Não é propriamente uma síndrome do impostor mas também não anda longe disso mesmo. Como recorda o The Athletic, a propósito de mais um despedimento de José Mourinho desta vez do comando da Roma, é na terceira temporada que o técnico português tem enfrentado o grande desafio ao longo da carreira, chegando ao fim dos projetos nessa janela temporal pela falta de resultados. Porquê? Existem razões diferentes para explicar esse “trauma” do terceiro ano mas acaba por ser o ponto comum nos capítulos recentes da carreira do outrora Special One – que na última conferência disse não ser José Harry Mourinho Potter.
Vejamos então esse traço do técnico português desde que saiu do FC Porto em 2004, quando conquistou tudo o que havia para ganhar em termos nacionais e europeus ao longo de dois anos e meio no Dragão.
- Chelsea (2004-2007). José Mourinho conseguiu ganhar dois Campeonatos, uma Taça de Inglaterra, duas Taças da Liga e uma Supertaça ao longo de três épocas, em que chegou por duas vezes às meias-finais com derrotas frente ao Liverpool (primeiro por um golo, depois nas grandes penalidades), mas o final do terceiro ano foi começando a deixar sinais de que o fulgor inicial tinha esvaziado e a saída com uma indemnização milionária aconteceu logo no início da quarta temporada, em setembro.
- Inter (2008-2010). Na primeira passagem por Itália, José Mourinho não chegou a sentir a síndrome do terceiro ano porque, à semelhança do acontecera no FC Porto, saiu no final da segunda temporada e pela porta grande: foi bicampeão transalpino, ganhou uma Taça, conseguiu uma Supertaça e alcançou a glória europeia com a conquista da Liga dos Campeões após bater o Bayern na final de 2010, decidindo então aceitar a proposta feita pelo Real Madrid entre uma despedida com muitas lágrimas à mistura.
- Real Madrid (2010-2013). A chegada aos merengues tornou-se de imediato o maior desafio da carreira para o técnico, que enfrentava uma das melhores versões do Barcelona deste século com a base da seleção espanhola campeã europeia e mundial mais Lionel Messi contra Ronaldo e companhia. Na primeira época, ficou em segundo na Liga, ganhou a Taça e caiu nas meias da Champions com o Barça; na segunda, conquistou a Liga com 100 pontos, perdeu a Supertaça e voltou a falhar a final da Liga dos Campeões nas grandes penalidades com o Bayern; na terceira, ganhou a Supertaça, perdeu as restantes provas nacionais, caiu de novo nas meias da Champions com o B. Dortmund. A ideia do projeto já se encontrava desgastada, como ambas as partes concordaram, e saiu mesmo no final da terceira época.
- Chelsea (2013-2015). O regresso a Stamford Bridge tinha tanto de arriscado como de natural e foi consumado uns dias depois da saída do Santiago Bernabéu. Nessa passagem, os blues acabaram o ano inicial em terceiro na Premier mas chegando às meias-finais da Liga dos Campeões e voltaram a ser campeões em 2014/15, quando ganharam também a Taça da Liga. Na terceira época, tudo correu da pior forma e o despedimento chegou em dezembro, face aos maus resultados na Premier e na Champions.
- Manchester United (2016-2018). Há muito que se falava do interesse do Manchester United em José Mourinho mas a chegada em 2016 funcionava sobretudo como uma aposta de rutura para acertar o passo de uma equipa que tinha desaprendido a ganhar sem Alex Ferguson. Na primeira época, apesar do sexto lugar na Premier, tudo correu da melhor forma com as vitórias na Liga Europa, na Taça da Liga e na Supertaça; na segunda, apesar de não ter ganhou qualquer título, colocou os red devils em segundo do Campeonato e foi à final da Taça de Inglaterra; na terceira, mais uma vez, os resultados tardaram a aparecer, a equipa não deu o “salto” e a rescisão de contrato foi assinada em dezembro de 2018.
- Tottenham (2019-2021). Mourinho foi o escolhido para substituir Mauricio Pochettino, numa troca de peso tendo em conta que o argentino tinha conseguido levar os londrinos a uma inédita presença na final da Liga dos Campeões. A entrada em novembro de 2019 não trouxe grandes mexidas no resto da época e era em 2020/21 que os responsáveis colocavam o principal enfoque. Não correu bem. E quase para garantir que não teria problemas em abdicar do português no final da época, Daniel Levy decidiu rescindir com Mourinho antes da final da Taça da Liga, onde poderia ganhar um troféu pelos spurs.
- Roma (2021-2024). O português não demorou a encontrar novo projeto, neste caso num regresso a Itália onde tinha ganho tudo pelo Inter mas numa Roma que iria viver tempos complicados por todas as limitações das regras do fair play financeiro. Na primeira temporada, acabou a Serie A em sexto mas ganhou a primeira edição da Liga Conferência; na segunda época, voltou a não conseguir entrar no top 4 do Campeonato (sexto) mas foi à final da Liga Europa com uma derrota nas grandes penalidades frente ao Sevilha que acabou por críticas na garagem à equipa de arbitragem. Na presente temporada, com um plantel reforçado dentro do possível com jogadores emprestados ou a custo zero mas que dava mais argumentos para melhorar, Mourinho foi despedido quando ocupava o nono lugar da Serie A.
O que se segue? A ideia que José Mourinho terá a curto prazo será o fator com maior peso numa decisão, podendo tirar agora alguns meses sabáticos até ao final da temporada para agarrar depois num projeto ou optar por voltar já ao trabalho caso existam propostas nesse sentido. Enquanto esteve na Roma, o técnico foi abordado numa fase inicial para comandar a Seleção, teve propostas da Arábia Saudita, viu o seu nome falado na Premier League, soube que havia uma corrente que defendia um regresso ao Real caso Carlo Ancelotti saísse (o que acabou por não acontecer) e foi apontado como possibilidade para a seleção do Brasil sem nunca ter recebido qualquer abordagem nesse sentido. Assim, e dentro do contexto atual, existem quatro possíveis soluções para o futuro do treinador português de 60 anos depois da rescisão com a Roma.
- Arábia Saudita. Mourinho não colocou uma janela temporal na possibilidade de rumar à liga saudita mas, em mais do que uma entrevista, assumiu que gostava de experimentar uma nova realidade que está agora em voga, podendo até tornar-se o treinador mais bem pago do mundo caso recebesse uma oferta como a que recusou quando estava na Roma. Nesta altura, os principais clubes têm a situação técnica definida, até pela chegada de Marcelo Gallardo ao Al-Ittihad para substituir Nuno Espírito Santo, mas a hipótese de rumar a um clube que lute por títulos na Arábia Saudita é um cenário a ter em conta.
- Chelsea. Ninguém consegue perceber ao certo o projeto desportivo dos blues, que continuam a investir milhões atrás de milhões sem qualquer resultado, mas o futuro de Mauricio Pochettino já chegou a ser colocado em causa tendo em conta a atual nona posição na Premier League a nove pontos dos lugares de acesso à Champions (com mais um jogo). José Mourinho continua a ser visto como um Deus entre os adeptos dos londrinos, que de quando em vez lá vão cantando o nome do português nas bancadas.
- Newcastle. Depois de uma temporada de 2022/23 em que conseguiu levar os magpies à fase de grupos da Liga dos Campeões com o quarto lugar na Premier League, Eddie Howe está a ter uma vida bem mais complicada na presente época, ocupando nesta fase a décima posição do Campeonato após ter caído também das provas europeias. Mourinho já foi apontado por mais do que uma vez ao St. James Park, o que permitiria também cumprir o sonho de treinar o clube de sempre do grande mentor no mundo do futebol, Sir Bobby Robson, uma das figuras mais marcantes da história do Newcastle.
- Seleção. Desde que assumiu o primeiro projeto como treinador principal no Benfica, em 2000, José Mourinho ganhou quase 30 títulos e, de quando em vez, é apontado como possibilidade para seleções como aconteceu no último ano com Portugal (e mais recentemente com o Brasil, numa informação que o próprio técnico). Esta é outra das hipóteses em aberto para o português, sendo que este cenário deveria apontar para um conjunto com menos ambições desportivas e fora das principais seleções europeias.