Foi há apenas quatro meses. No início de outubro do ano passado, em Chicago, Kelvin Kiptum correu a maratona em duas horas e 35 segundos, estabelecendo um novo recorde mundial e tornando-se o primeiro atleta de sempre a baixar das duas horas e um minuto. O queniano de apenas 24 anos era tido como a nova grande estrela do atletismo internacional — e tornou-se o protagonista da mais recente tragédia do atletismo internacional.

Kelvin Kiptum morreu este domingo no Quénia, vítima de um acidente de viação, e deixou totalmente chocada uma comunidade inteira. O atleta estava a conduzir quando perdeu o controlo do carro, chocou contra uma árvore e acabou por cair numa ravina, tendo tido morte imediata. O treinador, que o acompanhava, também morreu, enquanto que uma terceira passageira foi a única sobrevivente e está hospitalizada em estado grave.

Recordista mundial da maratona morre aos 24 anos em acidente de viação

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“Estamos chocados e profundamente entristecidos com a notícia da devastadora perda de Kelvin Kiptum e do seu treinador, Gervais Hakizimana. Em nome de toda a World Athletics, enviamos os nossos mais sentidos pêsames aos familiares, amigos, companheiros de equipa e à nação queniana. Um atleta incrível que deixa um legado incrível. Vamos ter muitas saudades”, disse Sebastian Coe, o presidente da World Athletics, em comunicado.

Também Eliud Kipchoge, bicampeão olímpico da maratona e dono do recorde mundial até outubro, foi dos primeiros a reagir à morte do compatriota. “Estou profundamente triste pela trágica morte do recordista mundial da maratona e estrela em ascensão Kelvin Kiptum. Um atleta que tinha toda uma vida pela frente para alcançar uma grandeza incrível. Ofereço os meus mais sentidos pêsames à sua jovem família. Que Deus os console durante este momento difícil”, escreveu o maratonista queniano.

A história de Kelvin Kiptum é verdadeiramente impressionante. Nascido em dezembro de 1999, cresceu perto de Eldoret, uma localidade do Quénia conhecida por ser o local de origem de muitos maratonistas e uma espécie de lugar sagrado para atletas estrangeiros. Começou a perseguir outros atletas pelos trilhos enquanto ainda era criança, sempre descalço, e aos 13 anos já treinava de forma mais consistente.

Foi precisamente com essa idade que se estreou na primeira meia-maratona da carreira, em Eldoret, terminando em 10.º. No ano seguinte, foi 12.º. Em 2018, numa altura em que ainda nem sequer tinha treinador, conseguiu vencer. A conquista nacional abriu as portas do mundo e o queniano estreou-se em competições internacionais em Lisboa, na meia-maratona de março de 2019, cruzando a meta em 5.º. Nos dois anos seguintes, foi sempre melhorando os próprios registos e baixou da fasquia dos 60 minutos em seis ocasiões.

Era conhecido e reconhecido por treinar “à antiga”, correndo cerca de 240 quilómetros por semana, afastando os planos mais diversos e modernos desenhados por engenheiros, médicos, psicólogos e restantes especialistas. Estreou-se nas maratonas em Valencia, em dezembro de 2022, e venceu: registou o melhor tempo de sempre de um estreante, a segunda metade de maratona mais rápida de sempre (60 minutos e 15 segundos) e tornou-se apenas o terceiro atleta de sempre a baixar das duas horas e dois minutos, depois de Eliud Kipchoge e Kenenisa Bekele.

Queniano Kelvin Kiptum vence maratona de Chicago com recorde do mundo

Quatro meses depois, em Londres, voltou a ganhar e registou a então segunda melhor marca de sempre, ficando a escassos 16 segundos do recorde que pertencia a Kipchoge. Em outubro do ano passado, em Chicago, entrou definitivamente na história: com apenas 24 anos, tirou 34 segundos ao recorde mundial vigente e tornou-se o mais rápido de sempre a correr a maratona, com uma impressionante marca de duas horas e 35 segundos. A curta carreira de Kelvin Kiptum só lhe permitiu correr três maratonas, vencendo as três e colocando os três tempos no top 10 dos melhores registos de sempre da distância.

Atualmente, o queniano estava a preparar-se para correr a maratona de Roterdão, onde se antecipava que poderia tentar fazer ainda mais história e tornar-se o primeiro de sempre a baixar da fasquia das duas horas — um feito que, segundo todos os entendidos, iria alcançar mais cedo ou mais tarde. O objetivo de Kelvin Kiptum para 2024, porém, era outro: estrear-se nos Jogos Olímpicos a representar o Quénia, tendo batalha marcada com o compatriota Eliud Kipchoge nas ruas de Paris no próximo mês de agosto.

“A minha cabeça está em Paris 2024. É o meu sonho. Sempre tive como grande aspiração competir nos Jogos Olímpicos e espero ter a oportunidade de representar o meu país”, tinha dito numa entrevista recente. Deixa a mulher e dois filhos pequenos, de sete e quatro anos, e um legado que não chegou a concretizar. “A sua força mental e a sua disciplina eram incomparáveis. Era o nosso futuro. Fica uma marca extraordinária”, indicou William Ruto, o presidente do Quénia.