A notícia foi dada em entrevista ao programa “Justiça Cega” por Tiago Rodrigues Bastos, advogado de Vítor Escária: o ex-chefe de gabinete de António Costa vai declarar em sede de IRS os 75.800 euros que lhe foram apreendidos em numerário. E a pergunta que se colocou a seguir foi se, desta forma, Escária ficava livre de uma possível investigação pelos crimes de fraude fiscal e de branqueamento de capitais e até mesmo de problemas com o Fisco?
A resposta da fiscalista Serena Neto e do penalista Pedro Marinho Falcão é simples: “Claro que não”, afirmam em uníssono no episódio desta semana do “Justiça Cega” — que passa a ser emitido às 19h de todas as terças-feiras. E Marinho Falcão diz mesmo que a origem dos 75.800 euros terá necessariamente de ser investigada pelo Ministério Público.
Começando pelas questões tributárias: quais são as consequências que Vítor Escária arrisca por ter corrigido em cerca de 40 mil euros o IRS de 2022, declarando o remanescente no IRS de 2023 — cuja entrega se inicia no próximo mês de abril? “Em relação ao IRS de 2022, paga o imposto em dívida, juros compensatórios dos anos correspondentes àquilo que está a declarar e juros de demora se não pagar depois dentro do prazo que lhe é conferido. E, além disso, uma coima”, começa por explicar Serena Neto.
Serena Neto e Pedro Marinho Falcão são claros em afirmar que só existe crime de fraude fiscal se “o prejuízo para o Estado for superior a 15 mil euros”.
Ora, não tendo a informação exata sobre os rendimentos totais do agregado familiar de Vítor Escária em relação ao IRS de 2022, só se coloca essa questão o ex-chefe de gabinete pertencer “ao último escalão de IRS”, o mais elevado.
Divisão da declaração dos 75.800 euros em dois anos visou evitar crime de fraude fiscal
Aliás, a razão para a divisão da declaração do montante apreendido a Vítor Escária — que irá declarar um total de 80 mil euros porque alega que foi esse o montante total que recebeu de serviços de consultoria — tem exatamente a ver com as suspeitas criminais de fraude fiscal.
Apesar de Pedro Marinho Falcão considerar que não se coloca a questão do branqueamento de capitais, o penalista coloca em cima da mesa a fraude fiscal. “A circunstância de [Vítor Escária] dividir os 75.800 euros em dois exercícios fiscais é uma solução para evitar o crime de fraude fiscal e fazer com que o valor da alegada vantagem patrimonial fique abaixo dos 15.000 euros, fora da alçada do crime de fraude fiscal.”
Contudo, alerta Serena Neto, “essa divisão em dois exercícios tem de ter aderência à realidade económica. Ou seja, se o serviço que foi contratado exatamente nesses anos, em duas tranches, e que contrato é que esteve subjacente”, explica em termos abstratos a sócia do escritório Cuatrecasas.
Marinho Falcão corrobora a afirmação da colega e acrescenta que há uma “incongruência” nas declarações do advogado de Vítor Escária quando Tiago Rodrigues Bastos afirma que o seu cliente prestou tais serviços antes de tomar posse como chefe de gabinete de António Costa, em agosto de 2020, mas só foi remunerado em 2022 e em 2023.
Mesmo assim, Marinho Falcão alerta que a informação prestada pelo Rodrigues Bastos “não vincula Vítor Escária. Por isso, temos que partir da presunção de que Vitória Escária vai declarar rendimentos nos anos em causa, mas que tem o comprovativo dos rendimentos e a materialidade das operações. Não pode declarar em 2022 ou em 2023 sem que isto corresponde a uma prestação de serviços.”
Acresce que, se os serviços foram efetivamente prestados no exercício de 2019, pode colocar-se em cima da mesa a prescrição do direito à liquidação do imposto. Ou seja, pode já ter prescrito o direito do Fisco de exigir o pagamento do imposto em falta, diz Marinho Falcão.
Contudo, acrescenta Serena Neto, “a partir do momento que o próprio Vítor Escária se apresenta em 2022 com esses rendimentos, acho que se reabre toda uma discussão” que inclui a eventualidade de tal prescrição não ter ocorrido.
Tiago Rodrigues Bastos: “Se não tivermos cuidado, acabaremos todos presos”
Resumindo: os problemas de Vítor Escária estão todos resolvidos? “Sem dúvida que nada está resolvido. Vítor Escária está à procura de um caminho que lhe permita resolver o problema com o menos impacto fiscal e criminal possível”, afirma Marinho Falcão.