O antropólogo americano George Marcus considera que não é o medo mas sim o ódio e a raiva que alimentam os populismos de direita, e a explicação para isso estará na forma como o cérebro humano funciona.
Em entrevista à agência Lusa, o antropólogo, com um longo trabalho em torno do estudo das elites, afirma que para se compreender a forma como as pessoas fazem as suas escolhas políticas é preciso entender primeiro como é que o cérebro humano funciona e quando é que este toma decisões ou as delega para a mente.
No colóquio UNPOP — Emoções, Narrativas e Identidades na Política, Populismo e Democracia, que decorre em Coimbra até sexta-feira, George Marcus salientou que há um foco excessivo na mente quando esta “não tem acesso a tempo à realidade”.
Quando alguém atira uma lança contra outra pessoa, o cérebro dessa pessoa não espera por tomar consciência do que aconteceu para ordenar ao corpo para se baixar e responder à ameaça.
“A pessoa já está agachada e a mente ainda está a perguntar: ‘O que raio aconteceu?’ Mas o cérebro, entretanto, já agiu”, esclarece, recordando que o tomar consciência de uma ação ou de algo demora 0,5 segundos e, por isso, se fosse a mente responsável pelo movimento de uma pessoa a subir as escadas, “estaria sempre a tropeçar”.
Quando há medo, o cérebro diz: “não sei o que fazer”.
“Aí, o cérebro vai à mente e a mente procura encontrar uma explicação e a explicação poderá depois vir do meu próprio cérebro ou do cérebro de outra pessoa”, explica George Marcus.
Nesse sentido, o medo obriga as pessoas a parar e a pensar, nota, recordando uma frase comum nos Estados Unidos: “Look before you leap [olha, antes de pulares]”.
“O medo põe-nos nesse lugar mais estático, de pensar em escolhas”, constata. Já o ódio ou a raiva obrigam a uma ação, que não precisa de ser processada pela mente.
Nesse sentido, o antropólogo acredita que é o cérebro e não a mente que leva as pessoas a votar em Donald Trump ou Bolsonaro, com escolhas políticas “mais influenciadas pelo cérebro do que pela mente”.
No entanto, a raiva, ao ser mobilizadora, pode ser também ela positiva, agrupando pessoas em torno de um conjunto de ressentimentos que podem variar de nação para nação ou de região para região.
“A mente aí está envolvida, porque está a interpretar esses ressentimentos, mas não está a deliberar sobre eles. Na verdade, quando falamos quando estamos com raiva tendemos a ter um foco limitado e mente fechada. Usamos a mente, mas a raiva conduz a mente nesse caso para agitar a bandeira e ser persistente até vencer. Exigir qualquer coisa”, aponta.
Em alguns casos, a raiva pode ser boa dependendo da origem dos ressentimentos e pode ajudar a manter um determinado rumo ou uma direção.
Contudo, a raiva gerada pelo ódio, quando associada à política, pode revelar-se “um grande poder”, apesar de as sociedades não gostarem de reconhecer que podem ser mobilizadas pelo ódio.
Pela dificuldade em reconhecê-lo, acabam por ser criadas muito mais palavras que têm na sua origem o medo, mas cujo significado é o ódio, afirma à Lusa George Marcus, defendendo a urgência de se criarem novas palavras.
“Em inglês, há apenas uma palavra, que é a misoginia [ódio contra mulheres], cuja raiz da palavra vem do ódio. As outras estão rotuladas incorretamente como medo”, diz o investigador, recordando que conceitos como islamofobia, xenofobia ou homofobia, estão assentes no ódio e “ó ódio gera ação, movimento”.
George Marcus socorre-se como exemplo do trabalho do jornalista de investigação Bob Woodward, conhecido pelo caso “Watergate”, em torno da presidência de Donald Trump.
Se o seu primeiro livro sobre Trump, em 2018, chamava-se “Medo”, o segundo, publicado em 2020, teve como título “Rage” (“fúria” ou “raiva”, em português).
“O Bob Woodward acreditava que Trump tinha a capacidade de mobilizar as pessoas pelo medo, mas estava errado. É a raiva, o ódio. O Trump não mudou [nos anos entre a publicação dos dois livros], mas a perceção [do jornalista] tinha mudado”, constata.
Na ótica de George Marcus, para a sociedade é muito mais fácil “atirar as culpas para o medo”, do que entender que certos fenómenos ou movimentos sociais são mobilizados pelo ódio.
Para além disto, o antropólogo considera que há sempre duas visões e duas posturas em conflito na sociedade, desde sempre, entre quem perante uma mudança toma uma ação e quem opta por não mudar o rumo.
O investigador recorda os casos dos inuítes, povo indígena das regiões árticas do Canadá e Estados Unidos, que dependiam das renas (fonte de comida, roupa e materiais de construção), seguindo sempre as suas rotas migratórias.
“Um dia, estão num vale, à espera das renas, e elas não aparecem. Uns decidem ficar e outros decidem ir para outro lado. Do grupo que ficou, muitos morreram à fome”, conta.
Aponta que, hoje em dia, há quem recuse a mudança, mesmo que essa mudança pudesse trazer mais riqueza ou melhores condições de vida, porque há um apego ao que se conhece, ao familiar.
Para George Marcus, haverá sempre essa tensão entre quem se quer manter num determinado percurso e quem se procura adaptar.
Essas tensões estão presentes na política atual, seja no Brasil, na Polónia ou, por exemplo, na Turquia, em que o mesmo ator político (Erdogan) abandona uma postura progressista para uma postura conservadora, quando se apercebe de que não alcança a mudança desejada ou que esta não responde aos anseios e expectativas geradas, aclara.
“Estaremos sempre nessa mesma luta, nessa mesma tensão”, observa.
O colóquio UNPOP, que decorre até sexta-feira, é organizado pelo projeto de investigação com o mesmo nome (“UNpacking POPulism” — “Desempacotar o Populismo”, numa tradução livre), coordenado pelo Centro de Estudos Sociais (CES) e pelo Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental (CINEICC) da Universidade de Coimbra.