“É uma noite longa, até os mortos se aborrecem.”
A constatação de uma das personagens, a dada altura da história, é válida para os mortos, mas também para os espectadores. True Detective regressa para uma quarta temporada curta mas com episódios longos (todos a rondarem uma hora), cativante mas lenta, inovadora mas atabalhoada. O primeiro episódio já está disponível na HBO Max e os restantes cinco são libertados semanalmente, às segundas-feiras.
Night Country é o título do novo conjunto de episódios. Estamos em Ennis, nos confins do Alasca (EUA), 150 milhas a norte do limite do círculo do Ártico. Logo depois do último por do sol do ano (antes de a região mergulhar em 24 horas de escuridão por dia), oito cientistas que vivem quase como reclusos numa estação de pesquisa desaparecem inexplicavelmente. Rapidamente são encontrados no meio da neve e do gelo: nus, congelados e, claro, mortos. A chefe da polícia local é Elizabeth Danvers (Jodie Foster), uma mulher “que ninguém suporta” (as palavras são de uma personagem próxima da protagonista), mas que não tem dúvidas da importância do caso que tem à frente.
Em cena aparece também Evangeline Navarro (Kali Reis), a antiga parceira de Danvers que, obcecada por um caso que não conseguiu resolver — o homicídio de Anna K (Nivi Pedersen), uma parteira e ativista nativo-americana que incomodava muita gente —, encontra ligações entre os dois acontecimentos. As duas, que só vamos percebendo por que se desentenderam à medida que a história avança, formam um dueto muito competente, provavelmente a grande mais valia desta temporada.
[o trailer de “True Detective: “Night Country”:]
Estamos muito longe da dupla Matthew McConaughey/Woody Harrelson, que catapultou a série para o topo do ranking das melhores das últimas décadas. Aliás, o facto de os nomes de ambos aparecerem no genérico — agora como produtores executivos — faz-nos lembrar o quão deeslumbrante começou por ser True Detective e isso não é necessariamente bom. A segunda temporada foi um desastre, com Colin Farrell e Vince Vaughn, e a terceira conseguiu recuperar algum do fôlego inicial, muito graças ao talento de Mahershala Ali, mas também já lá vão cinco anos e ninguém se lembra assim tão bem da história. True Detective tem demasiados altos e baixos no currículo para não desconfiarmos a cada novo regresso.
Esta é a primeira vez que o criador, Nic Pizzolatto, se afasta completamente do projeto, o que podia ter sido novamente um tiro ao lado. Porém, a mexicana Issa López tomou conta da história e deu-lhe um protagonismo feminino que sempre lhe tinha faltado. Além dela, showrunner e realizadora, as detetives principais são agora mulheres (Foster e Reis), duas duronas com muitos problemas pessoais para a troca. A primeira, baixa e esquelética e pouco dada ao politicamente correto, é interpretada por uma Jodie Foster estoica que deixa escapar uma nesga de emoção quando menos esperamos, mas nos momentos certos. Se pestanejarmos nem damos por ela. A segunda, alta, corpulenta (Kali Reis era pugilista antes de se transformar em atriz) e sem oferecer um único sorriso, é dedicada mesmo sendo grosseira e acaba por fazer com que, não só gostemos dela, mas passemos igualmente a torcer por Danvers.
Nenhuma é propriamente simpática ou calorosa mas, estamos no fim do mundo que não vê um raio de sol durante meses, não será mais do que compreensível? As duas complementam-se como peças que, sozinhas parecem não valer muito, mas encaixadas no sítio certo do puzzle demonstram que assim tudo faz sentido.
Inicialmente, a história tem todos os elementos para ser um êxito, acompanha por um cuidado visual que sempre foi importante da narrativa True Detective (estamos sempre semi aturdidos sem saber se é manhã, tarde, noite ou madrugada, ainda que os episódios nos vão alertando cada vez que muda o dia), contribuindo para criar um ambiente enigmático. Em Ennis as pessoas parecem todas profundamente infelizes e acomodadas e há uma tensão antiga e constante entre a comunidade indígena e uma empresa mineira que parece pouco importada com o facto de estar a poluir o abastecimento de água da zona (com isso e com todas as necessidades dos habitantes e trabalhadores, no geral). A história ganha pontos por dar visibilidade a uma minoria, mas depois perde-se em superstições, premonições e visões levadas ao extremo. De repente, estamos numa salada de Ficheiros Secretos, Twin Peaks e The Walking Dead. O que é palpável, científico e lógico passa demasiadas vezes para 13.º plano.
Os episódios são longos e as ligações entre os vários casos nem sempre fazem muito sentido. Juntam-se a isso personagens secundárias cheias de potencial que nunca é devidamente aproveitado. Rose Agineau (Fiona Shaw) é um mulherão septuagenário que esventra animais como quem come maçãs e vive isolada de humanos e de um passado que não lhe interessa recordar. Hank (John Hawkes) e Peter Prior (Finn Bennett) são pai e filho, respetivamente, ambos polícias. O primeiro é um espertalhão no que toca a negociatas e favorece quem lhe interessa, mas inábil no que toca ao amor, deixando-se enganar pela promessa de um conto de fadas saído das aplicações de encontros. O segundo é um jovem pai que vive no dilema constante de estar presente em casa ou de fazer todas as vontade à chefe, Liz Danvers, que o usa como um estagiário cachorrinho. A forma como a relação destes dois evolui é interessante mas, mais uma vez, pouco explorada. Tal como a ligação de Liz a Leah (Isabella Star LeBlanc), a enteada por quem tem ressentimentos, mas também amor. É ótima a demonstrar os primeiros, péssima no que toca ao resto.
O mistério, o supernatural, os segredos e a justiça que muitas vezes tem de ser feita pelas próprias mãos têm sempre como pano de fundo um ambiente sinistro e arrepiante, cujo mote é dado logo pelo genérico que conta com o tema de Billie Eilish, Bury a Friend. Porém, muitas vezes não conseguindo equilibrar de forma adequada todos os elementos, a premissa que começa por ser boa desvia-se da rota, provavelmente perdida no nevoeiro e na escuridão de uma longa noite.