Pedro Nuno Santos abriu a sua primeira Comissão Nacional do PS enquanto líder com o desenho do guião de campanha eleitoral que seguirá, agarrando-se a duas palavras chave que resumem aquela que deve ser a atitude do novo PS: “humildade” e “empatia”. É assim que defende que o PS deve dirigir-se aos eleitores, admitindo que não só não fez tudo bem como até tomou opções erradas e que deixaram alguns problemas por resolver: “Não nos podemos limitar a defender o que fizemos. Temos de nos apresentar aos portugueses com humildade”, sentenciou. A emancipação face ao tempo de António Costa continua, como se pôde verificar a cada linha do discurso do novo líder, cheio de resoluções de ano novo (ou de liderança nova).

Assegurando de passagem que o trabalho dos governos de António Costa foi bom, Pedro Nuno Santos — que se tem esforçado por passar uma imagem de humildade e contrariar uma ideia de “arrogância”, defeito que também era por vezes associado a António Costa — preferiu concentrar-se nos problemas do país e avisar que o PS não deve “apontar o dedo a quem está zangado“. E foi assim, tomando a iniciativa de apontar os mais variados problemas no país e até na governação do PS, que foi, ponto por ponto, assumindo erros, defendendo a necessidade de explicar ao eleitorado as respetivas causas e prometendo fazer melhor. A receita: “Orgulho no que fizemos bem;  humildade no que não foi suficiente e não teve a resposta que desejávamos”.

“Não está tudo bem. Temos de ter essa consciência”, começou por avisar. “Temos portugueses que estão descontentes, que estão mesmo zangados, que sentem que a sua vida não ata nem desata, não sai da cepa torta”. São esses que o PS deve ouvir, com “empatia”, “identificando-se” com eles, sem se mostrar distante ou “defensivo” — “isso é pouco”.

O que o PS não deve fazer, continuou, como se escrevesse uma espécie de manual para deixar aos camaradas de partido, é “apontar o dedo a quem está zangado connosco, até se afastou de nós” e a quem se aproximou de “partidos xenófobos” — e não tem culpa. O partido deve, sim, tentar “recuperar” esse eleitorado zangado, em vez de o culpar, e “explicar que alguns partidos que se apresentam de forma populista não têm solução, mas sempre com muito respeito por esses portugueses”.

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O(s) mea culpa(s) do PS e o diálogo com os polícias

Consciente de que tem uma missão difícil em mãos — conciliar elogios ao legado de António Costa com o “novo impulso” que quer trazer ao PS –, desta vez Pedro Nuno Santos focou-se sobretudo em assumir à partida os erros e falhas que a oposição aponta aos socialistas, para assegurar que é capaz de os corrigir.

A enumeração dessas falhas, umas novas e outras “estruturais” — para as quais quer olhar de forma “descomplexada” — começou pelos salários: “Ainda não estão no patamar que todos ambicionamos”, assumiu. Depois, o SNS: “Há famílias à espera de cirurgias” e uma “pressão sobre o SNS” que o PS admite e que deve resolver, nomeadamente fazendo “a paz com todos os profissionais de Saúde” — um trabalho que, reconheceu, este Governo já começou mas que quer aprofundar.

De seguida passou à Habitação, uma pasta particularmente problemática até porque foi, enquanto ministro, responsável por ela: há “problemas severos” que, lembrou, não são exclusivamente uma questão portuguesa; mas Portugal tem adotado medidas que nem sempre “produzem os efeitos esperados”. “Aprendemos e alteramos o que é preciso alterar: humildade”, voltou a frisar, lembrando que Portugal é dos países europeus com um parque habitacional público mais baixo.

Depois, a emigração, um dia depois da notícia do Expresso que revelava que 30% dos jovens já vive fora de Portugal: quis desmentir “leituras erradas” — “apesar de tudo, hoje emigram por ano cerca de metade das que emigravam há dez anos” — mas admitiu que essa defesa “não chega”. Com isso, voltou a uma das grandes prioridades que defendeu durante o congresso do PS: sem “especialização da economia”, que não tem acompanhado o ritmo das qualificações, não é possível ter uma população mais bem paga. “A direita acha que baixa reduzir IRC e passe de mágica, não é verdade, não é assim que se moderniza. Temos vindo a fazê-lo mas não ao ritmo que o nosso povo precisa”, admitiu, numa das muito raras referências à direita — neste discurso virado para dentro nem sequer mencionou o nome de Luís Montenegro, nem de qualquer um dos partidos da oposição.

Esta prioridade, reconheceu, pode não ser a mais “sexy” e ser mais difícil de explicar, mas resumiu-a assim: “Não temos dinheiro para pôr em todas as gavetas”. Ou seja, para ter “poder de fogo” o Estado tem de fazer prioridades quanto às áreas que decide apoiar. E defendeu a sua visão qualificando-a como moderada no que toca à economia: “Temos respeito pela iniciativa privada. Não estamos numa ponta nem na outra”.

Depois, foi a uma das insatisfações mais públicas do momento: a dos profissionais de segurança. Neste campo, teve de fazer mais um equilíbrio: o elogio ao ministro da Administração Interna e seu concorrente na corrida interna, José Luís Carneiro, que estava na sala — e em cujo trabalho disse ter “orgulho” — somado à promessa de dar um “novo impulso” a esse “esforço”: “Queremos ser os primeiros, se for possível, a receber quanto antes, já na próxima semana, a plataforma que representa as forças de segurança”.

Estabelecida a promessa de humildade, o líder socialista ainda quis reforçar: é esta a atitude de quem “governou oito anos mas sabe que não resolveu problemas todos, que algumas respostas foram insuficientes ou até mesmo erradas. É assim que temos de aparecer perante os portugueses”.

E acrescentou nova palavra chave, já na reta final do discurso: o PS será também sinónimo de “confiança“, porque os portugueses sabem que apesar desses problemas tem capacidade de os ir corrigindo e que garante “segurança e estabilidade”. Ficou a promessa neste esboço de guião de campanha eleitoral.

Carneiro pede “unidade” e “continuidade” nas listas de deputados

Já no interior da reunião, que após a intervenção inicial de Pedro Nuno Santos decorreu à porta fechada, José Luís Carneiro deixou avisos à nova liderança, apurou o Observador. Depois de defender que a campanha pela liderança do PS mostrou a “força e qualidade democrática do partido” e resultou em órgãos políticos “renovados e unidos na pluralidade” — uma vez que chegou a acordo com Pedro Nuno Santos para indicar 35% dos nomes na Comissão Política e na Comissão Nacional –, lembrou que vem aí um desafio mais difícil: a construção das listas de candidatos ao Parlamento, para a qual não há um acordo formal.

“Importa manter este caminho de unidade na pluralidade e ter em conta que a legislatura foi interrompida. Pelo que, no essencial, o princípio da continuidade, dada a experiência alcançada, deve ser tido em consideração”, frisou na intervenção a que o Observador teve acesso. Ou seja, mesmo admitindo que a “renovação e a abertura” são princípios importantes, Carneiro quer assegurar que os nomes dos seus apoiantes (que representavam cerca de um terço da bancada socialista) não serão varridos das listas.

O candidato que ficou em segundo lugar deixou ainda ataques à nova Aliança Democrática — cuja “falta de soluções” só é superada “pela agressividade com que ataca o PS”, atirou — e, puxando pela sua pasta no Governo, defendeu que os tempos que correm “exigem um acréscimo de responsabilidades no domínio das funções de Soberania”, o que também passa por um esforço adicional do Estado para manter as forças e serviços de segurança motivados e melhorar as suas remunerações, “conferindo melhores condições de vida”.