É uma excelente pergunta para incluir num concurso de cultura geral. Quem foi o anglo-português em que Arthur Conan Doyle se inspirou para criar o vilão do conto de Sherlock Holmes A Aventura de Charles Augustus Milverton, um negociante de arte desonesto? A resposta é Charles Augustus Howell, nascido no Porto em 1840, de pai inglês e mãe portuguesa. Já adulto, Howell instalou-se na Londres vitoriana, onde se tornou numa figura importante junto dos artistas do movimento Pré-Rafaelita, tendo sido secretário e agente do influentíssimo autor e crítico e historiador de arte John Ruskin, bem como do pintor e poeta Dante Gabriel Rossetti, e ainda consultor de negócios do escritor homossexual e masoquista Algernon Swinburne.
“Um vendedor consumado”, segundo o irmão daquele, William Michael Rossetti, Howell era também um mentiroso, um manipulador, um falsificador e um chantagista, capaz de explorar “os passatempos e as fraquezas” das pessoas com quem se envolvia, e que tinha prazer em jogar com as debilidades dos amigos. Ao mesmo tempo que se tornava imprescindível para eles, pelos seus conhecimentos e por causa da facilidade com que se mexia no mundo da arte londrino e ganhava dinheiro para os seus clientes artistas (enquanto por outro lado os desfalcava e usava a sua amante para falsificar obras deles, que depois vendia como autênticas).
[Veja o trailer de “O Pior Homem de Londres”:]
Howell terá também estado envolvido na preparação de um atentado, em Paris, ao Imperador Napoleão III, levado a cabo pelo seu amigo italiano e chefe carbonário Felice Orsini. Aquele que ficou conhecido como “o pior homem de Londres” morreu em 1890, de tuberculose, dizem uns, assassinado à facada nas ruas de Chelsea, segundo outros, ou engasgado com uma moeda, de acordo com outros ainda. Há alguns anos, a desenhadora Raine Szramski fez de Charles Augustus Howell o protagonista de Ned’s Angels, uma das suas bandas desenhadas ambientadas na Inglaterra em que os Pré-Rafaelitas viveram, escreveram e pintaram, e agora é Rodrigo Areias a retratá-lo, sob os traços de Albano Jerónimo, no filme O Pior Homem de Londres.
Numa Londres muito convincentemente recriada no Porto e em Viana do Castelo, e com um elenco de atores portugueses, ingleses e franceses, Areias acompanha as movimentações e as manigâncias do aristocrático, insinuante e manipulador Howell, ao mesmo tempo que nos introduz na intimidade do círculo dos Pré-Rafaelitas. Mas o que O Pior Homem de Londres tem em informação sobre a época, as personagens e os Pré-Rafaelitas, e em afinco e rigor da reconstituição histórica com meios limitados, falta-lhe em vibração dramática e tração narrativa. Uma personagem como Charles Augustus Howell, e uma história como a que ele viveu, devem cativar e arrebatar, e não ficar-se por um torpor quase narcolético.
[Veja uma sequência do filme:]
Um exemplo é a exumação de Elizabeth Siddal (Victoria Guerra), a artista e poeta que foi casada com Dante Gabriel Rossetti e lhe serviu de modelo, e que morreu de uma overdose de láudano, sendo enterrada com um caderno de poemas manuscritos do marido. Alguns anos após a sua morte, Howell terá convencido Rossetti a recuperar os poemas para os publicar e fazer dinheiro, e encarregou-se de exumar o cadáver, juntamente com um médico e duas outras pessoas que abriram a sepultura e rebentaram com o caixão. O que poderia ter sido uma sequência de horror tétrico, incómoda e perturbadora, e um dos pontos altos de emoção da história, é filmada de maneira casual. Não passa por ali um arrepio, antes um bocejo.
Embora a princípio Albano Jerónimo não pareça muito à vontade na pele de Charles Augustus Howell, a sua interpretação ganha convicção e consistência à medida que a história avança e a personagem vai tecendo a sua teia de influências, interesses, manipulações e trapaças. Ele, e a cuidadosa evocação da época e da cidade em que a intriga decorre, assim como dos ambientes artísticos vitorianos e do círculo Pré-Rafaelita, são o melhor de um filme esforçado e minucioso, só que também asténico e moroso.