar e o número de doentes em tratamento no IPO Lisboa também, realizando mais de 309 mil consultas por ano.

Mais de 59 mil pessoas recorreram a uma primeira consulta no IPO de Lisboa em 2022

A estes números, acrescem mais de 41 mil sessões de quimioterapia e mais de 71 mil tratamentos de radioterapia. Em 2022, foram realizadas 7.400 cirurgias e 100 transplantes de medula.

Anualmente, o Lar de Doentes contabiliza cerca de 7.800 dias de estadia de doentes que recorrem às 114 camas disponíveis para permanecer no IPO, muitas vezes com os seus familiares ou cuidadores, beneficiando da proximidade dos serviços clínicos onde estão a realizar tratamentos ou a recuperar de uma cirurgia.

Profissionais, instalações e custo dos medicamentos são desafios do IPO de Lisboa

A captação de recursos humanos, a requalificação das instalações e o custo dos medicamentos e da inovação terapêutica são os três grandes desafios que o Instituto Português de Oncologia de Lisboa enfrenta um século depois da sua criação.

A despesa com fármacos tem vindo a crescer de ano para ano e 2023 não foi exceção: “Fechámos o ano de 2022 com uma despesa em medicamentos na ordem dos 64 milhões de euros e este ano, sem o fecho final das notas de crédito, temos um crescimento de cerca de 20%”, adiantou a presidente do conselho de administração.

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Segundo Eva Falcão, acomodar o custo dos medicamentos e da inovação terapêutica no dia-a-dia é um desafio para a instituição: “Se por um lado temos situações como a terapia celular que oferecem a cura nalguns casos, e são muitíssimo interessantes e muitíssimo compensadoras, temos o desafio de também destrinçar o que é verdadeira inovação e como pagar esta inovação”.

Referiu que o IPO faz parte do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e o que oferece aos doentes “é um tratamento sem olhar a origem, sem custos para o utilizador, mas que obviamente tem um custo e um impacto orçamental muito elevado”.

Entre os três desafios, Eva Falcão indicou como o primeiro a captação de recursos humanos, reconhecendo não ser uma tarefa fácil na região de Lisboa e num “mercado em constante desenvolvimento”.

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“A captação de recursos humanos para a investigação, a dinamização da investigação, é um polo que achamos que também pode ser interessante para os nossos profissionais”, salientou.

Fazendo um balanço da atividade do IPO em 2023, Eva Falcão adiantou que até novembro foram realizadas cerca de 293.000 consultas externas, mais 2% do que no mesmo período de 2022, e 6.000 primeiras consultas, mais 10%.

Questionada se o IPO tem tido capacidade para responder ao aumento da procura, a administradora afirmou que sim: “Aliás, esse foi um dos grandes objetivos que o conselho de administração traçou quando iniciou funções há um ano e cinco meses, de aumentar o acesso da população ao diagnóstico e aos tratamentos”.

“E, de facto, temos conseguido comparativamente com os anos anteriores, em períodos homólogos, crescer em termos de primeiras consultas, de consultas médicas, de cirurgias, de sessões de hospital de dia, sessões de radioterapia”, sustentou.

Este crescimento “bastante elevado” no acesso das pessoas ao tratamento tem sido conseguido com um aumento dos recursos humanos, que neste momento totalizam cerca de 2.100.

“Por outro lado, algumas reorganizações permitem também prestar cuidados de outra forma, criar circuitos de forma diferente, tentando aproveitar ao máximo toda a capacidade instalada do instituto”, sublinhou.

Deu como exemplo as obras no bloco operatório, concluídas no outono do ano passado, e o conjunto de salas que abriram, permitindo aumentar a atividade cirúrgica.

“Felizmente, o IPO respondeu e responde bastante bem à sua população e achamos que ainda temos margem para crescer”, declarou Eva Falcão, que falava à Lusa em frente a um painel de fotografias com os rostos dos profissionais que “fazem crescer o IPO”.

Sonho e trabalho de Francisco Gentil permanecem vivos um século depois no IPO

O Instituto Português de Oncologia nasceu do sonho e do trabalho de Francisco Gentil, cirurgião com uma visão pioneira da luta contra o cancro e para quem “o doente era o rei”.

Francisco Gentil percebeu muito cedo que o estudo do cancro e uma assistência cuidada, personalizada e de elevada qualidade aos doentes oncológicos implicava uma organização independente, uma enfermagem eficiente e um exigente nível científico.

O Instituto Português para o Estudo do Cancro, com sede provisória no Hospital de Santa Marta, em Lisboa, foi criado em 29 de dezembro de 1923 pelo então ministro da Instrução Pública, António Sérgio, através do decreto 9.333, que nomeou uma Comissão Diretora presidida por Francisco Gentil.

Desde logo e por proposta de Francisco Gentil, o Instituto ficou ligado à Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, tendo como objetivos a investigação, o ensino e a assistência a doentes com cancro, objetivos pioneiros que só 60 anos mais tarde seriam consagrados pela União Internacional Contra o Cancro e a Organização Mundial de Saúde.

O legado de Francisco Gentil foi lembrado à agência Lusa pelo seu neto, o cirurgião pediátrico e plástico António Gentil Martins, hoje com 93 anos, que trabalhou graciosamente no instituto entre 1953 e 1957, porque o seu avô só decidiu pagar-lhe depois de mostrar “a necessária competência”.

Gentil Martins, que em 1960 criou a primeira Unidade Multidisciplinar de Oncologia Pediátrica a nível mundial no IPO, contou que o seu avô sempre se interessou pelo cancro e começou a lutar para criar consultas para o tratamento da doença.

“O doente era o rei, era como ele dizia”, recordou Gentil Martins em entrevista no IPO de Lisboa, lembrando a máxima também defendida por Francisco Gentil de “ser fundamental que os direitos não abafem os deveres”.

Gentil Martins recordou um doente a dizer que ia ao instituto porque era “fonte limpa”, o que considerou ser um “forte argumento” para a liberdade de escolha que todo o doente deve ter sobre o local em que quer ser tratado.

O cirurgião que separou pela primeira vez gémeos siameses em Portugal comentou à Lusa que “hoje fala-se muito de centros de referenciação”, mas observou que “essa ideia vem de há 100 anos”.

Na altura, já Francisco Gentil defendia que deviam existir centros específicos para o tratamento do cancro espalhados pelo país, considerando, contudo, que os centros de referência deviam localizar-se em Lisboa, Porto e Coimbra.

Também foi um forte impulsionador da formação, ensino e exercício da enfermagem, tendo criado em 1940 a Escola Técnica de Enfermeiras, a primeira no país.

Consciente de que o Estado não conseguia resolver tudo, o fundador do IPO considerou que era necessário o apoio da sociedade civil, surgindo assim em 1931 a Comissão Particular de Luta Contra o Cancro e 10 anos depois a Liga Portuguesa Contra o Cancro.

Em 1943 foi criado o primeiro lar para doentes e um ano depois foi instituído no hospital “o quarto de repouso”, onde eram colocados os doentes em fase terminal e onde podiam ter a família ou quem quisessem junto deles, modalidade que “acabou com a revolução do 25 de Abril”, lamentou Gentil Martins.

Com “um marcado sentido de serviço público”, Francisco Gentil colocava o doente sempre em primeiro lugar, uma premissa que todos tinham que respeitar.

“Quem não o fizesse ouviria de imediato a frase terrível: Estrada de Benfica e não voltaria mais ao instituto, porque ele queria todas as pessoas a tratar os doentes da melhor maneira possível”, contou o neto do fundador do IPO.

O seu pioneirismo também levou à criação em 1956 do Serviço de Visitação Domiciliária e um ano depois do Serviço de Saúde do Pessoal, o primeiro serviço de saúde hospitalar do país.

Para Gentil Martins, “a luta contra o cancro em Portugal é indissociável da vida e obra do professor Francisco Gentil”, que morreu aos 86 anos, em 1964, “daí o merecido relevo que deverá ser dado ao que conseguiu concretizar e a justiça de manter o seu nome ligado ao nome do Instituto”.

O escritor e médico Fernando Namora, que trabalhou com Francisco Gentil no IPO, dedicou-lhe uma biografia em que destaca a sua obra, e a sua personalidade vigorosa: “E mestre Gentil permanece porque foi arquiteto, obreiro e dinamizador de uma empresa que desafia um gigante: a luta contra o cancro em Portugal”.

“Partindo do nada, e num meio que se apavora das iniciativas, ele, de tenacidade em tenacidade, usando da sagacidade e altivez, armas do seu prestígio, ergue um Instituto de Oncologia. Tinha um agudo instinto da oportunidade e um apuradíssimo conhecimento dos homens: para os converter nunca, porém, se dobrou, nunca lhes serviu a bandeja da humilhação ou da lisonja: impunha-se como soberano que concede mercês em vez de as aceitar”, escreveu.